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Felipe Miranda: Qual é a marca da vitória em ações e bitcoins?

22 abr 2019, 10:14 - atualizado em 22 abr 2019, 10:14

Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

Phil Knight, fundador da Nike, oferece uma metáfora maravilhosa no novo clássico “A Marca da Vitória”: quando você nasce, há um alvo tatuado nas suas costas. À medida que você cresce, esse alvo vai crescendo junto. Não é uma opinião. É uma lei física.

Há críticas de toda a sorte sobre a Empiricus. Algumas são justas. Outras nem tanto. Não importa. Respeito todas e tento usá-las como fonte de inspiração para melhorias. Eu mesmo estou entre os maiores críticos de nossa pequena empresa.

Se hoje confronto uma delas não é por não acatar bem os comentários negativos. Tampouco para vangloriar-me de suposto acerto. Ao contrário. Valorizo muito mais meus erros como analista e investidor. Cometi vários em minha vida e, pelo acúmulo de equívocos, poderia facilmente me candidatar a pior investidor de todos os tempos.

A parte boa disso é que vem justamente da sequência de erros o preparo para o posterior acerto. O sucesso é um mau professor. Aqueles com as costas marcadas de tanto apanhar, as mãos calejadas do trabalho árduo e os rostos desenhados com cicatrizes abertas pelas feridas das sucessivas decepções estão em larga vantagem sobre as peles de neném, cujo caráter imaculado apenas disfarça a falta de experiência.

Tenho sempre em mente o gráfico que mostra correlação positiva entre presença da polícia e criminalidade. Sim, é isso mesmo. Há uma relação positiva entre essas duas coisas. Só é contraintuitivo se errarmos na causalidade. Onde há mais crime, há maior necessidade de policiamento. Não quer dizer que maior policiamento aumenta a criminalidade. A seta é: quanto mais crime, mais polícia.

Analogamente, quanto maior o número de erros, mais competente será o investidor. Isso apenas significa mais tempo de estrada e maior número de tentativas, o que o torna mais preparado para as adversidades futuras.

“Eu quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa.” Há um único investidor/gestor que desqualifico já na triagem: aquele que nunca errou.

“Você não vai acreditar: a Empiricus recomendou bitcoin!”

Essa talvez seja a crítica mais curiosa que já recebi. Trato do tema porque ele permite uma lição valiosa, que, na verdade, é a essência de tudo que acredito e que parece escapar mesmo a investidores profissionais sofisticados.

Antecipando a conclusão: os resultados gerados no mercado financeiro se devem muito mais à aleatoriedade do que às competências individuais em identificar ex-ante este ou aquele cenário futuro, ou em apontar um suposto preço justo (valor intrínseco) superior às cotações de tela.

Para mim, a maior competência está justamente em reconhecer que não há competência individual alguma, restando apenas a habilidade em nos expor sabiamente à aleatoriedade, deixar com que as intempéries da deusa Fortuna nos atinjam favoravelmente.

Aos fatos.

É verdade que a Empiricus recomendou bitcoin?

Sim, é verdade. Foi ali entre agosto e setembro de 2017, quando o bitcoin rondava os 17 mil reais. Indicamos ao leitor a possibilidade de se comprar um pouquinho, bem pouco mesmo, algo em torno de 1 por cento do portfólio nessa moeda digital.

E o que sustentava a sugestão? Tínhamos um bom prognóstico para o desenvolvimento dessa tecnologia? Ou identificamos um valor intrínseco muito superior aos tais 17 mil reais?

Nada disso. Eu não sei nada de tecnologia. Tampouco vejo valor intrínseco nas coisas; desconfio até que a realidade, em si, não exista sem a nossa percepção sobre ela, o que exigiria uma atuação extrínseca (percepção externa) para todo e qualquer ativo financeiro ter algum valor.

A indicação resgatava a essência da proposta pragmática de Nassim Taleb: foco na matriz de payoff, resumida no brilhante artigo “Understanding is a poor substitute for convexity”. Ou de maneira ainda mais sintética: X não é f(X).

No caso, X é a realidade; f(X) é a matriz de payoff associada a essa realidade. É muito difícil entender o bitcoin e todo seu entorno. Mas pode ser muito mais fácil entender sua matriz de retorno potencial. No caso, ele poderia ir a zero no cenário negativo (perda de 100 por cento do valor investido); ou poderia se multiplicar infinitas vezes no cenário positivo (obviamente, é uma afirmação hiperbólica, para mostrar a assimetria convidativa do trade; perda potencial máxima de 100 por cento, contra ganho potencial máximo muito superior a isso). Era isso — e só isso — que nos atraía na posição. E dado seu enorme potencial de risco, sugerimos colocar uma grana pequena ali, o dinheiro que o sujeito topava perder. Sabe como é: dinheiro pouco a gente tem muito.

Quando expus esse racional, algo bastante curioso aconteceu. Os entusiastas do tema vieram euforicamente explicar os benefícios do blockchain e como isso mudaria o mundo. Já os críticos, a maior parte deles autoproclamados fãs de Warren Buffett, apressaram-se para logo dizer que o bitcoin não tinha valor intrínseco e que, portanto, iria para zero.

Eu não estava interessado na tecnologia, nem em valor intrínseco. Só estava olhando a matriz de payoff, que era convexa — pouco a perder, muito a ganhar. Encontrava como tréplica novas explicações detalhadas, daquelas chatíssimas tim-tim por tim-tim, sobre a tecnologia, ou cálculos sofisticados refeitos sobre um custo de mineração altíssimo. Eu rebatia que aqueles não eram meus pontos. Encontrava os mesmos contra-argumentos. Desistia. Conversa de louco.

Qual foi o resultado do trade?

No dia em que comprei bitcoin, escrevi aqui neste mesmo espaço. Por pura sorte (e foi pura sorte mesmo), esse negócio foi para 34 mil reais poucos meses depois. Então, voltei aqui para escrever que, tendo dobrado o valor inicialmente aplicado, poderia agora vender metade e continuar somente com o lucro da exposição inicial. Em termos nominais, não tinha mais como perder dinheiro. Foi o que fiz para mim e indiquei para os assinantes.

Se os quatro leitores desta newsletter tivessem seguido a sugestão, comprado 1 bitcoin a 17 mil reais e vendido metade a 34 mil reais, teriam feito caixa no valor de 17 mil reais. Hoje, carregariam 0,5 bitcoin a cerca de 21,1 mil reais por bitcoin. Somando 17 mil da venda da metade da posição lá atrás (nem estou jogando CDI em cima disso) com os 10,55 mil reais da marcação a mercado do 0,5 bitcoin ainda carregado em carteira, teríamos 27,55 mil — um retorno de 62 por cento em cerca de um ano e meio.

Até o momento, esse é o resultado da tal recomendação da Empiricus para comprar bitcoin. Repare algo importante aqui: como o investidor já vendeu metade da posição lá atrás, ele não tem mais como perder dinheiro com o trade em bitcoin, independentemente do que vier a acontecer. Essa já foi. Próxima.

Mas não volto ao tema pela inadequação da crítica. Retomo o caso particular apenas para resgatar a essência da proposta: não é um jogo de tentar adivinhar a realidade futura, não é uma perseguição por um platônico valor intrínseco; é apenas convexidade e aproveitamento das forças aleatórias em seu benefício.

A atuação sobre o bitcoin é apenas um exemplo disso. Vale para as ações também. E isso escapa mesmo a pessoas absolutamente brilhantes e geniais.

Deixe-me citar aqui trecho do livro “O Jeito Peter Lynch de Investir — As Estratégias Vencedoras de Quem Transformou Wall Street”, escrito pelo próprio Peter Lynch: “Logo depois, me tornei conhecido como o Will Rogers das ações, o homem que nunca viu uma ação de que não gostasse. Sempre se fazem piadas sobre isso na Barron’s — ‘Você pode dizer o nome de uma ação de que Peter não goste?’ Uma vez que agora tenho 1.400 empresas diferentes, eu suponho que eles estejam certos. Certamente poderia nomear diversas ações que eu desejaria não ter comprado”.

Peter Lynch é obviamente um gênio. Esteve à frente do mitológico fundo Magellan na Fidelity de 1977 a 1990 e compôs retornos à impressionante taxa de 29 por cento ao ano. É famoso, entre outras coisas, pela ideia dos “tenbaggers”, pela compra de ações com capacidade de se multiplicar por dez. Está tipicamente ligado aos value investors clássicos, defendendo com frequência “investir naquilo que você conhece”.

O que nem Peter Lynch parece ter entendido é que as multiplicações por dez não vieram necessariamente de sua capacidade de identificar boas ações a preços descontados, investindo naquilo que ele conhecia. Se você investe em 1.400 ações, por mera imposição das forças aleatórias, é mais do que natural que algumas delas vão se multiplicar por dez.

Parte da razão de seu próprio sucesso não vinha de sua habilidade pessoal como analista, mas sim da capacidade de se apropriar — pelo visto sem nem saber — da melhor característica das ações: a convexidade, ou seja, a chance de multiplicar seu capital por infinitas vezes, contra a possibilidade de se perder, no máximo, 100 por cento do valor investido.

É isso o que acontece quando você compra ações de forma bastante diversificada.

Se eu tenho uma aplicação prática específica para a proposta mais geral neste momento? Sim. Enquanto todos tenham encontrar quais serão vencedores e vencidos na corrida da tecnologia, distinguir, com o perdão do neologismo, entre disruptores e disruptados, separe 10 por cento do seu capital e invista numa cesta de empresas com real exposição tech. Você provavelmente vai errar a maioria delas. Mas basta um acerto ali dentro para pagar a conta toda.

Talvez você se vanglorie, em especial depois da última quinta-feira, de ter evitado PagSeguro, Stone, Netshoes, Decolar. Ok, respeito. Mas agora tente refazer a conta comprando todos esses equívocos e acrescentando também Magazine Luiza à carteira.

Se você entende os benefícios da atuação diversificada em retornos convexos, pode abrir mão da inútil tentativa de compreender a realidade (desista, pois o mundo é mesmo ininteligível), para focar naquilo que realmente interessa ao investidor: como se comporta seu portfólio.

(Este texto terá continuidade amanhã, na mesma essência, mas sob outro ângulo.)

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