Opinião

Cinco motivos pelos quais o FED errou ao flexibilizar a política monetária

28 mar 2019, 13:51 - atualizado em 28 mar 2019, 14:54

Jerome Powell
(Imagem: Facebook do Federal Reserve)

Por André Luiz Sacconato, doutor em economia pelo IPE-USP, é socio da Integrare Brasil e professor de MBA nos cursos da FIA-USP. Foi coordenador de projetos e responsável por setor externo e fiscal na Tendências Consultoria, economista sênior na áreas de modelagem de mercados na LCA consultores e diretor de pesquisas da BRAiN- Brasil Investimentos e negócios.

O FED (Banco Central americano) reafirmou sua política de manutenção dos juros básicos da economia americana. E indicou que permanecerá assim por, pelo menos, todo ano.  Basicamente as razões permanecem as mesmas: medo de uma diminuição no crescimento mundial, guerra comercial com a China e preocupações com a zona do euro, além de alguns resultados mais fracos, principalmente no setor imobiliário.

Adicionaríamos, ainda, que não foi explicitamente declarada, uma visão do chairman do FED, Jerome Powell, sobre um potencial descolamento da relação inflação x desemprego. Ou seja, é possível que, por algum motivo ainda não revelado, a diminuição do desemprego ainda não bateu no custo do trabalho e consequentemente na inflação. Muitos dizem que o motivo é a concentração das empresas pôs-crise e a perda do poder de barganha dos trabalhadores, mas isso ainda não é consenso.

Nossa análise é que esta pausa é equivocada, e esses motivos não são suficientes para interromper a sequência de alta. Esse processo pode trazer consequências extremamente  negativas para a economia americana por cinco motivos que descreveremos abaixo:

1 – Política Fiscal

Projeções do Congressional Budget Office para a política fiscal americana continuam muito ruins. Segundo o CBO, a relação dívida/PIB pode sair dos atuais 72,8% para 92,7% em 10 anos, com o déficit ultrapassando US$ 1 trilhão entre 2021 e 2022. Teremos política fiscal expansionista e pressionando demanda por muito tempo.

2 – Mercado de Trabalho

O desemprego na economia americana já está muito abaixo dos 4% há muito tempo. O último dado, de fevereiro, foi de 3,8%. Além disso, só não caiu mais por conta da incorporação de muitos desalentados, jovens e mulheres, em um mercado aquecido e que atrai pessoas que já não procuravam emprego. Para reforçar essa tendência fevereiro foi o 101º mês seguido de aumento do número de vagas de emprego. Desde 2017 foram criadas 5 milhões de vagas. O custo de mão de obra que se manteve relativamente estável até 2017, já vem subindo com mais vigor nos últimos meses.

3 – Inflação aberta

Apesar de se manter próximo da meta o núcleo da inflação americana tem pouco folego em relação a seu limite. O CPI sem alimentos e energia está em 2,1% enquanto energia e gasolina apresentaram quedas de 5,1% e 9,1% respectivamente em fevereiro. Quadro muito próximo foi registrado em janeiro, com CPI sem alimentos e energia batendo 2,1% e os itens energia e combustíveis mostrando quedas de, respectivamente, 4,9% e 10,1%. Reforçando esse fato, relatório da IEA (Agencia Interacional de Energia) já mostrou que a equação deve virar: a partir do segundo trimestre deste ano já devemos ver déficit de oferta do petróleo, que já começou a subir. Sendo assim, esses itens, que estão segurando o CPI cheio para abaixo de 2%, não devem ser mais o esteio da inflação.

4 – Incentivo ao endividamento

Em um cenário de juros baixos por muito tempo e com um bom desempenho e expectativas positivas do mercado acionário, empresas trocam divida por ações. O processo é simples: se toma emprestado via ‘bonds’ para recomprar ações da própria empresa, já que os juros são baixos e os retornos sobre ações são altos. Isso torna a empresa mais endividada e, quanto mais longo for o período de juros baixos, maior tende a ser o endividamento médio. Além disso, a comunicação do Banco Central é importante; se mostrar que esse processo de juros baixos vai continuar por muito tempo, o nível de alavancagem das empresas ficará ainda maior. Há evidências claras de que os EUA já estão dentro deste processo.

5 – Alavancagem perigosa

A entrada em vigor da regulação Dodd-Frank dificultou muito a entrada dos bancos no mercado de “corporates bonds e high yields”. Assim as dívidas corporativas foram empurradas para “hegde funds e non bank lenders”, que estão com boa liquidez, mas cada vez mais alavancados. Novamente a flexibilização monetária e o comunicado mostrando que os juros devem permanecer baixos por muito tempo favorecem a alavancagem desses fornecedores de recursos. Assim, somado ao quarto motivo, temos tanto emprestadores como tomadores alavancados.

Um outro motivo, que não consideramos diretamente relevante, mas que deve ser levado em consideração é que a flexibilização foi feita logo após o presidente Donald Trump ter “puxado a orelha” do FED ao aumentar os juros em dezembro do último ano. É claro que isso não deve ser motivo para modificar juros, mas uma flexibilização polêmica quebrando um ciclo que já havia sido iniciado de altas, faz muito mal à reputação do FED, logo após uma declaração pública contrariada do presidente americano.

Em suma, na nossa visão, existem muitos motivos técnicos para o FED continuar um processo de alta de juros, ainda mais com juros reais de longo prazo próximos a 0,5%. Acreditamos que essa nova postura traz riscos muito grandes para economia, principalmente a partir de 2020. Esticar a corda no momento que ela está frágil, pode ser perigoso. Nós, brasileiros, sabemos o resultado.

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