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Rodolfo Amstalden: Caneta vermelha, azul caneta

31 out 2019, 11:10 - atualizado em 31 out 2019, 11:13
Nesse respeitável intervalo de 84 anos, os bonds americanos renderam em média 5,9% ao ano, contra 5,8% das ações (Imagem: Bloomberg)

Rodolfo Amstalden, da Empiricus Research

Todo dia, a B3 viaja para o colégio com uma caneta azul e uma caneta vermelha. Em uma dessas viagens, a Bolsa perdeu sua caneta azul.

Eu peço, por favor, a quem a encontrou, que me entregue de volta essa caneta azul. Por um momento, feche os olhos e lembre-se do “onde” e do “quando” de sua primeira memória consciente, normalmente arquivada aos três ou quatro anos de idade.

Agora imagine qual será seu saldo de investimentos daqui a cinco anos, quais viagens soltas pelo mundo esse dinheiro lhe permitirá fazer. Abra os olhos novamente e tome ciência da máquina formidável dentro da mente humana.

Em um piscar de olhos, conseguimos viajar décadas atrás ou anos à frente, para o interior do Maranhão ou para o litoral da Normandia.

Flutuamos livremente pelo espaço-tempo. Todos somos capazes disso, sem distinção. Ao fecharmos os olhos, podemos alcançar qualquer período e qualquer lugar. Se decidirmos aterrissar, por exemplo, no mercado dos EUA entre 1793 e 1877, encontraremos o reinado da renda fixa sobre a renda variável.

Nesse respeitável intervalo de 84 anos, os bonds americanos renderam em média 5,9% ao ano, contra 5,8% das ações. Demais janelas temporais escolhidas para os mercados espanhol, francês, italiano e japonês antes das Guerras Mundiais apontariam para a mesma conclusão em prol da renda fixa.

Se as estatísticas históricas de múltiplas partes não bastam, vale ouvir as palavras do professor Jeremy Siegel, que ficou famoso justamente por exaltar a performance vantajosa da renda variável em longo prazo (Stocks for the Long Run).

“É provável que a renda variável entregue um prêmio de performance sobre a renda fixa? É claro que sim.”

“Isso implica que nunca haverá épocas nas quais a renda fixa supere a renda variável? Não, não, não.”

Os episódios de reinado da renda fixa surgiram quase sempre em épocas nas quais os juros básicos de partida eram altos, bastante mais elevados do que os patamares atuais (Imagem: Bloomberg)

É natural esperar que títulos de dívida ganhem das ações ocasionalmente. No entanto, a história vem caminhando de forma que a vitória das ações tem se tornado dominante, enquanto a vitória da renda fixa vai ficando cada vez mais rara.

Os episódios de reinado da renda fixa surgiram quase sempre em épocas nas quais os juros básicos de partida eram altos, bastante mais elevados do que os patamares atuais.

Para que um contexto análogo se repita, ou os juros globais terão que voltar a subir drasticamente (para depois cair) ou deveremos desbravar níveis de juros profundamente negativos.

Embora não possam ser completamente descartadas, ambas as hipóteses parecem pouco razoáveis, tanto para o mundo desenvolvido quanto para o Brasil.

O que quero dizer é apenas isto: não há qualquer particularidade tupiniquim no registro de que a renda fixa bateu por muito tempo a renda variável no Brasil.

Isso aconteceu em vários países. Mas, como faz muito tempo, as pessoas se esqueceram.

Tampouco há particularidade tupiniquim nas enormes probabilidades de que a renda variável passe a reinar por aqui de maneira dominante a partir de agora. De fato, é o mais provável.

No fim das contas, eu, você e o Manoel somos todos parte de uma aldeia de convergências globais.

Caneta azul está marcada com as nossas letras.

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