Comprar ou vender?

Ricardo Schweitzer: Par eu ganho, ímpar você perde

02 abr 2018, 22:37 - atualizado em 02 abr 2018, 22:37

Ricardo Schweitzer, analista independente

Todo investidor relativamente experimentado tem consciência de que conflitos de interesse se fazem presentes das mais diversas formas nos mercados financeiros. Quando se trata especificamente da atividade do analista de investimentos, o mais clássico deles tem lugar nas instituições que desenvolvem outras atividades correlatas, como as de corretagem ou estruturação de operações para mercado de capitais: o risco, no caso, é o de as recomendações deixarem de refletir a opinião do analista para se subordinarem a outros interesses, como a conquista de mandatos para operações de crédito ou de mercado de capitais, ou a geração de maior volume de receitas de corretagem, por exemplo.

Não por acaso, empresas de research independente construíram seu discurso fundado precisamente na unicidade de sua fonte de receitas na prestação de serviços dessa natureza: dependendo única e exclusivamente da venda de relatórios, essas casas salvaguardariam a integridade do trabalho dos seus analistas.

A pretensa solução desse problema não elimina, entretanto, a possibilidade de pressões de outros tipos. É com a finalidade de alertar o público investidor para uma dessas possibilidades que escrevo este breve comentário.

Os analistas de valores mobiliários estão sujeitos à regulação da CVM – especialmente a instrução 483 –, que delega as atividades de fiscalização à APIMEC – Associação de Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais, entidade privada que reúne profissionais do setor. São deveres do analista, dentre outros, a observância às normas legais e ao Código de Conduta da associação.

Ocorre que o escopo fiscalizatório da Apimec se restringe aos analistas – isto é, às pessoas físicas devidamente registradas como analistas de valores mobiliários; não contempla as pessoas jurídicas, as empresas para as quais eles trabalham. Estas, desobrigadas de cumprir e fazer cumprir as mesmas normas que seus funcionários, por vezes têm carta branca para pressioná-los a trabalhar no limite das regras, ou mesmo a transgredi-las.

Uma situação propícia à ocorrência do que descrevo são as ações de marketing para venda de relatórios: ao analista é imposta, pelas normas, a obrigação do uso de linguagem moderada e é absolutamente vedada a promessa de retornos, dentre outras restrições. Tais limitações são, obviamente, um enorme inconveniente aos esforços de vendas. À medida que demais áreas envolvidas no negócio – e, no limite, a própria empresa – não estão sujeitas às mesmas restrições que os analistas, pode se instalar um permanente conflito interno entre as partes: de um lado, as áreas de negócio que capturam os benefícios de maiores volumes de vendas; do outro, profissionais sobre os quais podem recair individualmente as responsabilidades e sanções sobre os conteúdos veiculados. É um jogo, evidentemente, muito desigual: par, eu ganho; ímpar, você perde – ainda mais quando levado em conta que, não raro, os analistas são meros funcionários das empresas, sujeitos a cadeias de comando que não necessariamente
são sensíveis às obrigações que sua atividade lhes impõe. Pelo contrário.

Pouco a ganhar; muito a perder: o nome, o registro e o direito de trabalhar.

Será que a única maneira de viabilizar o research independente como negócio autônomo é expor os analistas a riscos regulatórios desmedidos por conta de estratégias de vendas em desacordo com a regulação à qual eles se veem submetidos?

Ou será que simplesmente perdemos a mão? E, na sanha de vender mais e mais, deixamos de lado qualquer resquício de responsabilidade para com funcionários e clientes?

São questões em aberto. É, sobretudo, um debate que precisa ser travado

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