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O problema de fungibilidade dos criptoativos

28 out 2019, 10:00 - atualizado em 30 maio 2020, 11:39
Exploramos o conceito de fungibilidade, sua ligação com a solidez monetária e as implicações para o futuro do principal criptoativo mundial (Imagem: Pixabay/nikhilNarayane)

A nova “regra de viagem” da FATF (Força-Tarefa de Ação Financeira) trouxe à tona preocupações antigas sobre a fungibilidade de criptoativos apoiados por redes de blockchain abertas e descentralizadas.

O que é fungibilidade?

Vários especialistas em Economia possuem opiniões distintas sobre o que é “dinheiro”. O debate é mais evidente na oposição entre a sonância do ouro e a moeda fiduciária.

Apesar de os economistas nem sempre concordarem sobre o que pode ser considerado como “dinheiro”, concordam que para uma moeda facilitar a transferência de valor, funcionar como um meio de troca, deve ter sete características: deve ser durável, divisível, portátil, uniforme, aceitável, limitado em oferta e, por fim, fungível.

Algumas dessas características são de fácil compreensão. Durabilidade se refere a um item que permanece em uso contínuo por um grande grupo de pessoas.

Se o dinheiro pode ser movimentado com facilidade, é portátil. Para ser usado como meio de troca, o dinheiro deve ser separado em unidades menores, ou seja, deve ser divisível.

“Moeda sonante” é o termo que se refere ao som que uma moeda fazia quando os comerciantes precisavam distinguir uma moeda falsa de uma verdadeira. Assim, a sonância garante que a moeda é autêntica (Imagem: Pixabay/terimakasih0)

As duas últimas características dividem opiniões entre os economistas. Para um ativo ou uma moeda serem qualificados como “moeda sonante”, devem ser limitados em oferta.

Essa é uma característica imperativa, pois o dinheiro, assim como o ouro, possui qualidade, enquanto outros, como moedas fiduciárias, geram escassez artificial no sistema bancário.

Fungibilidade é a propriedade de um bem ou de uma commodity cujas unidades individuais são intercambiáveis e cada parte é distinta da outra. Sem dúvida, moedas fiduciárias possuem essa característica.

A nota de real no seu bolso é aceitável em todo o país, não importando a trajetória dela. Não importa se um dia pertenceu a um criminoso. No momento em que a nota chegar até você, está livre de transações históricas, sejam elas de origem duvidosa ou não.

Para garantir a privacidade, o Bitcoin utiliza endereços numéricos, o que torna extremamente difícil descobrir a verdadeira identidade de quem está por trás das transações (Imagem: Pixabay/EivindPedersen)

O problema de fungibilidade dos criptoativos

Bitcoin, assim como a maioria das criptomoedas, é apoiada por um blockchain subjacente aberto e descentralizado. A rede Bitcoin, por exemplo, foi criada para transmitir os detalhes associados a todas as transações disponíveis em seu blockchain para qualquer participante do ecossistema.

Para garantir a privacidade, o Bitcoin utiliza endereços numéricos, o que torna extremamente difícil descobrir a verdadeira identidade de quem está por trás das transações.

Satoshi Nakamoto acreditava que isso era suficiente para a garantia de privacidade e fungibilidade do Bitcoin.

Ele explicou, no whitepaper do Bitcoin, que “o modelo bancário tradicional atinge um nível de privacidade ao limitar o acesso à informação para as partes envolvidas e um terceiro de confiança. A diferença é a necessidade de anunciar todas as transações publicamente, mas a privacidade ainda pode ser mantida ao quebrar o fluxo de informações em outro lugar: as chaves privadas são anônimas”.

Hash rates não são suficientes para a garantia da privacidade das transações (Imagem: Pixabay/vjkombajn)

Infelizmente, a realidade atual é de que o Bitcoin não é fungível. O surgimento de ferramentas avançadas de análise de blockchain e de empresas de análises de blocos agora torna possível o rastreamento de histórico de transações de bitcoin e de outros criptoativos, além de seus usuários.

A fungibilidade da rede Bitcoin começou a ser discutida em 2015, quando uma empresa de blockchain começou a fornecer novos bitcoins a seus clientes como um ágio.

Chamadas de “bitcoins virgens”, essas unidades eram fornecidas diretamente de um minerador, como uma “moeda bonita”, enquanto eram vendidas acima do valor de mercado.

Ao comprar bitcoins recém-minerados, um investidor poderia ter certeza de que o bitcoin em questão não teria histórico como um pagamento na deep web ou, por exemplo, vindo de ransomwares.

litecoin
Litecoin é o campo experimental do Bitcoin (Imagem: Facebook/Litecoin)

No início de 2019, Charlie Lee, criador da Litecoin, admitiu que, por conta de avanços tecnológicos, faltava fungibilidade tanto no “ouro digital” quanto na “prata digital”.

Ele tuitou: “Fungibilidade não é a única propriedade de moeda sonante que falta na Bitcoin e na Litecoin. Agora que o grande debate já passou, o próximo desafio é sobre fungibilidade e privacidade”.

Ele revelou que o foco da Litecoin Foundation era de apresentar Transações Confidenciais para as criptomoedas. Na época, o anúncio empolgou muitos dos envolvidos na comunidade de criptoativos, pois a Litecoin é considerada o campo experimental do Bitcoin.

Mesmo esse anúncio sendo de janeiro deste ano, o desenvolvimento na atualização da Litecoin empacou, conforme revelado num vazamento interno. Além disso, depois da reunião do G20, a FATF lançou um novo guia, que se chama “Regra de Viagem” (do inglês “Travel Rule”).

Esse guia solicita que as exchanges disponibilizem detalhes completos sobre todas as transações fornecidas. Entretanto, “bitcoins virgens”, sem histórico transacional, são isentos dessa regra e, assim, regulados de maneira diferente.

Dandelion++ (“Dente de leão”) é a aposta para ser o protocolo principal de privacidade de transações (Imagem: Pixabay/Bessi)

Pensando no futuro

Enquanto Lee prometia dar outro foco às Transações Confidenciais para a Litecoin Network, essa propriedade não será implementada na rede Bitcoin tão cedo. No entanto, há outras atualizações de software que possam ajudar o Bitcoin a resolver esse problema de fungibilidade.

Uma delas é o Dandelion, protocolo de privacidade de transações que alavanca caminhos aleatórios durante o processo de difusão seguido de uma transação.

“Difusão” se refere ao processo em que a rede transmite detalhes transacionais para todos os nós. A utilização de caminhos aleatórios torna difícil descobrir a verdadeira origem dos fundos.

O lançamento do Dandelion na rede Bitcoin (por meio de uma bifurcação moderada, do inglês “soft fork) está previsto para até 2021.

O protocolo MimbleWimble é um possível protocolo para altcoins centralizadas (Imagem: Medium/Beam Privacy)

MimbleWimble, outro protocolo de privacidade, provou ser resistente ao progredir com a implementação de duas altcoins privadas e centrais.

Apesar de seu bom recorde de rastreamento, o MW precisaria de uma bifurcação drástica (ou “hard fork”) para ser implementado na rede Bitcoin. É provável que isso será um desafio dada a dificuldade de se chegar a um consenso na rede.

Finalmente, as Assinaturas de Schnorr são uma possível solução por envolverem o colapso dos dados transacionais, o que também implicaria em um maior armazenamento de transações em cada bloco.

Também fornecem apoio arquitetônico para futuras atualizações de software que possam apresentar um maior nível de privacidade na rede Bitcoin. Um exemplo disso é a CoinJoin, que agrupa transações diferentes para proteger a privacidade de todas as partes envolvidas.

Enquanto a fungibilidade parece ser algo distante no futuro do bitcoin, encontrar uma solução para esse desafio pode ser a peça final no quebra-cabeças para finalmente tornar o bitcoin em uma moeda sonante.

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