Opinião

O curioso caso de uma “bolha” sem bancos – Parte 2

16 set 2018, 9:00 - atualizado em 16 set 2018, 10:56

Bolha

Por Bernardo Faria, sócio da Foxbit

Boa parte da mídia e, inclusive, premiados economistas afirmam que a indústria de criptoativos vivencia uma bolha financeira fadada a estourar. Se isto é verdade, contudo, trata-se da primeira bolha da história que não teve a participação direta dos bancos.

Os efeitos positivos da “bolha” do Bitcoin – Parte 1

É senso comum que a última guinada de apreciação dos criptoativos, que ultrapassou US$822 bilhões em valor de mercado nos primeiros dias de 2018, teve como principal combustível o movimento especulativo encabeçado por investidores de varejo e também por pessoas que sequer haviam acessado o mercado de investimentos tradicionais anteriormente.

Mas essa tendência parece estar mudando. O envolvimento dos bancos e instituições financeiras neste setor – que, notadamente a partir de 2015, centrou-se na exploração das possibilidades da incorporação da tecnologia de registro distribuído de dados criptografados (DLT, distributed ledger technology), uma espécie de variante da tecnologia Blockchain e que não carrega consigo um ativo digital intrínseco – tem alçado novos patamares.

No Japão, a instituição financeira SBI Holdings anunciou em junho a entrada em operação da primeira exchange de ativos digitais detida por um banco, que irá negociar Bitcoin, Bitcoin Cash e XRP. Enquanto isso, o banco japonês Nomura constituiu uma subsidiária para explorar soluções de custódia de criptoativos com foco em investidores institucionais.

Na Coreia do Sul, o banco Shinhan, segundo maior do país, tem trabalhado no desenvolvimento de uma carteira de custódia de Bitcoin para os seus clientes. Em dezembro de 2017, de acordo com relatório do banco central da nação asiática, os bancos sul-coreanos detinham cerca de US$1,8 bilhão em ativos digitais em seus portfólios.

Nos Estados Unidos, o envolvimento do banco de investimento Goldman Sachs no setor cripto começou há pelo menos três anos, quando a instituição investiu na Circle, que hoje é dona da Poloniex, uma das maiores exchanges de criptoativos do mundo. O banco também ajuda seus clientes a liquidarem contratos de futuros de Bitcoin, negociados nas duas principais bolsas de derivativos do mundo, a CME e a CBOE. Especula-se ainda que o Goldman Sachs irá lançar uma mesa de negociação de ativos digitais.

No início de agosto, a Intercontinental Exchange (ICE), dona de várias bolsas de valores no mundo, incluindo a New York Stock Exchange (NYSE), anunciou a criação da startup Bakkt, em parceria com a Microsoft e o Starbucks, que irá criar uma plataforma nos Estados Unidos para compra, venda, custódia e liquidação de Bitcoin. A ideia é permitir que investidores institucionais e de varejo possam acessar o mercado de criptoativos de maneira fácil, segura e regulada.

No Brasil, apesar de existir certa ojeriza dos bancos comerciais em relação aos criptoativos, é notável a tentativa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de utilizar o Blockchain do Ethereum para dar mais transparência, celeridade e reduzir custos dos empréstimos que são feitos entre entes públicos.

Também estamos começando a ver uma espécie de miscigenação do sistema financeiro tradicional com o ecossistema cripto, que pode ser vista na aquisição de 9,9% do banco alemão WEG AG por parte da Litecoin Foundation, a organização sem fins lucrativos por trás do desenvolvimento da litecoin, um dos ativos digitais mais valiosos do mercado. A compra do banco germânico foi feita em parceria com a empresa de pagamentos crypto-fiat TokenPay e o motivo da aquisição é simples: tanto a Litecoin Foundation quanto a TokenPay se cansaram de ter problemas com os bancos comerciais e decidiram resolver este gargalo comprando um banco.

A exchange norte-americana Coinbase, que possui mais de 20 milhões de usuários, cogita obter uma licença para operar também como um banco. A aquisição de uma licença bancária ampliaria a linha de serviços que a Coinbase poderia oferecer a seus clientes e eliminaria a necessidade de encontrar um parceiro bancário disposto a trabalhar com uma empresa que oferece negociação de ativos digitais. Imaginar que esta empresa possa ofertar a seus clientes serviços de compra, venda, trading e custódia de criptoativos, além de serviços bancários, a coloca em uma posição para se tornar uma espécie de Amazon do segmento cripto.

Muitas empresas do ecossistema de criptoativos estão bastante capitalizadas a ponto de poderem se tornar um banco do dia para noite. Este é o caso, por exemplo, da exchange Binance, que em pouco tempo de operação conseguiu obter resultados impressionantes. Para se ter ideia, no primeiro trimestre de 2018, o lucro líquido da companhia foi maior do que o resultado do Deutsche Bank, maior banco alemão.

Parece-me óbvio que bancos e instituições financeiras ao redor do mundo estão saindo da inércia e querem explorar as possibilidades deste novo mundo digital de transferência e registro de valores. O fato é que o sistema financeiro e o ecossistema de criptoativos estão iniciando um processo de fusão. O bitcoin e a blockchain estão criando as bases estruturais para que um novo sistema financeiro mundial possa emergir. O mais interessante é que essa revolução começou de baixo para cima. Quem está em cima, não vai querer ficar de fora.

PSno primeiro artigo desta série, escrevi sobre os efeitos positivos decorrentes das valorizações e correções nos preços dos ativos digitais. O argumento central baseia-se no fato de que parte do valor capturado nos momentos de exuberância irracional do mercado retorna ao ecossistema como forma de investimento, o que possibilita a criação de novos negócios, produtos, serviços e tecnologias.

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