Brasil

Como o governo desmembrou o acordo do ICMS sobre combustíveis (e quais partes podem não ser aprovadas)

10 jun 2022, 19:19 - atualizado em 10 jun 2022, 19:19
Senado combustíveis icms
O PLP de autoria de Bezerra deve ir ao Senado na semana que vem (Imagem: Waldemir Barreto/Agência Senado)

Consumidores e agentes de mercado estão atentos à nova iniciativa do governo para reduzir o preço dos combustíveis no Brasil.

Na segunda-feira (6), o governo anunciou um novo acordo que pretende zerar o ICMS, tributo estadual, sobre o diesel e o gás de cozinha, além de reduzir o ICMS e zerar impostos federais sobre a gasolina e o etanol.

Em contrapartida, estados terão parte de sua arrecadação do ICMS perdida compensada pelos cofres da União.

A iniciativa se destaca entre as tentativas do governo em tentar melhorar a situação econômica do país na medida em que se aproximam as próximas eleições presidenciais.

Mas, por envolver a tramitação de emendas à Constituição Federal, a aprovação do pacote depende mais do que da vontade do presidente Jair Bolsonaro (PL) em melhorar o impacto das bombas no bolso do consumidor.

Acordo é composto por duas PECs e um PL

O acordo entre os entes federativos para a redução tributária nos combustíveis depende de três projetos separados, duas propostas de emenda à constituição (PECs) e um projeto de lei complementar (PLP), todos encabeçados pelo senador Fernando Bezerra Coelho (MDB – PE).

O PLP 18/2022, de autoria de Bezerra, é o mais encaminhado, aprovado na Câmara dos Deputados no fim de maio, com 403 votos a favor e 10 contra, e  que agora segue para o Senado Federal.

Já as outras duas PECs foram apresentadas pelo senador durante esta semana e devem começar a tramitar a partir de segunda-feira (13).

Para o cientista político e professor da FGV Marco Antonio Teixeira, as propostas que visam alterar a Constituição são as partes do projeto que mais terão dificuldade em ser aprovados, especialmente no Senado.

“O Senado é a casa de representação dos estados. Lá, todos têm o mesmo número de representantes, independente do tamanho da população. E o que temos visto é que é lá onde o governo tem tido mais dificuldades para ter seus interesses aprovados”, diz.

Para o professor, os senadores não têm interesses e vínculos tão fortes com o atual governo como têm os deputados.

“Boa parte dos senadores já foram governadores e são possíveis candidatos, pensando no longo prazo. Então interesses estaduais acabam tendo mais peso. E mudanças como essa do ICMS têm impactos importantes, sobre vários aspectos. Em São Paulo, é um dinheiro que iria para as universidades estaduais”, afirma.

Teixeira afirma que os senadores sofrem pressão dos governadores de maneira mais direta do que deputados, principalmente em questões fiscais.

Além disso, o professor lembra que o processo de aprovação de emendas à constituição não é simples —  são necessárias duas votações em cada Casa do Congresso, e a PEC só será aprovada se obtiver, na Câmara e no Senado, três quintos dos votos dos deputados (308) e dos senadores (49).

“É um esforço enorme para aprovar uma PEC, muito maior do que um projeto de lei, e a tramitação não é tão ágil. Lembrando que temos um calendário eleitoral à vista, o pacote está com cronograma apertado para produzir o resultado que o governo espera”, afirmou.

Entenda cada proposta: o PLP 18/2022

O PLP 18/2022 define um limite máximo para a cobrança do ICMS, classificando os combustíveis, energia elétrica comunicações e transporte público como bens e serviços essenciais.

A partir desta classificação, estados ficam proibidos de cobrar o imposto acima de uma alíquota geral de cerca de 17%.

Bezerra também incluiu no texto a possibilidade de o governo zerar as alíquotas de tributos federais, o PIS/Pasep e o Cofins, sobre a gasolina, até o fim deste ano, e sobre o álcool, até junho de 2027 — esta parte foi incorporada como parte do acordo do governo, para que estados aceitem o teto do ICMS.

A proposta do PL também inclui mecanismos de compensação para estados pelas perdas de arrecadação com o novo teto do ICMS.

Quando a arrecadação relativa aos itens da proposta (combustíveis, energia elétrica comunicações e transporte público) tiverem redução maior do que 5%, estados serão recompensados por meio do abatimento de dívidas com a União.

Para estados que não têm dívidas, haverá um ressarcimento a partir de repasses pela União a partir de 2023. Em 2022, o relatório prevê prioridade aos determinados estados na contração de empréstimos para amenizar os prejuízos.

Gasolina
A preço dos combustíveis é um assunto importante para o governo Bolsonaro (Imagem: REUTERS/Bing Guan)

A PEC de competitividade dos biocombustíveis

Bezerra também apresentou, na quinta-feira (9) uma PEC que pretende estimular a competitividade dos biocombustíveis em relação aos concorrentes fósseis, como gasolina e diesel, prevendo benefícios tributários para fontes limpas de energia por pelo menos 20 anos.

A proposta se divide em duas frentes estratégicas. A primeira delas é a criação de um regime fiscal favorecido para os biocombustíveis, que dependeria da aprovação de uma lei complementar pelo Congresso Nacional. De acordo com a proposta, as alíquotas sobre fontes renováveis seriam menores do que aquelas previstas para os combustíveis fósseis. A regra valeria por pelo menos 20 anos e seria aplicável ao Cofins, PIS/Pasep e o ICMS.

A segunda estratégia seria provisória — entre a promulgação da emenda constitucional oriunda da PEC e a entrada em vigor da futura lei complementar, ficariam mantidos os atuais benefícios tributários aplicados sobre biocombustíveis.

Ainda de acordo com a PEC, se não puder ser determinado por meio das alíquotas, o diferencial competitivo deve ser garantido pela manutenção da diferença tributária efetiva entre os combustíveis limpos e fósseis.

Segundo a proposta, se a alíquota sobre um combustível fóssil for modificada por lei federal ou estadual ou mesmo por decisão judicial, haverá uma “automática alteração” do percentual aplicado sobre o biocombustível equivalente. O objetivo é manter a diferença de alíquotas existente anteriormente.

Fernando Bezerra Coelho lembra que a carga tributária diferenciada entre fontes limpas e fósseis “é adotada em dezenas de países e regiões do globo”. Para o parlamentar, a PEC busca consagrar na Constituição “um diferencial tributário vigente e justo entre esses produtos”.

“A estrutura tributária deve preservar a competividade entre o biocombustível e o seu concorrente fóssil, evitando desestímulos ao produto limpo, renovável e produzido domesticamente, gerando renda e empregos, em detrimento do consumo de derivado de petróleo importado com maior impacto sobre o clima e o meio ambiente”, disse o senador na justificativa da proposta.

E a PEC para zerar alíquotas sobre GLP

A outra PEC componente do plano de ação do governo é também de autoria de Bezerra, e ainda vai ser relatada.

A PEC prevê o ressarcimento por eventuais perdas de receita a Estados que adotarem alíquotas zero de ICMS para o diesel, gás natural e o GLP, além dos entes que reduzirem o ICMS a 12% incidente sobre o etanol hidratado .

Também está prevista garantia de repasse aos municípios na mesma proporção da diferença de arrecadação.

Bezerra divulgou estimativas segundo as quais as três medidas em discussão no Senado podem resultar em uma redução do valor do litro do diesel de 0,76 real e de 1,65 real no da gasolina.

O senador disse acreditar que a partir de uma votação expressiva do projeto do teto do ICMS na segunda-feira, possa ser construído um acordo para a votação, também das duas PECs.

*Com informações da Agência Senado e da Reuters

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