Jornalismo

Aqui está o que o STF não quer que você saiba: Veja trechos da reportagem da Crusoé

16 abr 2019, 14:03 - atualizado em 16 abr 2019, 14:23
Alexandre de Moraes determinou que os responsáveis pela publicação fossem intimados a prestar esclarecimentos em até 72 horas (Arquivo/Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O Money Times publica, em primeira mão, trechos da reportagem “O amigo do amigo de meu pai”, da revista Crusoé, censurada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, nesta segunda-feira (15).  Moraes determinou que o site O Antagonista e a revista retirassem do ar o conteúdo e determinou que a Polícia Federal “intimasse os responsáveis para que prestem depoimentos no prazo de 72 horas”. A multa diária é de R$ 100 mil.

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, referiu-se à veiculação como “notícias falsas (fake news)” que atingem a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e parentes.

O texto revela que o codinome “amigo do amigo de meu pai” era utilizado por Marcelo Odebrecht para se referir ao ministro Toffoli, na época Advogado Geral da União e hoje presidente do Supremo Tribunal Federal. A informação consta em um documento do delator na Lava Jato.

A Polícia Federal questiona o empreiteiro sobre qual seria a identidade “com o detalhamento possível” deste codinome em uma troca de mensagens feita em 13 de julho de 2017 com Irineu Berardi Meireles e Adriano Sá de Seixas Maia, executivos da construtora.

Marcelo questiona a dupla: “Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai?”. Maia responde: “Em curso”.

“A resposta do empreiteiro, que após passar uma longa temporada na prisão em Curitiba agora cumpre o restante da pena em regime domiciliar, foi surpreendente. Escreveu Marcelo Odebrecht no documento enviado esta semana à Lava Jato: “(A mensagem) Referese a tratativas que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do Rio Madeira. ‘Amigo do amigo de meu pai’ se refere a José Antonio Dias Toffoli”. AGU é a Advocacia-Geral da União. Dias Toffoli era o advogado-geral em 2007”, cita a reportagem da Crusoé.

De acordo com o texto, os codinomes relacionados às amizades de Marcelo e do seu pai, Emílio Odebrecht, já apareciam nas primeiras mensagens da empreiteira às quais a Polícia Federal teve
acesso, ainda na 14ª fase da Lava Jato, deflagrada em junho de 2015. Agora, este mistério parece resolvido.

Veja nota publicada por Mario Sabino, Publisher da Crusoé

Fomos surpreendidos na manhã desta segunda-feira, 15 de abril de 2019, pela decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de censurar a reportagem “O amigo do amigo de meu pai”, publicada na sexta-feira passada pela revista Crusoé.

A reportagem revela, com base em documento da Lava Jato reproduzido pela revista, que Marcelo Odebrecht, ao utilizar o codinome em mensagem a executivos da sua empreiteira, disse à Força Tarefa da operação que se referia a Antonio Dias Toffoli, na época Advogado Geral da União e hoje presidente do Supremo Tribunal Federal.

Além de censurar a revista, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a Polícia Federal tomasse depoimentos dos jornalistas.

Nossos advogados entrarão com recurso ao colegiado do STF, para tentar reverter esse atentado contra a liberdade de imprensa, aspecto fundamental da democracia garantido pela Constituição. Na nossa visão, trata-se de ato de intimidação judicial. A liberdade de imprensa só se enfraquece quando não a usamos. Continuaremos a lutar por ela.

Mario Sabino

Publisher da Crusoé

Nota da Abraji sobre a censura

O inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar a disseminação de “fake news” contra os ministros do próprio tribunal atingiu hoje seu primeiro alvo: a liberdade de imprensa.

O ministro do STF Alexandre de Moraes determinou, nesta segunda-feira (15.abr.2019), que o site O Antagonista e a revista Crusoé retirem do ar conteúdo relacionado à reportagem “O amigo do amigo de meu pai” (capa da mais recente edição da Crusoé), que trata de supostas relações entre o presidente do Supremo, Antonio Dias Toffoli, e a empreiteira Odebrecht. Na mesma decisão, Moraes determinou que a Polícia Federal intime “os responsáveis” pelo site e pela Revista “para que prestem depoimentos no prazo de 72 horas”. Caso os veículos não retirem os conteúdos do ar, receberão multa diária de R$ 100 mil.

A decisão faz parte do Inquérito 4781, que foi aberto por Toffoli em 14.mar.2019, tramita em sigilo no STF e é relatado por Moraes. Segundo o relator, o inquérito trata da “existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão”.

A reportagem da Crusoé apontou a existência de um documento no qual o empreiteiro Marcelo Odebrecht, em resposta a questionamentos da Polícia Federal no âmbito das investigações da Operação Lava Jato, revela que o codinome “o amigo do amigo de meu pai” se refere a Toffoli. O codinome havia sido usado em emails trocados entre Marcelo Odebrecht e executivos da empreiteira.

Após a publicação da reportagem, Toffoli solicitou a Moraes “a devida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras”.

Moraes, ao determinar que a reportagem fosse retirada do ar, considerou que “há claro abuso no conteúdo da matéria veiculada”  –  sem explicar em que consiste tal abuso.

O ministro afirmou ainda que se trata de “típico exemplo de fake news”  – sem esclarecer como o tribunal conceitua “fake news”, já que não há consenso sobre o tema nem entre especialistas em desinformação.

O único elemento que Moraes cita para qualificar a reportagem como falsa é uma nota na qual a Procuradoria Geral da República afirma não ter recebido informação sobre os esclarecimentos de Marcelo Odebrecht. A Crusoé, em seu texto, diz que “cópia do material”  foi remetida para a PGR. Embora esse seja um aspecto secundário da reportagem, Moraes afirma que “obviamente o esclarecimento feito pela Procuradoria Geral da República torna falsas as afirmações veiculadas na matéria”. O documento citado pela Crusoé não apenas existe como está disponível na internet. A íntegra foi também publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo.

É grave acusar quem faz jornalismo com base em fontes oficiais e documentos de difundir “fake news”, independentemente de o conteúdo estar correto ou não. Mais grave ainda é se utilizar deste conceito vago, que algumas autoridades usam para desqualificar tudo o que as desagrada, para determinar supressão de conteúdo jornalístico da internet. O precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de expressão, princípio constitucional que o STF afirma defender.

Também causa alarme o fato de o STF adotar essa medida restritiva à liberdade de imprensa justamente em um caso que se refere ao presidente do tribunal.

A Abraji apela ao Supremo Tribunal Federal para que reconsidere a decisão do ministro Alexandre de Moraes e restabeleça aos veículos atingidos o direito de publicar as informações que consideram de interesse público.

Diretoria da Abraji, 15 de abril de 2019.

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Fundador do Money Times | Editor
Fundador do Money Times. Antes, foi repórter de O Financista, Editor e colunista de Exame.com, repórter do Brasil Econômico, Invest News e InfoMoney.
gustavo.kahil@moneytimes.com.br
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