Você vai perder seu plano de saúde? Veja como reforma tributária pode afetar empresas que oferecem o benefício
30 milhões de brasileiros. Esse é o número de pessoas que podem ser afetadas pelas mudanças propostas na reforma tributária para os planos de saúde corporativos, segundo a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). A instituição, que tem 141 empresas associadas, aponta problemas no texto enviado à Câmara.
Em entrevista ao Money Times, Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, afirma que os impostos em cascata desestimulam as empresas a contratarem a assistência para os funcionários e questionou a tributação da receita financeira do setor, proposta pelo Ministério da Fazenda. As preocupações da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) são as mesmas.
“Se o intuito da reforma tributária é desburocratizar e facilitar, por aqui não está cumprindo com o seu objetivo. Do jeito que está, não contribui para a sociedade, para o empregador, nem para as empresas de plano de saúde. É um ponto que precisa ser revisto”, diz Ribeiro.
A proposta questionada pelas intuições do setor é a que proíbe que as empresas privadas deduzam os gastos com planos de saúde do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). A reforma estabelece uma alíquota cheia de 26,5% para o IVA.
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“Se você, pessoa física, compra um plano de saúde, você deduz. Agora, a empresa, que historicamente tem um estímulo para fornecer o benefício do plano de saúde para o funcionário, perde esse incentivo”, destaca o presidente da Abramge.
A reforma tributária passa a ver os planos pagos aos funcionários como salários indiretos, os quais não podem ser deduzidos. Nesse contexto, no entanto, as intuições identificam a cobrança de imposto sobre imposto. Em juridiquês, trata-se do Bis in Idem, termo latino que significa “duas vezes o mesmo”.
Vale destacar que o Bis in Idem difere da bitributação. Enquanto, no Bis in Idem, um único ente federativo tributa duas vezes o mesmo fato jurídico, na bitributação, mais de um ente cobra imposto sobre esse item.
Planos de saúde sofrerão com imposto sobre imposto?
Marcos Paulo Silva, economista e superintendente executivo da Abramge, explica que a reforma tributária propõe que o empregador pague o valor do plano de saúde, mais os 10,6% de IVA. Sobre esse total, considerado como salário indireto, incidem ainda mais 26,5% de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
No final, a alíquota recolhida na operação é de 39,9%. Se as empresas pudessem abater seus gastos com o benefício, o imposto devido seria menor que 27%.
“É imposto sobre imposto. Eu não gero crédito para frente e tributo como salário indireto o valor total, inclusive, o tributo que tinha dentro do plano de saúde”, reitera Silva.
Já Ribeiro, presidente da Abramge, acrescenta que a lógica da reforma é de não tributar o benefício recebido pelo trabalhador, assim como acontece com o vale-alimentação e o vale-refeição. No entanto, os planos de saúde foram retirados desse grupo e colocados ao lado do consumo pessoal.
“Quando você traça políticas, a premissa é fomentar alguma coisa. Nesse caso, ao invés de fomentar que o empregador tenha maiores oportunidades e ganhos em fornecer para o seu empregado o plano de saúde, a reforma vem e fala que não pode deduzir. É um desestímulo”, completa Ribeiro.
‘O único país que tributa receita financeira’
Outro ponto questionado pela Abramge na reforma proposta pelo Ministério da Fazenda é a tributação do IVA sobre a receita financeira. “No mundo inteiro e, nisso o Brasil está indo na contramão, o IVA tributa consumo. Só que para o nosso setor e para o setor de seguros, ele tributa receita. Isso fere a própria lógica da concepção de um IVA”, diz o presidente da instituição.
Ribeiro afirma que, nos últimos anos, o setor de saúde suplementar fechou com déficit operacional e tenta equilibrar as contas desde 2015 e 2016. As operadoras foram ajudadas apenas pela grande reserva técnica, por conta da regulação e dos ativos garantidores, e pela taxa Selic ainda elevada, na casa de dois dígitos.
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Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em 2023, as empresas do setor tiveram prejuízo operacional de cerca de R$ 6 bilhões. Por sua vez, o lucro líquido, que considera a receita financeira, somou R$ 1,9 bilhão, ante um prejuízo de R$ 529,8 milhões, registrado em 2022.
“Trata-se de um setor que está precarizado e que operacionalmente não tem lucro. Aí, vem a reforma tributária, subverte o desenho do IVA e tributa receita financeira”, afirma ao ressaltar que a cobrança deve prejudicar ainda mais o setor.
Fim dos planos de saúde corporativos pressiona o SUS?
A aprovação da reforma tributária do jeito que está acarreta um risco real das empregadoras não concederem mais o benefício do plano de saúde aos trabalhadores, alerta a Abramge.
Quem deve sofrer com isso, segundo o presidente e o superintendente executivo da instituição, é o Sistema Único de Saúde (SUS).
“Desestimular o empregador a dar um produto para o funcionário é algo muito cruel, porque cria uma restrição de acesso muito grande e sobrecarrega o SUS”, diz Ribeiro. “A gente sabe que, historicamente, existe um déficit grande no orçamento do Sistema Único. O sistema suplementar existe justamente para desafogar os SUS”, completa.
O posicionamento do secretário da reforma tributária
No começo deste mês, o secretário extraordinário do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, refutou as críticas de que a reforma tributária traria um aumento nos preços dos planos de saúde.
“Vai ficar 1% para cima ou para baixo. Efeito final de custo para empresa é zero”, disse Appy em audiência na Câmara dos Deputados.
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Ele comparou a tributação atual do setor e a proposta no Projeto de Lei Complementar (PLP), para evidenciar que a carga tributária do segmento se manterá no mesmo patamar.
Na reforma, Appy optou por igualar as regras de contratação de planos para pessoas físicas e jurídicas, a fim de garantir a isonomia na lei tributária.
Em que pé está a regulamentação da reforma?
A regulamentação da reforma tributária segue na Câmara. Esta semana, os partidos indicaram integrantes para o grupo de trabalho que vai decidir quais serão as regras práticas para que a reforma entre em vigor.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, é quem vai bater o martelo sobre os membros que comporão o colegiado.
O texto a ser analisado é o principal projeto de regulamentação da reforma tributária (PLP 68/24) e institui a Lei Geral do Imposto sobre Bens e Serviços, da Contribuição Social sobre Bens e Serviços e do Imposto Seletivo (IS). Esse é, inclusive, o projeto que contém a maioria das regras que regulamentam a reforma tributária.
Segundo Lira, ao final do prazo da regulamentação, um relator será indicado para assinar o texto final. Até lá, as operadoras de planos de saúde e as empresas que oferecem o benefício a seus funcionários correrão contra o tempo para evitar que a reforma mais atrapalhe do que ajude o setor e 30 milhões de beneficiados.