Opinião

Felipe Miranda: Você, seu dinheiro e as eleições

28 ago 2018, 11:34 - atualizado em 28 ago 2018, 11:34

Por Felipe Miranda, da Empiricus Research

Uma vez pedi ao Pedro Cerize que me fizesse uma ponte com a Flávia Cymbalista.

Ela é especialista em incerteza e autora do interessante artigo chamado “How George Soros Knows What He Knows – Towards a General Theory of Reflexivity”, que encontrei uns tempos atrás, depois de ler a biografia do Soros, escrita pelo Robert Slater.

Meu interesse estava na sua formulação da hipótese por trás das famosas dores nas costas de George Soros. Segundo seu próprio filho, Soros pode expor as mais variadas e sofisticadas teorias sobre mudanças em seu portfólio. A verdadeira mesmo seria outra: o megainvestidor trocaria suas posições no momento em que sentisse dores nas costas.

Nas palavras do próprio Robert Soros (tradução minha, desculpe), “meu pai vai sentar e lhe dar uma série de explicações sobre por que ele faz isso ou aquilo. Mas eu me lembro de observá-lo quando criança e pensar: ‘Jesus Cristo, ao menos metade disso é besteira’. Quer dizer, você sabe que a real razão para ele mudar suas posições no mercado, ou em qualquer lugar, é porque suas costas começam a matá-lo de dor. Não é nada racional. Ele literalmente começa a ter espasmos, é um aviso antecipado de perigo à frente”.

Para encurtar uma longa história, o artigo de Flávia Cymbalista conecta o aparato teórico de George Soros com os guias instintivos transmitidos pelo seu próprio corpo. As dores nas costas seriam, em última instância, uma somatização do processo intuitivo de Soros, não devidamente estruturado no que seria tradicionalmente chamado de racionalidade estrita.

Soros teria, por meio da intuição, elementos além da razão tradicional para informá-lo do desconforto com determinada posição. Esses elementos tinham na dor nas costas sua manifestação objetiva.

Não é nada metafísico ou coisa do tipo. Também não é muito diferente do que Malcolm Gladwell trata no clássico livro “Blink”. Especialistas em determinada área podem capturar a essência dos fenômenos a partir de instrumental analítico que nem eles mesmos podem descrever formalmente. Eles apenas sabem, sem conseguir falar exatamente o porquê.

Platonicamente, eu mirava o treinamento da Flávia Cymbalista para tentar descobrir onde estava a manifestação psicossomática de minha intuição. Sei lá por que, mas o assunto acabou se perdendo.

Alguns anos mais tarde, agora recente, fui falar com ela para propor o lançamento de um produto digital. Ela disse que não entendia muito bem como seria isso, que trabalhava somente individual e presencialmente. Penso que me achou meio louco, no que estava coberta de razão.

Da minha parte, continuo na perseguição obstinada para tentar conhecer a mim mesmo. E falo isso numa perspectiva bastante objetiva, absolutamente epicurista, ou seja, materialista e no âmbito profissional.

Na Bridgewater de Ray Dalio, o maior gestor de investimentos do mundo, um dos processos mais intensos está na identificação do padrão de cada pessoa. Tudo por meio quantitativo e sistematizado. Claro que gerou resistência no começo e críticas dos colaboradores sobre seu próprio enquadramento dentro de um arquétipo pré-definido – hoje é considerado pelos mesmos colaboradores uma das grandes vantagens competitivas da gestora.

Ao saber onde estão suas fraquezas e suas virtudes, você poderá se preparar melhor. A dinâmica é especialmente importante em momentos de incerteza e volatilidade, quando suas convicções serão testadas, quando seus vieses cognitivos estarão mais aflorados e, se você identificar seus pontos fracos, poderá transitar melhor por eles.

“Opa, não posso vender ou comprar isso agora, porque estou sob ataque de uma de minhas piores características.” É isso que estou propondo hoje, para que você faça e observe-se de cima, com afastamento e perceba seus pontos fracos e fortes. Sem conhecer a si mesmo, será impossível triunfar nas finanças.

Fundamental entender que todas as diferenças entre pessoas, suas fraquezas e seus pontos fortes, suas intenções e seus arquétipos derivam de questões estritamente fisiológicas. Da mesma forma com que se é alto ou baixo, loiro ou moreno, temos inclinações mentais para isso ou para aquilo.

E vários de seus momentos de depressão ou euforia em frente ao home broker serão resultado apenas e tão somente da secreção inconstante de serotonina e dopamina no cérebro.

Um exemplo simples do que estou dizendo: se você está num arquétipo do sonhador idealista e desorganizado, ao perceber isso poderá criar uma rotina de anotar sistemática e detalhadamente seus investimentos, alimentando-os com explicações de seus racionais para aquela aplicação, além de manter uma agenda atualizada de seus objetivos e demais compromissos. Aos poucos, aquilo vai se tornando um hábito e sua desconexão com a realidade material, embora seja uma característica pessoal insuperável, acaba driblada em termos pragmáticos por uma ferramenta simples. O que atrapalhava antes não atrapalha mais.

Há testes objetivos e científicos para essa determinação de seus vícios e virtudes, justamente com o objetivo de autorreconhecer-se, explorar suas potencialidades e blindar-se das próprias mazelas.

Na Bridgewater, por exemplo, usam-se quatro tipos de avaliações pessoais: Tipologia de Myers-Briggs, Inventário de Personalidade no Local de Trabalho, Perfil de Dimensões de Equipe e Teoria de Sistemas Estratificados.

Veja: não quero aqui entrar na pegada autoajuda e propor esse autoconhecimento de prateleira. Essas metodologias estão dentro da maior gestora do mundo e fazendo a turma lá ganhar muito dinheiro a partir dessas informações. A ideia é que também você faça um desses testes sobre si mesmo. Sem conhecer o que há aí dentro, dificilmente conheceremos o que está fora.

Para mais detalhes sobre o processo de aprendizado e autodesenvolvimento, recomendo o “70:20:10 – Model for Learning and Development”, de Michael Lombardo e Bob Eichinger – aliás, vale acompanhar todo o trabalho de Eichinger.

Um bom resumo a ser seguido pode estar no seguinte parágrafo: “Desenvolvimento geralmente começa com a percepção sobre as necessidades do momento ou do futuro, e a motivação para se fazer algo a respeito. Isso pode vir a partir de feedback, de um erro, da observação da reação dos outros, do fracasso ou do reconhecimento sobre sua incapacidade de realizar uma tarefa. Normalmente, esse desenvolvimento vem 70 por cento de experiência profissional, trabalhando em tarefas e na resolução de problemas; cerca de 20 por cento do feedback e da percepção sobre bons e maus exemplos; e 10 por cento de cursos e da leitura”.

O grosso da caminhada em prol do desenvolvimento vem justamente da prática, de arregaçar as mangas e começar. Dedicação, tentativa, feedback, disposição para arrumar. Se reconhecermos isso para nós mesmos, já pode ser um bom começo.

Antes de partir para as coisas mundanas, queria perder um tempo sobre comentários pseudointeligentes sobre as eleições. Como diria Taleb, o problema do mundo não são as pessoas que não sabem. A caca vem mesmo daquelas que sabem, mas não sabem o suficiente. Nada é mais problemático do que comentarista da GloboNews pagando de sábio, enquanto apenas repete fatos estilizados e clichês que até o João Pedro poderia perceber.

Gostaria de questionar quatro clichês em particular:

1 – Bolsonaro tem o eleitor mais cativo e, portanto, já está no segundo turno. Será mesmo? Não estou dizendo o contrário, mas proponho ao menos testar outra hipótese. Reconheço que parte do eleitorado do candidato é muito cativo, fiel e até mesmo apaixonado. Mas seria esse, de fato, o eleitor médio e representativo de Bolsonaro? Ou será que, talvez, não estamos observando apenas observando uma minoria histriônica no aeroporto de Fortaleza e confundindo-a com a maioria silenciosa? Há bons analistas políticos dizendo que o eleitor cativo de Bolsonaro é de cerca de 7/8 por cento das intenções de voto. Ou seja, teria, sim, algo para sangrar, inclusive podendo ficar de fora do segundo turno. O mesmo Bolsonaro estaria enfrentando aumento do gap de gênero, com muita dificuldade entre as mulheres, principalmente depois de insistir no tema do armamento – isso assusta parte do eleitorado feminino, ainda vítima de muita violência doméstica e familiar. Ninguém vai querer um marido bêbado, violento e armado em casa. Pode também ser um irmão ou um pai. Sim, essa é a realidade no Brasil profundo.

2 – A entrevista do Paulo Guedes foi ótima. Seja ao El País, à Veja ou à Globo, a entrevista do Paulo Guedes sempre vai ser ótima. Sabe por quê? Porque ele é ótimo. Mas e daí? Todo mundo já sabe disso. Ver um desempenho espetacular de Paulo Guedes não surpreende. O que talvez não fosse tão óbvio seria como um liberal convicto poderia conviver, na prática, com um presidente de histórico estatizante e intervencionista.

3 – Alckmin não mostrou reação ainda e, portanto, está fora do segundo turno. De fato, não decolou. Mas quando decolaria? A aposta toda da campanha do sujeito foi para crescer quando a propaganda na TV começasse. Ou seja, dificilmente teria crescido mesmo até agora. Pode até ser, de fato, que não decole. Mas não dá para falar ainda. Rede social importa muito, mas no Brasil profundo as TVs ficam ligadas na Globo o tempo todo – debate na RedeTV e na Band ninguém assiste, desculpa. Pela enésima vez: meu voto é do João Amoêdo.

4 – Lula é relevante entre os eleitores de menor escolaridade. Na verdade, a transferência de votos de Lula para Haddad se dá nos níveis de maior escolaridade. É esse que precisa ser monitorado. O voto do eleitor sem bom nível de educação não é ideológico. Ele tem a imagem do Lula, pai de todos, na cabeça. Vota com o estômago, com a lembrança do Bolsa Família e do bom momento da economia à época. Por incrível que pareça, o voto em Lula nos estratos de maior escolaridade migra mais para Bolsonaro, uma figura personalista forte, e para Marina, que também tem a representação pessoal ligada às classes mais baixas.

Resumindo, ninguém sabe nada. Acostume-se com a ideia de ter de conviver com o desconhecido até os 45 minutos do segundo turno dessas eleições.

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