Você aceita trocar um ingresso da Disney World pelo equivalente em Ibovespa?
Por Marink Martins, do MyVOL e autor da newsletter Global Pass
Será que investir em ações é uma garantia de um futuro mais próspero? A resposta a essa pergunta é um “vago” DEPENDE!
Depende de quê?
Depende de diversos fatores. Dentre eles, o mais importante é o ponto de entrada. Mas como saber se o ponto de entrada é interessante ou não? A resposta a esta pergunta não é obvia. É fácil olhar o gráfico acima, com o benefício da história, e ver que o ano em que eu nasci, 1971, foi um péssimo ano para se comprar bolsa.
Quando o assunto é renda variável, devemos ser muito cautelosos e evitar convicções. Mesmo assim, há momentos em que é notório que um determinado índice encontra-se esticado. Isso pode ser visto não só por métricas relacionadas a lucro (múltiplos de P/L) e (múltiplos de preço/valor patrimonial tangível), mas também pelo comportamento dos investidores.
Embora eu não conheça em detalhes o “bull market” dos anos 60 que culminou na máxima de 1971, já ouvi histórias contadas por Ivan Sant´anna que evidenciam a irracionalidade vivida na época. Quem nunca ouviu falar de MERPOSA (Merda em Pó S.A.)? A febre especulativa era tanta que Chico Buarque chegou até a compor uma música na época. Segue a letra da música BOLSA DE AMORES que foi censurada no dia 21/7/1971 devido a alegação de que a letra denegria as mulheres:
Lucro em bolsa é algo que não deve ser comemorado em público. Deve ser saboreado de forma judaica — na moita. A gente teme a inveja, mas na verdade o que destrói a fortuna é a culpa inconsciente. Como o tema neste parágrafo ainda é sobre os anos 70, permitam-me citar uma passagem machista que li na década passada no jornal O Globo: tratava-se da história de um investidor que viajava todo ano com a amante para Buenos Aires. Pois é, sua esposa descobriu e ele, por culpa, entregou toda sua fortuna em um divórcio amigável. No fim, além de perder o dinheiro, perdeu a amante e teve que substituir o destino de suas férias de Buenos Aires para Iguabinha no Rio de Janeiro. Desculpem-me pelo cliché, mas como bem retratado por Edgar Allan Poe na história O Coração Revelador, a culpa inconsciente pode acabar com você!
Mas deixando o machismo dos anos 70 de lado, deixe eu falar do ciclo de alta da bolsa americana nos anos 90, pois esse eu vivi intensamente. Em 1999, qualquer um que comprasse a bolsa sabia que estava pagando um prêmio elevado pelas expectativas de ganhos futuros. Além disso, só se falava em bolsa. Diversas pessoas abandonavam suas carreiras para viver de Day Trade.
Já em 2008, aqui no Brasil, tivemos a primeira febre de IPOs do século e evidencias de que um topo se formava no mercado. A moeda brasileira estava extremamente valorizada e o que dizer das construtoras que estavam lançando ações no mercado? Não quero dizer aqui que é fácil detectar um momento de pico. Não é!
Mas vamos ao que realmente importa: o presente. Estamos em um momento de topo ou não? Bem, em alguns papeis eu diria que sim! Não quero dizer aqui que determinada ação irá despencar, mas sim, dizer que há uma elevada probabilidade de que a performance subsequente destas ações deverá ser inferior a média do mercado. E quais são esses papeis?
As ações ligadas ao varejo digital são fortes candidatas. Veja MGLU3. A empresa vale R$63 bilhões e ainda nem sequer chegou a registrar um lucro anual de R$1 bilhão. A própria LREN3, estrela da década, parece que já não cresce mais no mesmo ritmo. Estamos falando de varejistas que operam com margens líquidas de 5% e 10%, respectivamente. Muito diferente de uma Amazon que é líder em computação em nuvem e que tem uma empresa chamada AWS, com margens de 40%.
Temos também os bancos brasileiros que, com quase 30% do IBOV, estão vulneráveis a um movimento disruptivo que poderá promover um colapso em seus múltiplos de preço/valor patrimonial tangível.
Um outro indício de insanidade nos mercados pode ser visto hoje através da mídia social. Acesse o twitter e você ficará tonto com o número de comentários e enquetes relacionadas ao mercado.
Os otimistas dirão que o mercado brasileiro é “under-owned” (sub-alocado) em ações. Argumenta-se que com a redução na taxa de juros diversos investidores sairão do seu conforto da caderneta de poupança para a bolsa de valores. Será? Eu creio que qualquer crescimento virá lentamente, na medida que reformas significativas sejam aprovadas. Não acho que o mercado antecipará de forma expressiva a aprovação de reformas.
Na China um forte crescimento no número de investidores contribuiu para uma bolha nos mercados em 2014. Mas, como vimos, tal bolha estourou e os mercados desabaram.
E por falar no mercado internacional, temos também o risco de uma desaceleração do crescimento econômico global que poderá dificultar todo o processo de retomada da economia doméstica. Como exemplo, aproveito para ilustrar o grau de vulnerabilidade da bolsa americana através do gráfico abaixo ilustrando o percentual do patrimônio das famílias americanas direcionado a renda variável. Observe que o momento atual se assemelha aquele visto em março do ano 2000 – topo do NASDAQ! Isso é preocupante!
Concluo essa reflexão voltando ao gráfico do início do texto – aquele sobre o ingresso da Disney. Se eu vou investir na bolsa o dinheiro de um ingresso, eu quero, após 48 anos, conseguir comprar não um ou dois, mas sim 10 ou 20 ingressos. É óbvio que o gráfico acima é afetado por três fatores importantes: o ponto de entrada na bolsa (já discutido), a taxa de câmbio e pelo fato de que o ingresso da Disney subiu a um ritmo tão rápido quanto a montanha russa Space Mountain. Mesmo assim, não podemos ficar achando que a inflação dos bens que consumimos cresce ao ritmo do IPCA!
E ainda tenho aqui o meu argumento mais importante: se em 1971 eramos 70 milhões em ação pra frente Brasil… hoje já somos 210 milhões! Se nem uma triplicação da população foi o suficiente para me dar 2 ingressos da Disney, o que esperar de uma população cujo crescimento tende a se estagnar?
Sendo assim, vendo o meu peixe aqui sugerindo que você opere a bolsa de forma tática. Faço isso no Clube dos 5 que gerencio através da Inversa Publicações. Não é para todos, pois exige uma certa dedicação. Uma outra alternativa é seguindo estratégias táticas discutidas aqui no próprio MyVOL. Esqueça papeis e concentre-se no macro, investindo no BOVA11 e/ou no futuro do IBOV (não se trata de Day Trade – mas sim, operações táticas). Por último — talvez a forma mais eficiente — ficar no Tesouro Selic a espera de oportunidades. Essa, embora seja somente para os pacientes, é aquela que historicamente apresenta a melhor relação risco/retorno.