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Vale (VALE3) volta a R$ 100? China não será a mesma? E os dividendos? Entenda em 5 pontos o que está em jogo

16 set 2024, 7:00 - atualizado em 16 set 2024, 10:33
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Enquanto o índice renovou máximas, chegando a 137 mil pontos, o papel amarga queda de 24% no ano, segundo dados do Google Finance (Imagem: REUTERS/Ricardo Moraes)

Se no começo do ano, avisassemos ao investidor que o Ibovespa iria bater recordes, certamente pensaria que a Vale (VALE3) estaria em melhores condições. Isso porque a mineradora, que possui peso de 10% no índice, atrás apenas da Petrobras (PETR3;PETR4), guarda forte relação com o IBOV.

Porém, o que se viu foi o contrário. Enquanto o índice renovou máximas, chegando a 137 mil pontos, o papel amarga queda de 24% no ano, segundo dados do Google Finance.

Os fatores para a queda foram muitos. A começar pelo inferno astral que abateu a Vale, com uma crise da governança e tentativas de interferência do Governo Federal na escolha do CEO, embora negadas, e a as incertezas em torno do acordo do desastre de Mariana. No primeiro tópico, o assunto parece encaminhado.

Nas últimas semanas, a companhia anunciou Gustavo Pimenta como novo CEO, depois da especulação de inúmeros nomes, entre eles Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff e que causa calafrios no mercado financeiro até hoje.

O acordo de Mariana também caminha para sair do papel com valor de R$ 100 bilhões, segundo fontes disseram a Reuters. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ter a expectativa de que o acordo seja fechado ainda no início de outubro. A própria empresa também está confiante de que a solução definitiva ocorra até o mês que vem.

Contudo, nada disso foi suficiente para salvar o papel de algo que parece incontrolável: as mudanças de rumo do minério de ferro. No ano, os contratos mais negociados na bolsa de Daylan, na China, acumulam queda de 34%, saindo de US$ 140 para US$ 94.

O recuo reflete diretamente o pessimismo com a China. O crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2024 está projetado para 4,5%, conforme dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o mais baixo desde 2022.

Já no segundo trimestre deste ano, o indicador subiu 4,7%, contra projeção de 5,1% da LSEG. Enquanto isso, as vendas de imóveis caíram cerca de 15% em relação ao ano anterior, conforme dados da National Bureau of Statistics (NBS).

No mês passado, Hu Wangming, presidente do conselho da China Baowu Steel Group, o maior produtor de aço do mundo, fez um alerta: as condições siderúrgicas da China terão um “inverno rigoroso, que será mais longo, frio e difícil de suportar do que esperávamos”.

Em carteiras de gestoras, a mineradora também não anda tão benquista. De acordo com levantamento da Quantum, a pedido do Money Times, a exposição de fundos comprados em VALE3 está abaixo da média ao considerar janeiro de 2023, quando a ação bateu em R$ 90. Hoje, o papel negocia a R$ 50. Ademais, em fevereiro, a exposição era uma das mais baixas em 12 meses.

Nesse cenário, o que fazer com a Vale? A mineradora continuará a entregar resultados? Os dividendos ainda valem a pena?

O Money Times ouviu gestores, analistas e um especialista em China para entender o que está ocorrendo com a gigante e o que fazer agora. Veja a seguir.

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O que está acontecendo com a China?

O primeiro passo para entender o atual momento da Vale é dissecar a economia chinesa. No segundo trimestre, 50% das receitas com vendas vieram do país, somando US$ 4,9 bilhões dos US$ 9,9 bilhões totais.

Só o país asiático trouxe uma fatia maior que Europa, América do Norte e do Sul juntas. O segundo colocado, o Japão, ficou com um pedaço de apenas US$ 927 milhões, correspondendo a 9,3% do total.

No período, foram exportadas 49 milhões de toneladas de minério de ferro ao país, mais da metade dos 80 milhões produzidos.

Ou seja, um espirro na China que diminuísse a demanda em 10% e US$ 490 milhões iriam pelo ralo, uma América do Norte, que correspondeu a US$ 435 milhões das receitas. Mas essa realidade pode acontecer?

Talvez não nessa proporção, claro. Mas fato é que a potência passa por uma mudança estrutural que começou antes mesmo da pandemia, explica Roberto Dumas, professor de economia do Insper e mestre em economia chinesa.

“A China já não está mais com crescimento a qualquer custo”, diz.

Os países que mais geraram receita para Vale:

País Receita % do total
China US$ 4.9 bi 50,3
Japão US$ 927 mi 9,3
Brasil US$ 868 mi 8,8
Alemanha US$ 286 mi 2,9
EUA US$ 254 mi 2,6

Fonte: Balanço da Vale do 2T24

Dumas lembra que um dos principais motores dessa ‘explosão chinesa’ eram o investimento e as exportações líquidas. Governos colocavam dinheiro na mão do povo chinês para elevar os gastos e o consumo.

“Só que então chegou o lockdown, e até antes disso, Xi Jinping já começou a tentar mudar um pouquinho o modelo econômico da China. Não um turnaround de 180 graus. Mas agora virou um capitalismo de Estado mais forte, beirando o socialismo, mas não o comunismo”, discorre.

E nessas mudanças, sobrou para um setor amplamente ligado ao minério de ferro, à Vale e, por tabela, ao Brasil: o imobiliário. Isso porque foram as construções de prédios e infraestrutura que sustentaram a fome, até pouco tempo atrás, insaciável da China por ferro.

Xi Jinping, o manda chuva chinês, quer uma China menos pautada no setor imobiliário (Imagem: Bandar Algaloud/Cortesia da Corte Real Saudita/Divulgação via REUTERS)

E o que os chineses faziam com parte do dinheiro? Compravam (e especulavam) justamente em imóveis, o que alimentava a demanda imobiliária.

“Xi Jinping chegou e falou, olha, a casa não é para especular. Ele estava vendo a bolha do real estate (setor imobiliário). E soltou os three red lines, as três linhas vermelhas. Para você ter uma ideia, uma dessas linhas vermelhas era o seguinte. As incorporadoras não poderiam ter caixa abaixo da dívida de curto prazo”, diz.

Nesse momento, a maior incorporadora do país, a Evergrande, entrou em crise. A gigante declarou calote em títulos de dívidas e pediu recuperação judicial. Em janeiro, um tribunal chegou a decretar a falência da companhia.

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“Foi uma bolha que estourou pelo próprio Partido Comunista Chinês. O governo quis estourar essa bolha. Então eu acho muito absurdo o cara falar não, agora vai ter um estímulo do governo para explodir de novo, fazer a bolha do real estate”, diz.

Dumas destaca que o objetivo não é quebrar a China, com preços desalinhados que provoquem uma hecatombe na renda das famílias. Mas os estímulos no setor como ocorreram em 2008 acabaram e não voltarão tão cedo.

“Os bancos, por orientação de Pequim, ao invés de continuar emprestando para incorporadoras, que sabem que agora o Xi Jinping não quer que ocorra de novo essa bolha, passaram a emprestar dinheiro para o setor industrial. Qual parte do setor industrial? Baterias, painéis solares, carros elétricos. Por isso que você vê carro elétrico exportando”, diz.

Ação pode voltar a R$ 100?

Nem os mais otimistas com o papel acreditam nisso. Sem a força do minério de ferro, é difícil imaginar que a ação retome ao patamar que atingiu em janeiro de 2023. Desde então, a ação caiu 40%.

De acordo com um gestor vendido no papel, a situação pode piorar mais.

“As projeções de PIB chinês estão sendo revisadas para baixo, já romperam o patamar de 5% para esse ano. As principais casas de Southside já estão ali com 4,6%, 4,7%. E acho que é daí para baixo, para os anos sequentes”, destaca.

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Ele recorda que o minério de ferro está abaixo da casa de US$ 90, o que não ocorria há muito tempo. Por outro lado, os custos não caíram na mesma proporção.

“Não adianta olhar só o preço da commodity que vai impactar a receita. Se pensarmos naquele minério de US$ 50 lá de 2017, US$ 90 seria um patamar bem interessante, mas é um outro mundo de custos”, argumenta.

Mas um corte da produção da Vale, que junto com outras gigantes do setor, como a a australiana BHP e a Rio Tinto, dominam o mercado, não poderia elevar o preço, algo parecido com que a Opep (Organização de Produtores de Petróleo) faz com o petróleo?

Segundo este gestor, a mineradora já faz isso. “Se você for ver, a Vale já tem um planejamento de longo prazo de ir para 400 milhões de toneladas há muito tempo. E a produção vai aumentando ali gradativamente, aumenta um pouco, diminui um pouco, e não sai do patamar de 300 milhões de toneladas”, diz.

Já Dumas é enfático: será difícil ver o minério de ferro nos patamares da última década.

“Não sei se o preço [do minério] é justo ou não é justo. Mas vamos deixar claro. Se a gente esperar uma demanda forte no minério de ferro, como era nos momentos de 2010 a 2020, isso, por política econômica do Xi Jinping, não deve vir […] Achar que a China vai crescer tendo como principal motor de crescimento o real estate, não é mais isso”.

Metais básicos podem ser salvação?

Os chamados metais básicos, como níquel e cobre, podem ser a tábua de salvação da Vale? Ambas as commodities são cruciais para a demanda crescente por energias renováveis.

No caso do níquel, o metal é usado em baterias de íon de lítio para veículos elétricos. O cobre, por outro lado, é  essencial para turbinas eólicas e painéis solares, além de redes elétricas inteligentes.

Estima-se que a demanda de níquel para baterias de EVs pode aumentar de cerca de 250.000 toneladas em 2023 para mais de 1 milhão de toneladas até 2030, segundo relatório do Benchmark Mineral Intelligence e Wood Mackenzie.

Níquel é amplamente utilizado em baterias

Um gestor pondera, porém, que 20% da geração de caixa da Vale já vem de metais não ferrosos, o que pode ser um topo.

A não ser que ela fizesse um movimento de M&A (fusão e aquisição) no segmento, o que eu não visualizo, a ordem de grandeza do metal básico e do negócio de minério é muito diferente. Mesmo que o minério ande de lado e a Vale tenha algum crescimento na margem no negócio de não ferrosos, não vai ser o mais significativo”, diz.

Ele recorda ainda que 40% do negócio de metal não ferroso é de cobre, mais ligado à construção civil e que tem um mix parecido ao do minério de ferro. “Então não seria um driver da nova economia. Seria só o níquel, que representa uns 10% do negócio”.

Já Felipe Moura, analista da gestora Finacap, defente que o mercado substima o potencial da unidade de metais básicos da Vale.

“Sabemos que metais básicos vão ter um papel crucial nesse movimento de transição energética para construção de bateria e materiais de energia renovável. Então, acho que a Vale está muito bem posicionada para isso. Às vezes eu acho que o mercado não coloca isso na conta”.

Dividendos valem a pena?

Essa parece a grande tese da Vale. É verdade que a China pode não ser mais o que era antes, mas a empresa continua gerando caixa e com uma boa estrutura de capital, defendem analistas e gestoras compradas na ação.

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Segundo dados da Elos Ayta, o dividend yield projetado é de 12,33%. Moura, da Finacap, argumenta que a empresa está com o balanço em forma, com endividamento baixo, resultados ainda fortes, e muita geração de caixa e lucro.

“Tudo isso permite com que a empresa continue pagando bons dividendos. Então, acho que o minério no preço que está hoje, a Vale deve dar um dividend yield anualizado de uns 8%, 9% tranquilamente. É um carrego muito confortável para o investidor. Se o preço não andar, pelo menos ele fica recebendo um nível de dividendo que é bem interessante.”, diz.

Para um outro analista, mesmo com o minério de ferro a US$ 90, é possível os rendimentos da Vale baterem em 10%, pagando dividendos de uma forma recorrente “sem muita dificuldades”.

“A não ser que surja algum fato novo de indenização, algum investimento novo que ela tenha que fazer. Mas, se olharmos os números, o que a própria diretoria da empresa tem falado, eles têm uma perspectiva de ter esse pagamento de recorrente de dividendo sem ter uma mudança de cenário muito brusca”.

Ainda segundo ele, esse é um dos pontos que, inclusive, faz “a gente gostar muito do papel apesar desse cenário mais fraco”. “Você tem uma boa remuneração mesmo com o cenário não tão otimista”.

E para completar, a empresa também pode pagar dividendos extraordinários, a depender de algumas condições.

Em teleconferência com analistas, o até então vice-presidente executivo de finanças e relações com investidores, Gustavo Pimenta, elencou dois fatores para isso ocorrer.

  1. o preço do minério de ferro;
  2. a resolução do pagamento das multas relacionadas ao desastre de Mariana;

O segundo item parece encaminhado. Para o Goldman Sachs, uma resolução do acordo deixa mais claro o pagamento.

Comprar ou não Vale?

Eis uma dúvida shakespeariana que atinge muitos investidores em bolsa. Dois analistas que conversaram com o Money Times defendem que sim. Para um deles, há um exagero com o tamanho do pessimismo com a China.

“Commodities são cíclicas. Só que eu acho interessante observar também que, usualmente, quando você está em um ciclo desfavorável, as empresas tendem a ficar em pior forma, de aumentar a dívida, de resultados deteriorados. E não é o que está acontecendo com a Vale”.

Para ele, mesmo com o cenário deteriorado, a companhia segue com endividamento praticamente zerado, gerando caixa e pagando dividendos, dando lucro. “Então, acho que isso é um ponto positivo para a companhia”, coloca.

Entre analistas de bancos e corretoras, a Vale continua com presença garantida. Na visão do Goldman Sachs, a companhia está em uma boa direção para desbloquear valor (melhoria de custo e produção, acordo final da Samarco) e fechar parte da lacuna de avaliação com as outras gigantes da mineração.

Os analistas calculam que esse desconto chega a 30%.

Para a Genial, o mercado bateu demais na ação, que agora negocia a um EV/Ebitda (valor de firma sobre resultado operacional) de 3,3x (ante 5x da média histórica).

“Considerando sua sólida geração de fluxo de caixa nesse nível de preço descontado, além do programa de recompra de ações, reiteramos nossa recomendação de compra”, coloca.

A XP diz que embora a perspectiva da China para a produção de aço continue pouco inspiradora, os preços do minério de ferro próximos a US$ 90/t estão assimétricos para cima no curto prazo.

“Há desconto relativo das ações da Vale em relação aos preços das commodities, proporcionando uma margem de segurança em relação ao valuation“, diz.

Além disso, os analistas receberam positivamente as várias iniciativas da Vale para impulsionar a melhoria da produção e desbloquear valor nos ativos de Metais Básicos, com um desempenho melhor na divisão de minério de ferro mitigando parcialmente uma perspectiva relativa mais fraca para a commodity.

Já os analistas do BTG preferem esperar mais um pouco para ter maior clareza sobre os riscos e o ambiente macro antes de fazer quaisquer mudanças significativas.

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Eles citam que as negociações com Samarco estão em andamento e parecem estar progredindo bem (o acordo deverá ser concluído em outubro), enquanto prevê um resultado mais favorável do que o mercado espera atualmente.

“Em relação à sucessão do CEO, consideramos a recente nomeação tranquilizadora, pois ressalta a força da governança da Vale. O desempenho operacional continua a ser uma preocupação fundamental para os investidores, mas esperamos que a administração continue a reduzir o risco da empresa“, dizem.

No entanto, o problema mora na situação da China, que enfraqueceu recentemente, aumentando a pressão em todo o complexo siderúrgico e criando um peso significativo nos preços do minério de ferro.

“No que diz respeito ao valuation, ainda temos dificuldade em ver uma valorização substancial, com as ações negociadas 4x o Ebitda de 2024 e os rendimentos de dividendos de cerca de 7-8%. Prevemos novas revisões negativas para a empresa em 2025, à medida que os investidores incorporam preços de minério de ferro menores à frente“, completa.