Vale: 3 anos após Brumadinho, a empresa recuperou mesmo a confiança do mercado?
Há três anos, a Vale (VALE 3) começava a enfrentar o que seria uma das piores crises da sua existência: o desastre de Brumadinho, que se tornou o maior acidente de trabalho da história do país, com o maior número de vidas humanas perdidas.
A barragem da Mina Córrego do Feijão, localizada no município de Brumadinho (MG), rompeu no dia 25 de janeiro de 2019, causando a morte de 270 pessoas, que foram literalmente engolidas por uma onda de rejeitos que avançaram por toda a cidade. Seis vítimas não foram localizadas até hoje.
Na época, as ações da mineradora operavam em queda de mais de 20% no primeiro pregão pós-tragédia (já que no dia 25, por ser feriado municipal em São Paulo, a Bolsa estava fechada).
O cenário de três anos atrás, contudo, não reflete nem um pouco na performance da empresa atualmente. Até 2021, a Vale era a companhia mais valiosa da América Latina. Suas ações hoje são fortemente recomendadas por analistas e figuram sempre as listas de carteiras recomendadas.
Para Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, o fator preponderante para a mudança do cenário foi a valorização do minério de ferro.
“O minério de ferro estava custando por volta de 70 a 80 dólares quando a tragédia aconteceu. Hoje está sendo cotado muito acima disso, acima de 100 dólares”, afirma.
Ele também avalia que as condições internacionais auxiliaram a companhia, que se dedicou a reduzir o seu, até então, elevado endividamento.
Além disso, montou uma política agressiva, mais do que na época do desastre de Mariana, para a substituição da sua diretoria, o que teria convencido o mercado de que a companhia havia se preparado para retomar as atividades com mais segurança e riscos menores.
Para 2022, a expectativa é que a tendência de alta para as ações continue.
“O mercado espera que a China volte a aumentar a sua demanda por minério de ferro a partir do mês de março ou abril, logo após o congresso do Partido Comunista Chinês. O mercado tem boas esperanças sobre a Vale para este ano”, diz.
Mas ele pondera que ainda que enxergue essa recuperação da imagem da Vale junto ao mercado, os efeitos das tragédias (tanto de Mariana como de Brumadinho), não foram eliminados.
“Os problemas estão mitigados. Tem muitas barragens restantes, não só da Vale, que precisam ser reforçadas ou aposentadas. Cabem aos órgãos da Justiça, do Executivo e suas diversas esferas fazerem o acompanhamento, a supervisão e a inspeção para que esse risco seja eliminado do Brasil”, afirma.
Pendências jurídicas
A decisão mais recente sobre o caso é de novembro de 2021, da juíza da 5ª Vara do Trabalho de Betim (MG), Vivianne Correa.
A magistrada determinou que a mineradora pagasse R$ 100 milhões aos herdeiros das vítimas do acidente. A empresa, na época, informou que analisaria a decisão.
O diretor especial de Reparação e Desenvolvimento da companhia, Marcelo Klein, informou à Reuters na última sexta-feira (21) que a empresa planeja desembolsar aproximadamente R$ 9 bilhões em 2022 com reparações relacionadas ao rompimento da barragem.
O valor, no entanto, não considera o dinheiro que deve ser aportado para indenizações individuais, que estão sendo fechadas.
Outra questão ainda em aberto é que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) recorreu da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que transferiu da Justiça Estadual para a Justiça Federal a competência para julgar a Ação Penal ajuizada contra o ex-presidente da Vale e outras 15 pessoas pelo crime de homicídio qualificado relacionado às vítimas fatais da tragédia.
Responsabilidade ambiental
O Greenpeace divulgou uma nota nesta segunda-feira (24) destacando que tratam-se de “36 meses de um crime ambiental que segue impune”.
A ONG também diz que há omissão por parte do poder público e falta comprometimento ambiental e humano por parte da Vale.
Além disso, o comunicado traz dados do Ibama, que indicam que o rompimento da barragem ocasionou na perda de cerca de 134 hectares de florestas nativas de Mata Atlântica, o equivalente a 153 campos de futebol e 70,65 hectares de Áreas de Preservação Permanente (APP) ao longo de cursos d’água afetados pelos rejeitos de mineração.
Na mesma entrevista concedida à Reuters, Klein destacou que existe hoje uma da demanda das comunidades para que a mineração trabalhe “em outro patamar”, destacando que é necessária trabalhar a questão da imagem da empresa que foi abalada.
“Estamos construindo um caminho para honrar as pessoas que morreram”, disse em videoconferência.
Para Terence Trennepohl, advogado especialista em direito ambiental, mostrar responsabilidade com o meio ambiente é algo extremamente importante para qualquer empresa, independente do seu porte, porque apesar de não ser uma demanda nova, com o tempo passou a se tratar de uma exigência.
“É uma exigência que deixou de ser um ornamento para a empresa, passou a ser vital. O conhecimento a respeito da legislação ambiental está sendo divulgado, se tornou algo imprescindível até porque a opinião pública exige isso”, diz.
“Você vê empresas de diversos segmentos com esse discurso. Não é só a nova geração que exige, é o mercado global, há a questão das barreiras não tarifárias para a exportação de commodities etc. Os embargos são econômicos, mas possuem ordem ambiental, sanitária, social. Todo mundo tem que fazer, deixou de ser um ornamento, uma ‘bijuteria’, para ser uma necessidade”.
O jurista destaca ainda que, ao seu ver, a Vale conseguiu recuperar sua credibilidade junto ao mercado, levando em conta que antes disso a empresa já possuía ações afirmativas relacionadas à preservação do meio ambiente. Ele também lembra que ainda que seja “nova”, a legislação ambiental é abrangente. O maior desafio tem sido fazê-la ser cumprida.
“Acredito que a Vale recupera sim a credibilidade. Leva um tempo, há uma responsabilização de processos muito demorados, provas, análises. O mundo continua comprando minério de ferro do Brasil, continua comprando petróleo da BP (British Petroleum) mesmo diante dos acidentes de todas as ordens. É uma questão de se adaptar mais a legislação ambiental e prevenir”.
Já Tiago Resende Botelho, doutor em Direito Socioambiental (PUCPR), advogado e coordenador e professor do curso de Direito da Universidade Federal da Grande Dourados, avalia que ainda que a imagem da Vale tenha sido recuperada para o mercado, “a imagem social e humana segue comprometida com a lama tóxica”.
“Ainda que especialistas de empresas demonstrem que a Vale tenha recuperado sua imagem econômica junto ao mercado, há um espólio de dívidas socioambientais que não foram e não serão ressarcidas. As tragédias provocadas pela irresponsabilidade da Vale, como exemplo Mariana (2015) e Brumadinho (2019), são irreparáveis indo muito além do ato de indenizar as famílias que foram vítimas”.
O advogado ainda lembra que o estado de Minas Gerais possui mais de 500 barragens. “Ou o poder público muda sua forma de se relacionar com as mineradoras ou o caos bate a porta e nem mesmo especialistas de empresas darão conta de maquiar o estrago”, diz.
O que diz a Vale
Procurada pelo Money Times, a Vale afirmou que “está atenta à situação dos atingidos pelo rompimento da barragem B1 e, por esse motivo, vem realizando acordos com os familiares dos trabalhadores desde 2019, a fim de garantir uma reparação rápida e integral. As indenizações trabalhistas têm como base o acordo assinado entre a empresa e o Ministério Público do Trabalho, com a participação dos sindicatos, que determina que pais, cônjuges ou companheiros(as), filhos(as) e irmãos(ãs) de trabalhadores falecidos recebem, individualmente, indenização por dano moral. Há, ainda, o pagamento de um seguro adicional por acidente de trabalho aos pais, cônjuges ou companheiros(as) e filhos(as), individualmente, e o pagamento de dano material ao núcleo de dependentes. Também é pago o auxílio creche mensal para filhos de trabalhadores falecidos com até 3 anos de idade, e auxílio educação mensal para filhos entre 3 e 25 anos de idade. Por fim, é concedido plano de saúde vitalício aos cônjuges ou companheiros(as) e aos(às) filhos(as) até 25 anos. Desde de 2019, já foram firmados acordos com mais de 1,7 mil familiares de trabalhadores falecidos, tendo sido pagos mais de R$ 1,1 bilhão no âmbito da Justiça do Trabalho”.
*Com Reuters