Commodities

Uma década nas commodities: pico do petróleo continua sendo uma incógnita

24 dez 2019, 16:52 - atualizado em 24 dez 2019, 17:06
Opep
Considerando as demandas sobre a Opep somente nesta década, é um milagre que a organização continue existindo e influenciando positivamente os preços do petróle (Imagem: Reuters/Leonhard Foeger)

Mais uma década se passou nas commodities, e não sabemos dizer ao certo se o mundo está mais perto de atingir o pico de demanda ou de produção no petróleo e se sua cotação pode voltar à marca de US$ 100 por barril.

À medida que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), liderada pela Arábia Saudita, entra em sua sexta década de existência, os mercados não têm a mínima ideia de quanto tempo ainda vai durar o único e mais poderoso cartel de commodities a sobreviver no planeta.

De fato, considerando as demandas sobre a Opep somente nesta década, é um milagre que a organização continue existindo e influenciando positivamente os preços do petróleo.

“Desde que o petróleo foi descoberto e passou a ser negociado como commodity, o mundo vem se perguntando quanto tempo levará para os combustíveis fósseis se esgotarem ou para seu consumo ser substituído por novas fontes energéticas”, declarou John Kilduff, sócio fundador do hedge fund de energia Again Capital. O analista complementou:

“Tais questionamentos a respeito dos combustíveis fósseis envolvem também o futuro da Opep e da Arábia Saudita, que exerce a liderança do cartel e supostamente detém uma das maiores reservas de petróleo do mundo.”

“É desnecessário dizer que, após os inúmeros debates que continuaram sendo travados ao longo desta década, não estamos sequer perto de uma resposta plausível a quaisquer dessas questões.”

Pico do petróleo continua sendo uma teoria

O conceito de “pico de produção do petróleo” refere-se ao ponto hipotético a partir do qual a produção petrolífera começará a declinar depois de atingir seu valor máximo.

Trata-se do cenário mais altista para o petróleo, principalmente se a oferta de energias renováveis ainda for insuficiente nesse momento.

A perspectiva de um “pico de demanda petrolífera” encerraria uma expansão que dominou o século passado e surge no momento em que investidores e governos sofrem pressão para se distanciar da economia à base de combustíveis fósseis. Trata-se do cenário mais baixista para esse tipo de combustível.

A Agência Internacional de Energia (AIE), sediada em Paris, retomou o debate em novembro, ao prever que o consumo mundial de petróleo se estabilizará em uma década.

Petróleo
Petróleo: ainda há espaço para crescimento (Imagem: REUTERS/Brendan McDermid)

Logicamente, a demanda petrolífera não pode continuar infinitamente

O mais irônico é que, algumas semanas após a previsão da AIE, a teoria do pico de demanda foi aventada em um evento em Nova York por Andy Hall, um dos mais bem-sucedidos “touros” do petróleo desta geração.

Hall e seus clientes lucraram centenas de milhões de dólares ao longo dos seus 30 anos de carreira, com base na ideia de que a demanda e, consequentemente, os preços do petróleo só poderiam ir em uma direção: para cima.

“Salvo se tivéssemos conseguido prever que isso não aconteceria”, afirmou Hall no evento em Nova York, surpreendendo um público que estava acostumado a seguir as recomendações altistas de traders como ele.

De onde vem essa história do barril de petróleo a US$ 100? Ela remonta à crise financeira de 2008 e ressurgiu nos anos posteriores (Imagem: Pixabay)

Hall de forma alguma se mostrou arrependido de suas visões passadas em relação ao consumo infinito de petróleo, dizendo que “a demanda petrolífera cresceu exponencialmente desde o fim da Segunda Guerra Mundial… Era dado como certo que o consumo petrolífero cresceria até a eternidade”.

Mas essa história vai mudar agora, graças à tecnologia, aos carros elétricos e à energia renovável, afirmou Hall, projetando que o pico de demanda ocorrerá ainda nesta década.

“Ainda que remota, existe a chance de que, até 2030, vejamos uma estabilização ou um declínio no consumo mundial de petróleo”, asseverou o ex-magnata e diretor aposentado de hedge fund, que reconheceu o contínuo boom de produção do shale oil nos EUA e a descoberta de novas jazidas no Brasil, Noruega e Guiana.

Barril pode voltar a custar US$ 100, mas por um período muito curto

Hall também previu outra coisa em relação à outra parte da história da energia nesta década: o petróleo a US$ 100 por barril.

“Podemos ver o barril custando US$ 100 novamente? Sem dúvida”, afirmou. “Seria por um período muito curto e aceleraria a derrocada final” do pico da demanda.

De onde vem essa história do barril de petróleo a US$ 100?

Ela remonta à crise financeira de 2008 e ressurgiu nos anos posteriores, antes que a revolução do shale oil nos EUA acabasse de uma vez por todas com o preço de três dígitos do petróleo.

Das máximas de US$ 147 na crise financeira…

A pior derrocada do mercado desde a Grande Depressão fez com o West Texas Intermediate, referência mundial do petróleo à época, despencasse das máximas históricas acima de US$ 147 por barril, em julho de 2008, para cerca de US$ 32 em dezembro daquele ano.

Petróleo WTI Gráfico mensal
Petróleo WTI Gráfico mensal

Mas a recuperação pós-crise do petróleo foi tão forte que aquele mercado sobrevendido acabou sendo catapultado de volta para o patamar de US$ 80 no início de 2010.

No ano seguinte aconteceu algo inimaginável no mercado de petróleo: a eclosão dos protestos da Primavera Árabe de 2011, que culminaram em uma guerra civil no país e levaram à intervenção militar estrangeira, bem como à deposição e morte do longevo ditador Muammar Gaddafi.

Petróleo Brent Setor Petrolífero Commodities
O britânico Brent assumiu o posto principal no lugar do petróleo norte-americano (Imagem: Reuters/Carlos Garcia Rawlins)

A produção petrolífera da Líbia, que era uma das produtoras mais importantes da Opep à época, caiu de 1,5 milhão de barris por dia (bdp) para quase zero ao final de 2011, quando Gaddafi morreu.

Também ocorriam mudanças estruturais no mercado de petróleo naquela época. Restrições nos oleodutos norte-americanos prejudicaram enormemente o transporte de petróleo nos EUA, fazendo com que o WTI deixasse de ser a referência mundial. ]

O britânico Brent assumiu o posto principal no lugar do petróleo norte-americano. A redução de oferta provocada pela interrupção da produção na Líbia fez com que o Brent voltasse para cima de US$ 100 por barril em janeiro de 2011, onde ficou praticamente estável por três anos e meio.

Petróleo Brent Gráfico mensal
Petróleo Brent Gráfico mensal

Foi então que ocorreu o segundo choque nos preços do petróleo na década, mas desta vez para baixo.

Em meados de 2014, a tecnologia de fraturamento hidráulico permitiu a descoberta de uma torrente de petróleo nas formações rochosas de xisto nos Estados Unidos, transformando por completo a situação das reservas petrolíferas do país, bem como sua posição como produtor.

O poder de influência sobre a relação de oferta e demanda no petróleo havia mudado repentinamente das mãos de gigantes como a Opep e a Arábia Saudita para um grupo difuso de perfuradores independentes que crescia a cada dia ao redor dos Estados Unidos.

… O petróleo norte-americano atingiu as mínimas de US$ 26 há três anos

Subestimando inicialmente a ameaça do shale como fugaz, a resposta saudita foi “produzir como se não houvesse amanhã” e varrer o fenômeno para fora do mercado.

Praticamente na mesma época, o Irã negociava um novo acordo nuclear com o governo do ex-presidente Barack Obama, a fim de levantar as sanções à sua exportação petrolífera que era, naquele momento, a quarta maior do mundo.

Com o Irã de volta ao mercado e a resposta míope e temerária dos sauditas à ameaça do shale, os preços do petróleo afundavam à medida que o fraturamento barato fazia o Brent atingir cerca de US$ 35 por barril, em dezembro de 2015, e o WTI, US$ 26, em fevereiro de 2016.

Saudi Aramco
Apesar do sucesso da abertura de capital da Aramco  petrolífera estatal da Arábia Saudita, o reino continua sendo perseguido pelo infame assassinato do jornalista dissidente Jamal Khashoggi (Imagem: Reuters/Maxim Shemetov)

Os sauditas, então, tiraram outro coelho da cartola: um pacto de corte de produção sem precedentes com a Rússia, maior produtora de petróleo naquele momento.

Nascia, assim, a aliança Opep+, um grupo formado pelos 15 membros originais da Opep mais 10 outros produtores liderados pela Rússia.

Comprometendo-se com um corte inicial de 1,2 milhão de bpd – que acabou sendo elevado para 2,1 milhões de bpd na reunião deste mês, ou cerca de 2% da oferta mundial –, a ação da aliança é o que tem salvado os preços do petróleo atualmente.

Nesse ínterim, os Estados Unidos se tornaram o maior produtor de petróleo do mundo e exportadores líquidos de produtos derivados, depois de levantarem um embargo à exportação de petróleo em 2015.

Nos últimos três anos, a Opep tem se defrontado com um desafio diferente na gestão da cotação do petróleo.

Embora o presidente dos EUA, Donald Trump, tenha imposto novas sanções ao Irã e à Venezuela, restringindo, com isso, a oferta mundial do petróleo em benefício da Opep, seu governo não deixou de combater firmemente o cartel, temendo que suas ações pudessem causar uma disparada nos preços nas bombas de gasolina do país e prejudicar seu crescimento.

Apesar do sucesso da abertura de capital da Aramco  petrolífera estatal da Arábia Saudita, o reino continua sendo perseguido pelo infame assassinato do jornalista dissidente Jamal Khashoggi, cometido em 2018, e pelo embaraçoso ataque às suas instalações petrolíferas em setembro deste ano, de modo que o petróleo a US$ 100 por barril não está mais em sua mente.

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