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Um novo horizonte na China e uma meta de crescimento frustrante

10 mar 2023, 20:31 - atualizado em 10 mar 2023, 20:31
Xi Jinping, China
A China estabeleceu sua meta de crescimento econômico em 5% para 2023, a menor em décadas (Imagem: MARK R.CRISTINO/Pool via REUTERS)

É inevitável que, no mundo contemporâneo, os agentes econômicos estejam muito mais conectados, por vezes de maneira até implícita e sutil. Ainda assim, vivemos hoje em uma realidade na qual as vibrações do outro lado do Atlântico se espalham por toda parte, como a guerra na Ucrânia conseguiu nos ensinar. 

No episódio mais recente de múltiplas influências internacionais, a China estabeleceu sua meta de crescimento econômico em 5% para 2023, a menor em décadas, frustrando as expectativas de parte do mercado, que esperava algo entre 5,5% e 6%. 

O número foi apresentado pelo primeiro-ministro Li Keqiang, principal autoridade econômica da China, logo no começo do Congresso Nacional do Povo da China, iniciado no final de semana passado. 

Aliás, acredito que seja válido ressaltar que o evento está reformulando muitas coisas. Não só foi oficializado o início do terceiro mandato histórico de Xi Jinping, como também estamos vendo a maior reorganização de formuladores de política econômica em décadas do país. 

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Entre os funcionários que deixaram o cargo, estão nomes importantes como o próprio primeiro-ministro Li Keqiang, o vice-primeiro-ministro Liu He, que liderou as negociações comerciais com os EUA, e o chefe do banco central Yi Gang. 

Os substitutos, a serem anunciados em breve, deverão ser menos experientes internacionalmente e com menos credenciais acadêmicas, se destacando principalmente por seus laços estreitos com o presidente Xi Jinping, que aumenta seu poder a cada dia. 

Essa perspectiva vem gerando ansiedade internacional de que a nova formação se revelaria ser muito mais simpatizantes de Xi, movimento que levaria a China ainda mais à intervenção estatal e às tensões com os EUA e seus aliados. Ao mesmo tempo, também podemos ler a maior aproximação como uma tentativa de avançar nas dolorosas reformas, como aumentar a idade de aposentadoria, por exemplo. 

Seja como for, o movimento todo está gerando bastante ruído, em especial por conta da meta de crescimento. Vale lembrar que, no ano passado, o produto interno bruto da China aumentou 3% após três anos de políticas de Covid zero, o segundo crescimento mais lento desde a década de 1970, enquanto a meta era de 5,5%. Ou seja, a meta para 2023 não é só abaixo dos 6% esperado, como também abaixo daquela de 2022. 

O desafio é grande, incluindo revitalizar o crescimento chinês, cada vez mais pautado por consumo interno e não investimento, e combater o problema demográfico da queda da taxa de natalidade. 

O problema é que, ao que tudo indica, os principais líderes do país estão evitando qualquer grande estímulo para impulsionar uma recuperação pautada principalmente pelo consumidor, sugerindo menos impulso de crescimento para uma economia mundial já em dificuldades por conta do aperto monetário. 

Para ilustrar, o governo da China planeja aumentar os gastos fiscais em 5,6% este ano, menos que no ano passado, sendo que se previa que a receita fiscal cresceria 6,7% em 2023. 

Com isso, a tendência de queda do crescimento chinês não deve ser mitigada, apesar dos esforços. De certa maneira, porém, as metas econômicas oficiais mais modestas mostram um governo confiante o suficiente na força da próxima recuperação para adiar estímulos agressivos. 

Em outras palavras, o governo parece feliz em contar com a dinâmica natural de reabertura das restrições da Covid para obter uma recuperação e sente pouca necessidade de aumentar as medidas de estímulo (o déficit fiscal no ano passado foi muito alto para os padrões históricos, de 8% a 9% do PIB, e as autoridades devem querer frear o aumento do déficit fiscal se valendo da recuperação econômica). Veja abaixo a tendência de queda das metas. 

Para conseguir estabilidade econômica e expansão do consumo, os chineses estabeleceram uma meta de criar cerca de 12 milhões de empregos urbanos este ano, acima da meta de 2022 de pelo menos 11 milhões, permanecendo atentos ao mercado imobiliário, em situação mais delicada desde 2021, quando tivemos os primeiros sinais de fragilidade do setor (vide caso Evergrande). 

Notadamente, podemos considerar que a meta, ainda que tenha ficado abaixo das estimativas de mercado, seja uma estratégia para prometer pouco e entregar muito, uma vez que Xi Jinping sabe o problema que viveu em 2022 por frustrar as expectativas e agravar o sentimento dos agentes para com a economia. 

Ao mesmo tempo, não podemos ignorar que o mercado externo está mais fraco mesmo, diferente do que aconteceu durante a primeira década deste século, logo após a entrada da China na OMC. Como consequência, um mercado externo enfraquecido impõe desafios às indústrias chinesas voltadas à exportação. 

Chamou a atenção que, por mais que os estímulos como um todo tenham frustrado as projeções do mercado, os gastos militares devem acelerar para 7,2% neste ano (o ritmo mais rápido desde 2019), para quase US$ 224 bilhões, contra 7,1% de crescimento no ano passado. 

Em um ambiente de tensão geopolítica, o número preocupa os EUA, até mesmo porque Xi Jinping foi escolhido mais uma vez não só como presidente da China, mas também presidente da Comissão Militar Central, tornando-se chefe das maiores forças armadas do mundo em termos de pessoal ativo. 

Esperamos que os próximos anos sejam marcados por um aprofundamento ainda maior da China em um ciclo negativo de relacionamento com os EUA, que alimenta o medo de um conflito direto. Conversamos sobre os atritos entre EUA e China no começo do mês. 

De qualquer forma, mesmo que as tensões continuem aumentando entre as maiores economias do mundo, devendo pautar parte considerável do crescimento econômico na próxima década, ainda há espaço para um certo tom construtivo; afinal, o mercado de ações chinês deverá continuar a se recuperar do baixo desempenho registrado entre 2021 e 2022, o que pode criar momentum positivo para mercados emergentes. 

De fato, a meta conservadora de crescimento pode sugerir que o governo está cauteloso com os desafios que podem pesar sobre a economia, como demanda externa mais fraca, restrições tecnológicas e tensões crescentes entre EUA e China.

Contudo, meu entendimento é de que os 5% de meta são sim algo como “underpromise and overdeliver” (estabelecer expectativas razoáveis para conseguir superá-las com certa facilidade). 

Neste sentido, vejo com bons olhos dois vetores: 

  1. a economia chinesa pode sim servir de amortecedor para a economia global em desaceleração;
  2. há espaço para a sustentação dos preços das commodities em patamares elevados, o que seria benéfico para o Brasil, que costuma se beneficiar de um bom crescimento chinês.

O resultado do triunfo político de Xi Jinping é que, cada vez mais, a responsabilidade por tudo o que acontece na China recai sobre seus ombros. Não teremos a boa vida de antes, quando o ciclo de commodities alimentou um momento positivo para a economia global na primeira década do século, mas pelo menos já temos alguma coisa para formatarmos nossas expectativas. 

Temos diante de nós um impulso cíclico para o curto prazo, enquanto a demografia é um empecilho de longo prazo, o que pode fazer com que os investidores enxerguem apenas os benefícios, deixando os problemas estruturais mais graves para um segundo momento. Com isso, o impacto da reabertura da China gerará inevitavelmente oportunidades.