Turismo comunitário transforma negócios no sertão da Bahia
O litoral da Bahia é um destino ostentado por muitas pessoas. Mas, para descentralizar territórios e fortalecer pequenos e médios empreendedores, novas rotas focadas em comunidades rurais estão sendo incentivadas no interior do Estado, como o caso do quintal produtivo de Maria do Raso, de 52 anos.
A fama na cozinha tem atraído visitantes de diferentes regiões do Brasil, que querem experimentar os produtos feitos pela família da anfitriã. No cardápio, carne de bode cozida e pirão de galinha caipira, além dos doces e geleias de frutas da caatinga.
Localizada em Canudos, cidade a 395 quilômetros de Salvador, a propriedade integra a rota gastronômica do Turismo de Base Comunitária (TBC), que tem o objetivo de diversificar a economia nas comunidades rurais.
“Não é um turismo convencional”, explica Aline Craveiro, coordenadora geral do Centro Público de Economia Solidária do Sertão do São Francisco (Cesol). O projeto, da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Estado da Bahia (Setre), é responsável por prestar assistência técnica a 128 empreendimentos de 10 municípios do norte da Bahia.
Segundo Aline, o principal desafio do TBC é envolver as comunidades, estruturar e organizar os negócios para que estejam aptos a participar das rotas gastronômicas. O trabalho tem a finalidade de garantir qualidade e segurança alimentar dos empreendimentos.
Na prática, são oferecidos cursos e oficinas para que os trabalhadores tenham acesso a produção apropriada, já que muitos negócios não começam em uma cozinha profissional. Entre as etapas, estão o cuidado no preparo dos produtos, a orientação de embalagens e rótulos, a exigência da tabela nutricional e até a distribuição nos mercados locais e nacionais.
A partir daí, torna-se uma produção organizada para receber turistas. “Essa vivência é procurada por pessoas que buscam o modo de vida simples, as tradições locais, as produções artesanais e, consequentemente, a geração de renda para os integrantes da comunidade”, ressalta Aline.
Pioneirismo
Em 2008, a empreendedora Regiane Reis, de 37 anos, dependia de “bicos” para engordar a renda do mês. Na época, o companheiro dela, Aldeir da Silva, de 38 anos, teve a ideia de comprar cabras para começar uma produção de leite e de queijo.
O negócio deu certo. No início, Regiane fabricava um queijo por dia, que era vendido em feiras e de porta em porta. Mas não demorou para a iguaria ficar conhecida localmente e, com o aumento da demanda, veio a necessidade de profissionalização e investimento para expandir o empreendimento.
Com o auxílio da Embrapa, a empreendedora participou de cursos, em que aprendeu o manejo correto do corte de carne, o passo a passo do processamento do queijo e as etapas de precificação e rotulação do produto. O esforço trouxe resultados.
Primeiro, veio o nome da marca: Queijaria da Nia, além de um espaço adequado para a produção. Depois, a validação do que já tinha credibilidade na região: a certificação como 1º queijo registrado no município de Casa Nova.
O efeito da profissionalização teve impacto na produção. De um queijo fabricado por dia, passou para aproximadamente quatro quilos do laticínio, diariamente.
Quando membros do Cesol procuraram Regiane para incentivar a colocar a Queijaria na rota de Turismo Comunitário ela quase não acreditou. “O pessoal dizia que aqui era muito bonito”, relembra a empreendedora.
Mesmo com a estabilidade do negócio, ela precisou pensar em estratégias para atrair turistas. Foi neste momento que transformou o espaço familiar em um local com potencial para receber visitantes de diversas regiões.
Hoje, quem passa pelo Sítio Terra Seca conhece o galinheiro produtivo, a ordenação de cabra, a pocilga, a casa do queijo e a plantação de palma. No roteiro final, além da apresentação da propriedade, o turista desfruta de uma degustação da especiaria da casa, o queijo de cabra.
Atualmente, a Queijaria da Nia recebe mensalmente em torno de 100 pessoas. Paralelo ao sucesso da empreendedora, agora, o grande desafio do Turismo comunitário é estimular empreendedores locais a abrir novas rotas dentro do território, para que possam se conectar entre si.
Segundo Aline Craveiro, esse elo pode significar um atrativo para os turistas visitarem os espaços. “Temos uma quantidade enorme de negócios, mas eles precisam estar adequados. Assim, dentro das próprias agências de turismo roteiros rurais podem ser adicionados como uma forma de opção”, afirma. Muitas vezes, o perfil da pessoa que busca uma rota alternativa tem a ver com poder aquisitivo e procura por uma experiência diferente do que já viveu.
Comida da vó
A 270 quilômetros do Sítio Terra Seca, no interior de Canudos – cidade conhecida historicamente pelo massacre que aniquilou parte da população em 1897 – , as comunidades de fundo de pasto Bom Jardim e Raso recebem pessoas não apenas interessadas pelo passado da localidade, mas também pela gastronomia e riqueza cultural.
“O turismo está ficando forte aqui pela forma que os moradores se apresentam. Nós temos pertencimento”, resume Débora Sousa, de 32 anos, responsável por recrutar e organizar as vilas e os moradores que fazem parte do projeto.
Com poucas referências de Turismo de Base Comunitária na região, as comunidades se adentraram na rota de maneira intuitiva. Tudo começou em 2018, quando Débora participou de um evento no Ceará em homenagem a memória de Antônio Conselheiro, símbolo de resistência de Canudos.
Durante a celebração, a jovem compartilhou os empreendimentos feito por mulheres das comunidades, como o artesanato, as comidas regionais e a produção de doces produzidos com frutas da caatinga. Ali perceberam que havia um grande potencial.
Por se tratar de comunidades que trabalham de forma colaborativa, onde a maioria dos moradores são parentes e compadres, Débora passou a definir a atividade como turismo de vivência. “Nós sempre gostamos de receber pessoas”, diz. Mas era preciso profissionalizar esse serviço.
Foi assim que surgiram parcerias com três guias de Canudos: Jamilson, João e Paulo. A colaboração funciona da seguinte forma: no momento em que os turistas compram um pacote específico, os guias sugerem a inclusão das rotas alternativas que incluem Bom Jardim e Raso.
A experiência contempla passagem pela Igreja do Rosário, templo centenário e parques que foram palco do Massacre de Canudos, além de fotos exclusivas com vaqueiros. Durante o trajeto, o atrativo principal está na cozinha de Maria Alves, de 54 anos, conhecida popularmente como Maria do Raso.
A cozinha doméstica se tornou profissional. Sem perder a estética caseira, o quintal produtivo se transformou em uma espécie de restaurante ao ar livre. No cardápio é ofertado carne de bode, galinha caipira, pirão e os bônus: doces e geleias de frutos da caatinga – maracujá do mato e umbu – produzidos por Maria, produtos que foram recentemente rotulados pelo Cesol.
O empreendimento administrado por Maria já foi visitado até por turistas da Alemanha e do Japão. “Isso ajuda bastante, a gente está bem mais tranquilo financeiramente”, comemora Maria. Mas para consolidar o negócio ainda é preciso fortalecer o turismo de vivência nas comunidades. Débora Sousa trabalha para materializar essa meta: “A ideia é que no futuro a gente possa viver disso”, ressalta.
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