Empiricus Research

Tupy or not tupy?

21 ago 2018, 14:57 - atualizado em 21 ago 2018, 14:57

Por Felipe Miranda, da Empiricus Research

FM: Como foi a reunião?

BN: Péssima.

FM: Puts, jura? O quão péssima?

BN: PÉSSIMA. Se você tivesse, sairia no meio.

FM: Mas o que aconteceu?

BN: Ah, meu, os caras cagaram regra o tempo todo. Chegaram todos cheios de opinião pronta, sabiam de tudo. Nem entenderam o que a gente faz…

FM: Os professores, os gênios, sempre eles. Conhecem, ex-ante, o que funciona, o que não funciona, saquei.

BN: Exato. A gente está aqui todo dia e acostumou, sabe? Mas tem uma coisa muito legal. A gente nunca acha nada. Não tem opinião, ninguém quer estar certo. Testa, mede, repete o que foi melhor. Rola um compromisso real em descobrir a verdade em vez de provar o próprio ponto.

FM: “Os egos devem estar abaixo dos números, as vantagens da mente aberta…”

BN: Ai, Felipe, ninguém aguenta mais o Ray Dalio, toda hora, coisa chata também…

FM: Ah, você não gosta daquela parte do ego, dos pontos cegos e da mente aberta? Acho maravilhosa…

BN: Gosto, mas não duzentas vezes por dia…

FM: Só falei uma hoje, vai?

BN: Tchau, Chatão, bom final de semana.

FM: Tchau, bebe um vinho, você está merecendo.

BN: Já comecei no almoço…

Não vamos dar nome a FM. Trata-se de um grande idiota. Somos aqui muito discretos e elegantes. BN se refere à Bia Nantes (COO da Empiricus), com quem eu conversava na sexta-feira após uma reunião para a contratação de um potencial novo fornecedor.

Não conto o papo como caso de empreendedorismo digital moderno, embora, fui descobrir depois, a obsessão interna pelos testes e resultados até pudesse enquadrar-se com precisão nos princípios das organizações exponenciais — já tínhamos essa postura muito antes dos manuais da Singularity, fique claro.

A gente sempre teve uma relação quase patológica com epistemologia e espírito científico. A conversa narrada no começo reflete uma visão de mundo. Sextus Empiricus era contra os professores, contra aqueles que sabem tudo, que acham que a técnica e a ciência são deuses modernos capazes de fazer-nos penetrar o futuro e o desconhecido a partir de concepções a priori. O mundo é e continuará sendo ininteligível. Cabe a nós desenvolvermos ferramentas para, ao menos por algum tempo, convivermos com o desconhecido.

Todos nós temos vieses particulares — não há como escapar da combinação genótipo e fenótipo. Aquilo que carregamos em nosso DNA somado às experiências individuais forma crenças, preconceitos imperceptíveis, inclinações intelectuais, certezas enraizadas. E uma vez estabelecidas essas coisas, sentimo-nos desconfortáveis em mudar, reconhecer que antes estávamos errados — é o nosso ego em questão. Preferimos manter-nos apegados às próprias convicções, apegados ao viés de confirmação, a ceder à evidência dos fatos. Achamos fraqueza admitir que antes pensávamos algo equivocado.

Confundimos hipóteses sobre o funcionamento do mundo com conclusões a respeito de como o mundo funciona.

O que tem de gente por aí convicta sobre quem disputará o segundo turno das eleições brasileiras, sobre quantas vezes o Fed vai subir o juro, sobre o nível das novas tarifas comerciais, sobre a guerra ou não guerra no Irã, sobre quem será o campeão brasileiro de futebol é uma grandeza. Aliás, já demitiram aqueles analistas do UBS que previram a Alemanha na final da Copa?

Tudo bem você achar uma coisa, ter uma opinião sobre determinado fenômeno. Mas será que aquilo encontra respaldo na realidade? Que tal submeter a sua opinião ao teste empírico e ver se há aderência entre crença e fatos concretos?

Deixe-me dar um exemplo prático do que estou falando. Pego o caso particular para provar o argumento geral de forma mais fácil.

O Rodolfo acha que links na cor vermelha ao longo dos textos da Empiricus atraem mais a atenção do leitor e, portanto, devem ser adotados, como forma de maximizar o engajamento e, por conseguinte, as receitas da empresa — sim, nós também temos contas a pagar.

Eu acho que o vermelho está associado a coisas negativas, símbolos de “pare” ou queda das cotações, o que pode inibir o engajamento e as vendas. Sugiro o azul, mais ligado a coisas positivas — por razões futebolísticas óbvias, o verde está terminantemente proibido (é brincadeira, ok?).

Como decidimos isso? Quem está certo? Ninguém fica argumentando, querendo provar o ponto. Dividimos a lista de e-mails em duas. A primeira metade recebe o texto com o link em vermelho, enquanto a outra se depara com o mesmo texto, mas o link em azul. Então, medimos qual dos dois obteve maior número de cliques e engajamento em geral, passando a ser adotado para os próximos disparos.

É o que sinteticamente se chama na indústria de “teste A/B”, aqui repetido todos os dias nas versões A, B, C, D, E, F, sempre com o devido rigor nos grupos de controle e no respeito às derivadas parciais (mudando apenas uma variável por vez, para identificar com precisão relações de causalidade).

Esse é um exemplo tolo, claro. Simples e trivial, até meio bobo. Mas didático, replicado para as mais variadas realidades da empresa. Batizei internamente a prática de “Ditadura do Teste”, termo já muito bem conhecido por aqui. Tenho certeza de que nossos resultados seriam piores sem essa dinâmica.

Recorremos ao teste a todo momento por uma simples razão: sabemos que não sabemos. Nossas opiniões são apenas… opiniões. Achismos, crenças e chutes nem sempre bem direcionados. É essa humildade epistemológica que permite, a partir dos resultados materiais, otimizar cada processo na empresa.

Da mesma forma com que tocamos a atividade empresarial, encaramos os investimentos — se você parar para pensar, não há diferença entre as coisas. Insisto: é uma visão de mundo.

E é essa visão de mundo que me traz ao debate sobre concentração ou diversificação dos investimentos. Ou observada de outra forma, sobre o debate “gestão ativa ou gestão passiva” — filosoficamente, a essência das discussões é a mesma.

Antes de expor meu argumento, uma ressalva: não acho que aqui seja caso de certo ou errado. Trata-se de uma questão de visão de mundo, sobre o jeito de cada um ser ou estar por aí.

Tradicionalmente em finanças, a diversificação remete a Harry Markowitz, o sujeito que formalizou os chamados “ganhos da diversificação” na chamada Fronteira Eficiente e ganhou o Prêmio Nobel por isso.

Para encurtar uma longa história, a ideia central aqui é de que, a partir da adequada seleção de ativos com correlação negativa (movem-se em direções opostas; quando um sobe o outro cai), podemos obter portfólios ótimos, definidos como aqueles de menor risco para um dado retorno ou, analogamente, maior retorno para um determinado nível de risco.

Combinando ativos de risco médio, por conta de sua correlação negativa, poderíamos reduzir o risco agregado da carteira, sem abrir mão de muito retorno potencial.

O argumento formal encontra sua versão intuitiva na famigerada frase “não colocar todos os ovos na mesma cesta.”

Em certa oposição a Markowitz, os discípulos de Benjamin Graham e Warren Buffett defendem um portfólio mais concentrado. Para eles, ao diversificar muito, o indivíduo foge de seu círculo de competências, tendo de se expor a algo que não conhece bem. Assim, em vez de reduzir seu risco, acaba aumentando-o. Ao focar-se no que domina, poderá ter uma vantagem sobre o mercado e, assim, obter um maior retorno.

Veja que os dois lados têm bons argumentos.

Pense num agricultor que há 30 anos planta couve. Ele é informado de que, na próxima safra, pode chegar uma terrível praga sobre aquela verdura. Se ele resolver também plantar taioba e for bem-sucedido nessa empreitada, conseguirá driblar os riscos iminentes.

O que é mais arriscado? Diversificar para um segmento que não domina? Ou manter-se fiel a um determinado nicho, mantendo todas as couves numa mesma cesta?

Não há resposta definitiva. Se você acredita numa verdadeira habilidade especial em se plantar couve, possivelmente será a favor da concentração. Já se não identifica nada muito especial e particularmente meritocrático na atividade, talvez vote pela diversificação em prol da taioba, que, vamos combinar, não é lá muito “rocket science”.

Eu, Felipe, não acredito em super-heróis, em habilidades especiais. Acho que, por mais que nos esforcemos e sejamos inteligentes, há muita gente boa por aí. Muitas delas sempre melhores do que nós. Além disso, no mercado financeiro, ambiente dominado pelas incertezas e pelo caráter necessariamente opaco do futuro, estamos no terreno dos “black swans”, dos cisnes negros, no Quarto Quadrante de Nassim Taleb, em que o resultado final depende muito mais de um evento completamente aleatório e imprevisível do que de qualquer outra coisa.

Sim, o argumento também vale para as eleições. Enquanto todos comentam e se preocupam com as pesquisas Ibope e CNT, eu ainda acho que ninguém sabe de nada. Se não me preocupo? Eu vivo preocupado.

“Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito, se não fossem os maus sonhos que me assombram.” Assim resumiu Hamlet no auge de sua aflição. Tenho sonhos assombrosos diariamente.

Ao ver o aumento das intenções de voto no ex-presidente Lula, compartilho do temor de um segundo turno Haddad x Bolsonaro. E com incremento da rejeição ao segundo, os pesadelos da volta do PT ao poder atormentam até aqueles de sono mais profundo.

Ainda sobre as pesquisas de ontem, vale apontar a resiliência de Bolsonaro, que mantém seus votos sem tergiversar, afastando, ao menos por enquanto, o questionamento de que desidrataria tão logo a campanha começasse. Nada parece ter mudado de forma muito substancial, mesmo com alianças anunciadas, candidaturas formalizadas, dois debates na TV e uma porção de sabatinas. Nem os votos em Bolsonaro, nem a falta deles em Alckmin, que, também ao menos por enquanto, não decola.

De Shakespeare a Oswald de Andrade, pergunta-se: tupy or not tupy? Eis a questão: comprar ou não ativos brasileiros em face às incertezas eleitorais?

Embora as incertezas possam trazer volatilidade e até mesmo mais prêmio à curva de juros, vejo boa gordura e uma posição boa para carrego nos vértices intermediários e longos, mas isso pouco importa. Meu malvado favorito é a Bolsa, justamente porque não depende de um único cenário para ir bem. Ontem mesmo tivemos um exemplo claro disso, num argumento muito alinhado ao que expusera recentemente neste espaço.

Enquanto dólar e juros futuros subiram com vigor ontem, Bolsa andou bem, puxada por exportadoras, que se beneficiam dos altos preços de commodities e do câmbio desvalorizado.

Ou seja, no caso de vitória de um candidato reformista, as ações devem andar muito bem, com destaque para estatais e cíclicos domésticos (bancos, varejo).

Já no caso de um candidato nem tão reformista sair vitorioso, dólar vai subir bem (ainda é um hedge barato) e arrastar para cima as exportadoras, que, com grande peso no índice, podem inibir uma queda do Ibovespa.

Para o argumento ser verdadeiro na prática, é fundamental que sua exposição em ações componha uma boa representação do que é o próprio índice, por meio de ETFs (BOVA11) ou a compra das ações com maior peso no benchmark. Voltamos à gestão passiva e à diversificação. Cqd.

Antes de encerrar, um comentário de cunho regulatório (se é que posso chamar assim, posto que o ambiente de ideias deve ser necessariamente desregulado, sob o risco de censura). Há tempos queria fazê-lo mas faltavam tempo e espaço: em matéria do Valor do dia 10 de agosto, a CVM, por meio de um de seus superintendentes, negou que delega poderes de polícia à Apimec, tratando-se apenas de um acordo de cooperação e atuação conjunta. Não é verdade. Veja o que aconteceu no caso, 100 por cento análogo, da Ancord.

Termino uma vez mais citando Shakespeare: “Se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume”.

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