Trader desempregado vira exilado em Dubai com US$ 700 milhões
Quando Sanjay Shah perdeu o emprego durante a crise financeira há mais de uma década, era um dos milhares de operadores de nível médio que de repente ficaram desempregados.
Shah não demorou muito para voltar ao mercado e fundou seu próprio fundo com foco em brechas nas leis de impostos sobre dividendos. Em poucos anos, conseguiu uma ascensão espetacular saindo da obscuridade dos pregões para acumular US$ 700 milhões e um portfólio de propriedades que se estendia do Regent’s Park em Londres, onde nasceu, até Dubai.
Shah comprou um iate de quase 19 metros e contratou Drake, Elton John e Jennifer Lopez para se apresentarem para uma instituição de autismo fundada por ele.
Impulsionando sua ascensão estavam o que ele afirma serem negociações legais da polêmica estratégia Cum-Ex. Essas transações exploraram brechas legais em toda a Europa e permitiram que operadores obtivessem repetidamente restituições de impostos sobre dividendos de uma única posição de ações.
As negociações se mostraram extremamente rentáveis para os envolvidos – exceto, claro, para os governos que pagaram bilhões. Parlamentares alemães consideraram o esquema como o maior roubo fiscal da história.
A Dinamarca, que tenta recuperar cerca de 12,7 bilhões de coroas (US$ 2 bilhões), ou cerca de 1% de seu PIB, diz que todo o esquema foi uma farsa. Advogados do governo tentam obter acesso a dados bancários que, segundo eles, poderão provar o argumento.
Autoridades já bloquearam grande parte da fortuna de Shah, que enfrenta processos e investigações criminais em vários países. Os advogados de Shah disseram que ele será preso se deixar a cidade do Golfo e ir para a Europa, embora ainda não tenha sido indiciado.
Mas, em uma série de entrevistas recentes de sua casa de US$ 4,5 milhões em Dubai, Shah não se mostrou arrependido.
“Banqueiros não têm moral”, disse Shah, de 50 anos, em uma videochamada. “Gestores de hedge funds, entre outros, não têm moral. Ganhei dinheiro legalmente.”
Permissão
Shah e a empresa fundada por ele – Solo Capital Partners LLP – são figuras centrais no escândalo Cum-Ex dinamarquês, no qual segundo ele sua empresa ajudou investidores a venderem ações rapidamente e pedir múltiplas restituições de impostos sobre dividendos.
Autoridades têm investigado centenas de banqueiros, traders e advogados em vários países, enquanto tentam contabilizar os bilhões de euros em fundos de contribuintes que dizem ter sido embolsados. Mas Shah diz que o transformaram em “bode expiatório” por descobrir como lucrar legalmente com as obscuras brechas do código tributário que permitiam as negociações Cum-Ex, que em latim significa “Com-Sem”.
“Provem que alguma lei foi violada”, disse Shah. “Provem que houve fraude. O sistema jurídico permitiu isso.”
A Skat, agência tributária dinamarquesa, diz que bloqueou o equivalente a 3,5 bilhões de coroas dinamarquesas dos ativos de Shah, como uma mansão de US$ 20 milhões em Londres, como parte de um amplo processo contra o ex-banqueiro e seus supostos associados.
A agência não encontrou “evidências que sustentem que ações reais estavam envolvidas nas negociações relacionadas às restituições de dividendos reclamados no universo de Shah”, disse em comunicado. “Parecem transações de papel sem conexão com qualquer posição real de ações.”
Shah ainda recebe cerca de 200 mil libras (US$ 250 mil) por ano com o aluguel de seus imóveis, disse, menos da metade do que recebia antes da chegada da Covid-19.
O ex-operador também enfrenta pressão na Alemanha, onde promotores o investigam como parte de uma rede nacional que mira centenas de suspeitos no setor financeiro.
Sentir-se roubado
Na Dinamarca, o processo contra Shah gerou indignação pública. O país, em meio à recessão econômica causada pelo coronavírus, afirma que foi roubado.
“Em um país como a Dinamarca, e principalmente em tempos de Covid-19, é de grande importância”, disse Alexandra Andhov, professora de direito na Universidade de Copenhagen. Autoridades fiscais do país já lidaram com casos de suposta fraude antes, mas “não no valor de US$ 2 bilhões”, afirmou.
Shah parecia à vontade e otimista ao descrever como seria preso se tentasse voltar para casa em Londres. Casado, com três filhos e morando em Dubai desde 2009, Shah passou os últimos cinco anos ocupado com documentos legais e em contato com seus advogados, disse. Para autoridades que tentam tirá-lo do exílio, ele tem um conselho: estudem seu código tributário.
“É muito bom colocar o rosto de alguém na primeira página de um jornal e dizer: ‘Olha esse cara que mora em Dubai, sentado na praia todos os dias tomando uma piña colada enquanto você está sem dinheiro e não tem emprego’”, disse. “Eu diria: olhe para seu sistema jurídico.”
Primeiros passos
Shah dificilmente é a única pessoa envolvida no escândalo europeu da Cum-Ex. Promotores alemães têm sido mais agressivos do que suas contrapartes dinamarquesas e já indiciaram mais de 20 pessoas. Em um julgamento histórico no início do ano, dois ex-traders do UniCredit foram condenados por evasão fiscal agravada.
Um deles, Martin Shields, disse ao tribunal de Bonn que embora tivesse ganhado milhões com a Cum-Ex, agora estava arrependido de suas ações.
“Sabendo o que sei agora, não teria me envolvido na indústria da Cum-Ex”, disse Shields, que conseguiu evitar a prisão porque cooperou com as investigações.
Uma década atrás, as transações da Cum-Ex eram muito populares em todo o setor financeiro. Shah diz que teve a ideia durante seus anos como operador em Londres para alguns dos maiores bancos do mundo.
Filho de um cirurgião, Shah deixou a faculdade de medicina na década de 1990 e migrou para o mundo das finanças. Ele observou pela primeira vez como operadores exploravam impostos sobre dividendos quando trabalhava no Credit Suisse, no início dos anos 2000, uma estratégia conhecida como arbitragem de dividendos. Will Bowen, porta-voz do banco suíço em Londres, disse que os “processos se referem a um período após Sanjay Shah ter trabalhado no Credit Suisse”.
Shah não embarcou totalmente na Cum-Ex até ser contratado pelo Rabobank, com sede em Amsterdã, vários anos depois, quando a crise financeira começava a devastar o setor. Rishi Sethi, porta-voz do Rabobank, não quis comentar sobre ex-funcionários.
Grandes ambições
Depois de ser demitido, Shah diz que recebeu ofertas de várias corretoras que incluíam participação nos lucros. Mas isso não era suficiente para ele, que então abriu sua própria empresa.
“Não quero ganhar uma parte”, disse. “Quero ganhar o lote inteiro.”
Essa ambição foi memorizada no nome que Shah escolheu para sua empresa: Solo Capital Partners.
Shah disse que tinha cerca de meio milhão de libras quando fundou a Solo. Em cinco anos, seu patrimônio líquido se multiplicaria em relação ao valor inicial. De acordo com seus relatos, o JPMorgan Chase também desempenhou um papel fundamental para ajudá-lo a começar, porque foi o primeiro banco custodiante da empresa. Patrick Burton, porta-voz do banco com sede em Nova York, não quis comentar.
O esquema que Shah supostamente orquestrou foi audacioso. Um pequeno grupo de agentes no Reino Unido escreveu para a agência Skat entre 2012 e 2015, alegando representar centenas de entidades estrangeiras – como pequenos fundos de pensão dos EUA, além de empresas na Malásia e Luxemburgo – que haviam recebido dividendos de ações dinamarquesas e tinham direito a restituições de impostos. Satisfeitos com as provas que receberam, os dinamarqueses dizem que pagaram cerca de US$ 2 bilhões.
Casas de luxo
Mas a maior parte do dinheiro, dizem as autoridades, foi direto para os bolsos de Shah. Os agentes e as centenas de entidades estrangeiras eram meramente parte de uma elaborada teia que Shah havia criado junto com uma série de “transações falsas” confusas destinadas a gerar pedidos de restituição ilícitos, de acordo com a demanda apresentada pelo país nos tribunais do Reino Unido.
A partir de janeiro de 2014, mais de US$ 700 milhões supostamente foram depositados nas contas de Shah. Ele canalizou seu patrimônio em propriedades em Londres, Hong Kong, Dubai e Tóquio, disse Shah, acumulando um portfólio que ele avaliou em cerca de 70 milhões de libras. Ele comprou um iate de 11 metros por US$ 500 mil em 2014, que foi batizado de Solo, e depois investiu em um modelo de quase 19 metros de US$ 2 milhões, o Solo II.
Os advogados de Shah disseram no documento mais recente anexado ao processo em Londres no mês passado que a Solo – que foi colocada sob administração em 2016 – fornecia “serviços de compensação para clientes se envolverem em estratégias de negociação legais e legítimas que eram conduzidas em todos os momentos de acordo com a lei dinamarquesa”.
Eles disseram que a negociação de arbitragem de dividendos é amplamente conhecida e uma “estratégia de trading totalmente legítima”. Os advogados de Shah também contestam se a Dinamarca tem jurisdição para prosseguir com sua demanda nos tribunais ingleses.
Já se passaram cinco anos desde que Shah foi informado que enfrentava uma investigação criminal, quando a Agência Nacional Anticrime do Reino Unido fez uma busca nos escritórios da Solo após uma pista do diretor de compliance da empresa para as autoridades fiscais britânicas.
Um pouco entediado
Segundo Shah, seu advogado na época, Geoffrey Cox, lhe disse em 2015 que ele não tinha nada a temer e que tudo acabaria em pouco tempo. Cox, que se tornou procurador-geral do Reino Unido e desempenharia um papel fundamental durante as várias crises do Brexit no ano passado, não quis comentar.
No entanto, os problemas jurídicos de Shah estão apenas começando. Um gigantesco julgamento civil de três partes sobre as alegações da Skat contra Shah começará em Londres no próximo ano. As acusações também estão no foco de um grande processo civil dos EUA que mira outros participantes do suposto golpe.
As investigações criminais na Alemanha e na Dinamarca ainda estão em andamento. Embora Shah tenha dito que não foi contatado pela Autoridade de Conduta Financeira do Reino Unido, a agência disse em fevereiro que está investigando “negociações de ações abusivas significativas e suspeitas nos mercados de Londres” vinculadas a esquemas Cum-Ex. Um tribunal de Dubai rejeitou o processo da Dinamarca contra Shah em agosto, embora o país tenha recorrido da decisão.
De volta a Dubai, Shah disse que começa a ficar cansado da saga em andamento.
“Tem sido muito bom passar um tempo com os filhos e a família, mas agora onde estou, estou ficando entediado e farto”, disse Shah. “Já se passaram cinco anos. Não sei quanto tempo vai demorar para o assunto ser concluído.”