Thiago Veras: em terras tupiniquins, quem tem propósito é rei
Talvez um dos jargões mais utilizados nesta década dentro do contexto corporativo seja o tal do propósito de vida.
Como tudo que é hype, no início é legal e disruptivo, mas depois vai dando uma canseira…
Faz pouco mais de dez anos que ingressei na Natura, pelo famigerado programa de trainee.
Foram 20 mil pessoas concorrendo a 30 vagas, em um processo seletivo rigoroso e que tinha como principal filtro, de um lado, o propósito de vida dos candidatos e, do outro, os valores e a missão da empresa. O desafio era encontrar o “match” perfeito entre os dois lados da equação.
A cada etapa do processo na época, mais um filtro de cultura. Eles queriam saber sobre os meus setênios de vida, quem eu era no mundo, qual a relação com a minha família, meus anseios, e por aí vai.
Ao chegar à etapa final, sete meses após o início, o cansaço era o sentimento mais comum entre os aprovados. Mas era uma fadiga boa, daquelas que exaurem nossos questionamentos sobre quem nós somos no mundo.
Com muito toque de vanguarda e pioneirismo, a Natura começava ali a semear um modelo mental na forma de selecionar gente que me acompanha até hoje, inclusive aqui na Acta.
Desde então, entendi na prática que os valores e o propósito de uma companhia deveriam ser ponto de partida básico para qualquer processo de seleção.
O problema é quando um tema sai do hall da profundidade e passa a habitar o cômodo das superficialidades. Daquilo que é meramente modinha.
Escuto de muitos pares no mercado: o que te move? qual o seu propósito? Para aquele contexto em que eu estava inserido em 2009, no processo de escolha de um trainee, essas perguntas serviram como uma luva — jovens recém-formados, vindos de boas instituições, com necessidades psicológicas e de segurança básicas atendidas.
Mas se em alguns contextos a pergunta soa apropriada, em outros, ela pode ser bem perigosa. Em um país onde muitos não tem nem o que comer, o que move muitas vezes é a necessidade fisiológica mais básica e essencial de sobrevivência.
Quem é que pode empreender o propósito de forma genuína, sincera e autônoma hoje? Será que essa realmente é a pergunta que deveríamos fazer para boa parte das pessoas que convivem em nosso entorno? Menos é mais! “Bom dia” ou “como você está se sentindo?”, partindo de um lugar empático, já é o início de uma grande revolução dentro das instituições.
Aqui na Acta Holding, temos feito um trabalho profundo de carreira e desenvolvimento com os times. E o que mais tem me chamado a atenção é o fato de muitos jovens demandarem cuidados ainda na esfera de segurança. Do emprego, da moralidade, do bem-estar psicológico.
O propósito de vida, que estaria mais associado a uma esfera de realização, aparece menos nas conversas. E a minha provocação ao observar isso é que talvez a gente precise dar dois passos para trás e cuidar daquilo que é do campo fundamental para as pessoas: segurança no emprego, benefícios funcionando, um líder para orientar, um ambiente psicologicamente saudável.
Isso, sim, gera valor para os indivíduos e, consequentemente, para as organizações. Pelo menos é o que empiricamente observo na minha realidade.