The New York Times encerra 2022 superando metas de 2025: veículos no Brasil terão o mesmo êxito?
O ano de 2022 se encerra de forma positiva para o The New York Times, um dos jornais mais tradicionais e relevantes do mundo. A publicação atingiu, pela primeira vez em sua história, o marco de 10 milhões de assinaturas digitais – número que, em 2018, era esperado apenas para 2025.
O alcance das metas de assinaturas digitais com três anos de antecedência reforça a eficácia do modelo de paywall (‘muro de pagamento’, em tradução literal, que ocorre quando os leitores têm acesso a determinado conteúdo mediante à aquisição de uma assinatura) e de outras estratégias, como a aquisição do The Athletic, site de notícias esportivas, que foi firmada neste ano – naquela que é considerada a maior transação do NYT nos últimos 30 anos, orçada em US$ 550 milhões.
Mas afinal de contas, em um mundo tão conectado em que as notícias se disseminam com ampla velocidade por diversos meios, como o The New York Times conseguiu convencer o consumidor americano a pagar por seu conteúdo? É possível esperar um movimento similar no Brasil?
Números altos, porém nem tanto
Assim como no Brasil, os consumidores dos Estados Unidos são bombardeados por assinaturas por todos os lados. Streamings de música e vídeo, varejistas e até farmácias têm oferecido seus serviços (ou vantagens adicionais) em troca de uma remuneração mensal.
Mas, ao destrinchar o valor investido e cruzá-lo com o número de assinantes, percebe-se que o mercado de notícias performa muito abaixo dos demais.
O Sam’s Club, clube de compras do Wal Mart, não divulga oficialmente, mas especula-se que haja cerca de 40 milhões de assinantes e a assinatura anual parte de US$ 50. A Apple Music possui pouco mais de 28 milhões de assinantes americanos que pagam US$ 10,99 por mês.
O NYT comemora o alcance da meta de 10 milhões de assinantes, mas para ter acesso ao conteúdo do jornal, cada americano precisa desembolsar apenas US$ 10 por ano ou, caso prefira, US$ 1 por mês.
Para efeitos de comparação, uma garrafa de 2 litros de Coca Cola custa US$ 1,88 no Wal Mart. Já um combo Big Mac no McDonald’s custa pouco mais de US$ 7, o que faz com que uma refeição trivial, simplória e que provavelmente é consumida em menos de 30 minutos represente 70% de uma assinatura anual de um dos jornais mais conceituados do mundo.
Ganho de escala
A estratégia de aquisição de assinantes do NYT é baseada na escala: o valor por assinante é irrisório, mas ao se obter milhões deles, as contas se pagam e gera-se lucro para os acionistas.
Essa modalidade é arriscada e, de certa forma, prejudica a proposta de valor do produto como exemplificado acima: um jornal de mais de 170 anos de tradição, com prestígio mundial e lido por decisores das áreas de política, economia e negócios de todo o planeta chega aos smartphones, tablets e notebooks de seus leitores por pouco mais da metade do preço de uma garrafa de Coca Cola.
Por outro lado, essa estratégia garante a perenidade do NYT, sobretudo em tempos em que há tantos produtores de conteúdo e em que a informação se dissipa com velocidade – ainda que sem a curadoria que o jornal oferece e que a maior parte dos consumidores não leva em conta – afinal, se levasse, a assinatura seria mais cara e haveria mais assinantes.
Descolamento de receita por assinaturas e publicidade
Outro destaque dos números atingidos pelo NYT ao longo deste ano está na disparidade entre receita por assinaturas digitais e a alcançada por publicidade.
No terceiro trimestre de 2022, o jornal alcançou US$ 243 milhões em receitas de assinaturas exclusivamente digitais. A receita de publicidade digital foi de US$ 70 milhões e, ao se empilhar a publicidade impressa, chega-se a US$ 110 milhões.
É extremamente importante para empresas, cujo core business seja o veículo em si, que haja um grande descolamento em prol da venda de conteúdo em detrimento da receita de publicidade.
A independência editorial se amplia na mesma proporção: quanto menos um veículo depender de anunciantes (ou ainda pior, de poucos anunciantes) para manter sua operação, mais independente ele pode ser em suas apurações e denúncias.
Modelo Brasil
A obtenção de dados de assinaturas no Brasil é menos transparente que nos Estados Unidos.
Dados do IVC divulgados no começo deste ano apontaram O Globo à frente da Folha de São Paulo, com cerca de 305 mil assinantes. O número, ainda que defasado por não contemplar o período de Eleições, é muito mais tímido que os cerca de 19 milhões especulados para a Netflix por aqui – no mundo, são cerca de 223 milhões.
No entanto, as estratégias de aquisição de clientes para consumo digital também são agressivas.
O Estadão, por exemplo, oferece seu conteúdo por apenas R$ 4,90 nos três primeiros meses e R$ 9,90 nos seguintes.
Mas, caso o cliente opte pelo plano anual, o valor é de R$ 69,90 – o que equivale a cerca de R$ 5,80 por mês, menos que os R$ 6 cobrados por uma única edição na banca e valor insuficiente para uma viagem de ida e volta de metrô em São Paulo, onde a tarifa é de R$ 4,40.
Qual o futuro dos jornais no Brasil?
Ao se correlacionar o conteúdo entregue pelos jornais ao preço cobrado por eles, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, sabe-se que é um valor baixo.
O conhecimento lapidado pela curadoria de grandes jornalistas, somado à diversidade de conteúdo por editorias, é comercializado a um preço irrisório pelo simples fato de a sociedade não ver valor em pagar pela informação – sobretudo porque fomos acostumados a ler notícias de graça desde os primórdios da internet, o que torna o convencimento um trabalho hercúleo por parte dos publishers brasileiros.
No entanto, os baixos preços se fazem necessários não só do aspecto financeiro como do ganho de escala. Em uma era em que as fake news são criadas e disseminadas com facilidade, o respaldo de veículos sérios e comprometidos se torna necessário para que a sociedade possa buscar pela veracidade do fato ou, pelo menos, por uma segunda opinião.
A criação de planos ainda mais facilitados, com cobrança por matéria lida ou até mesmo por dia, com uma jornada simplificada de pagamento, deveria ser incentivada para que mais pessoas se sintam estimuladas em remunerar o jornalismo responsável e não assumam como verdade tudo o que chega até elas pelas redes sociais.
Esse também é o caminho para geração de mais caixa, que poderá continuar financiando as operações com o máximo de independência editorial.