Coluna do Carlos Lopes

Teto de gastos: Manter ou mudar?

18 out 2022, 16:57 - atualizado em 18 out 2022, 18:10
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Choque de realidade: teto de gastos obriga o Congresso “a discutir com frequência a realocação de recursos ou encarar as consequentes pressões do mercado ao se propor exceções”, lembra Carlos Lopes (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)

Entre infinitas discordâncias entre candidatos nesta eleição, há uma concordância, a que a regra do teto de gastos precisa ser substituída. Não faltam críticas ao modelo atual, que não apenas funcionou, como ajudou a dar ao país alguma estabilidade institucional durante a pandemia e manteve e mantém o tema de responsabilidade fiscal vivo.

Regras com desenhos melhores existem e podem ser implementadas, mas ao abrir espaço para a mudança será preciso muita cautela para evitar grandes estragos.

O teto de gastos, como ficou conhecido o mecanismo implementado pela Emenda Constitucional 95, em 2016, já está no seu 6º ano de vigência. Em seu texto, estipula uma duração de 20 anos para a regra, existindo uma possibilidade de revisão em 2026.

A regra determina que as despesas primárias (excluem pagamentos de juros) do governo, com algumas exceções, sejam limitadas ao valor do ano anterior, corrigidas pela inflação.

Essa limitação legal foi bastante contornada, em parte justificada pela excepcionalidade da pandemia, mas também pelas dificuldades políticas em segui-la de forma rigorosa. Duas alterações recentes importantes foram a PEC emergencial, que viabilizou o pagamento de auxílios e gastos relacionados a pandemia, e a PEC dos precatórios, após o governo ser surpreendido com a decisão judicial sobre o tema e com o volume de desembolsos a serem feitos.

Apesar de muitas exceções descaracterizarem a regra em certa medida, ela funcionou. Embora o Brasil tenha sido um dos países emergentes que mais gastou, em percentual do PIB, com medidas relacionadas à pandemia, a dívida subiu menos que a média dos países pares e os gastos discricionários se mantiveram praticamente estáveis em termos reais.

Os benefícios da regra não se restringem apenas aos números fiscais. Ela trouxe um ganho de estabilidade ao tornar a gestão fiscal mais previsível. Antes do teto, as incertezas sobre a dinâmica da dívida pública eram ainda maiores.

As metas de primário e as sinalizações do governo não eram suficientemente críveis para que o mercado confiasse em uma dinâmica de dívida sustentável. Agora, se o governo sinaliza que pretende respeitar o teto, os mercados têm uma boa referência para fazer suas projeções.

Outro objetivo alcançado da medida foi explicitar as restrições dos gastos públicos, obrigando o Congresso a discutir com frequência a realocação de recursos ou encarar as consequentes pressões do mercado ao se propor exceções. O constrangimento da regra, ainda que não tenha sido suficiente para evitar muitos contornos, tem funcionado para evitar cenários muito piores na gestão das contas públicas.

Teto de gastos: entre a oposição política e a tensão nos mercados

Apesar dos benefícios, no entanto, algumas limitações da regra do teto, como a baixa flexibilidade para acompanhar os ciclos econômicos ou grandes crises, tem elevado a oposição política à medida. A possibilidade de mudança, por sua vez, traz tensão aos mercados financeiros, que temem que a regra seja abandonada sem uma alternativa crível que a substitua.

Carlos Lopes, economista do BV, teto de gastos
“A flexibilização do orçamento deveria ser mais urgente que a alteração do teto, mas é politicamente muito mais difícil”, diz Lopes (Imagem: Divulgação/ BV)

Esse temor é ainda maior quando se observa que as sinalizações para o próximo ano são de um aumento substancial dos gastos públicos combinado com a possibilidade de redução de impostos.

Algumas alternativas já vêm sendo estudadas pelo governo. Em geral, permitindo algum aumento de gastos além do teto atual no curto prazo, mas estabelecendo regras para as despesas que variem conforme o ciclo econômico ou que tenham alguma relação com o nível de dívida em que o país se encontra. Com cláusulas de escape mais previsíveis ou mecanismos de ajuste, a expectativa é de que a nova regra seja mais aceita politicamente.

O problema maior para o cumprimento da regra, no entanto, não parece estar na regra em si, mas na rigidez do orçamento público. Como os gastos obrigatórios tomam quase a totalidade do orçamento, há pouca margem de manobra nos demais gastos, que acabam espremidos por qualquer limitação que se imponha aos gastos totais.

A flexibilização do orçamento deveria ser mais urgente que a alteração do teto, mas é politicamente muito mais difícil. Por ser improvável que consigamos atacar essa raiz do problema nos próximos anos, a gestão das contas públicas, ainda que sob uma nova regra mais bem desenhada, deve continuar a ser fonte de preocupação e descrença.

Pior ainda é a possiblidade de retrocessos ao se propor mudanças constitucionais. Quando se trata de mudanças estruturais no orçamento público, o fisiologismo político ganha força e as mudanças podem acabar agravando ainda mais o quadro de incertezas. Será preciso muita cautela do próximo governo para evitar que a nova regra faça o famigerado teto de gastos deixar saudades.

Carlos Lopes é economista no banco BV desde 2013 e já passou por instituições financeiras como Itaú BBA, Banco Fibra e WestLB. É formado pela Universidade de São Paulo e tem mestrado no Insper.

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