Tchau, gringos: Por que os investidores estrangeiros estão fugindo do Brasil
Definitivamente, 2024 não é o ano dos investidores estrangeiros no Brasil. Só no mercado financeiro, a debandada já resultou em mais de R$ 30 milhões em retiradas da B3 entre janeiro e outubro.
Os únicos meses com saldo positivo foram julho e agosto com R$ 7,34 bilhões e R$ 10,01 bilhões, respectivamente. Ou seja, o mercado brasileiro passou o primeiro semestre perdendo investidores de outros países, enquanto tenta se recuperar nos últimos meses do ano.
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Em relatório, os analistas da XP destacam que os investidores, especialmente os norte-americanos, estão menos interessados nas ações brasileiras.
O baixo interesse é acentuado pelo desempenho anual do iShares MSCI Brazil (EWZ), principal fundo de índice (ETF) brasileiro em Nova York, que caiu 18%, enquanto o índice S&P 500 e o ETF de mercados emergentes (EEM) registraram ganhos de 22% e 13%, respectivamente.
Além disso, fundos de ações focados na América Latina estão sendo reestruturados, com gestores migrando para centros como Londres e Ásia, que possuem maior proximidade com mercados emergentes dominantes (China, Índia e Taiwan).
Juros, fiscal e outros motivos que fazem os estrangeiros ficarem longe do mercado brasileiro
Entre os motivos que estão afastando os gringos da bolsa brasileira, os que mais pesam são a piora no cenário fiscal do governo e mudanças na curva de juros dos Estados Unidos.
No primeiro caso, a equipe econômica tenta convencer o mercado de que está comprometida com as metas do arcabouço fiscal e tamanho do orçamento de 2025.
Na segunda-feira (4), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que as medidas a serem anunciadas estão “muito avançadas” do ponto de vista técnico e afirmou acreditar ser possível apresentar as iniciativas ainda nesta semana.
Para André Schwartz, CEO do Banco Genial, há uma frustração do mercado em relação à expectativa de um plano revisado de gastos e uma disciplina fiscal mais rigorosa.
“Parte dessa pressão vem justamente dessa falta de clareza na política fiscal. Existe a percepção de um gasto além do previsto pelo governo central, e toda a agenda de ajustes que o ministro Haddad está tentando negociar com o presidente e sua equipe para implementar um plano de revisão de gastos ainda não se concretizou”, disse.
Já do lado dos Estados Unidos, as expectativas eram de que o afrouxamento monetário por parte do Federal Reserve teria início ainda no primeiro trimestre de 2024 — algo que só foi se concretizar no mês de setembro, devido ao elevado patamar da inflação e mercado de trabalho aquecido.
Vale lembrar que, quanto maior o diferencial entre as taxas de juros americanas e brasileiras, mais prêmio os investidores têm ao investir no Brasil — o que tende a atrair um maior fluxo de investimentos. Logo, as projeções de um ritmo mais lento de afrouxamento monetário lá nos EUA prejudicam esse fluxo.
Por outro lado, os juros altos podem afetar o valuation das bolsas americanas. Basicamente, juros altos elevam o custo de financiamento das empresas (fica mais caro tomar empréstimos para investir e expandir). As taxas elevadas também aumentam a chamada “taxa de desconto”, um fator usado para calcular o valor presente dos fluxos de caixa futuros das empresas. Ou seja, uma taxa de desconto mais alta reduz o valor estimado das empresas, fazendo com que pareçam menos atraentes.
Isso, somado aos múltiplos do S&P 500 próximos de suas máximas históricas, sugere que algumas ações nos EUA podem estar sobrevalorizadas. O efeito disso para o Brasil é indireto, mas pode ajudar a trazer estrangeiros para a bolsa: quando os investidores começam a ver os ativos americanos como caros e arriscados, podem buscar alternativas em mercados emergentes, como o Brasil, onde algumas ações ainda podem estar “descontadas”.
Gabriela Joubert, estrategista-chefe do Inter, destaca que isso fez com que os investidores reposicionassem suas expectativas, esperando juros mais altos nos EUA do que o anteriormente previsto. No entanto, o governo também precisa fazer a sua parte.
“Para voltarmos a atrair capital estrangeiro, o principal ponto é ajustar o fiscal no Brasil, permitindo a retomada de taxas mais normalizadas. Esse ajuste depende, em grande parte, do pacote de contenção de gastos prometido pelo governo, especialmente agora, em um momento oportuno, já que as eleições municipais acabaram e as presidenciais ainda estão distantes. É isso que o mercado está aguardando: uma sinalização clara de controle nas despesas públicas, o que poderia trazer alívio nos prêmios de risco locais”, afirma.
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Já Paula Zogbi, gerente de Research e head de conteúdo da Nomad, ressalta outros fatores que também impactam o fluxo de estrangeiros na B3. É o caso das eleições presidenciais americanas, na qual uma eventual vitória de Donald Trump implica em um maior protecionismo e resultando, potencialmente, em juros ainda mais altos.
As eleições americanas aconteceram, oficialmente, na terça-feira (5). No entanto, devido ao seu sistema eleitoral e método de contagem, o país ainda precisa de alguns dias para confirmar o resultado oficial.
Além disso, os anúncios mais contundentes de estímulos na China podem motivar uma rotação de fundos com mandato de mercados emergentes do Brasil para o país asiático. Com isso, uma parte da futura melhora da entrada de investimentos estrangeiros ficam por conta de fatores externos.
“Se os estímulos da China forem bem-sucedidos, isso poderá criar catalisadores positivos para as nossas ações, especialmente as ligadas a commodities. Além disso, o próprio ciclo de cortes de juros nos EUA tende a coincidir com um aumento no fluxo de capital estrangeiro para bolsas de países emergentes. Outro ponto relevante é a eleição americana: uma vitória de Kamala Harris, um cenário em que o Congresso não tenha uma onda vermelha com Trump ou, ainda, uma situação em que o protecionismo anunciado não se traduza em tarifas tão altas podem ser catalisadores para as ações brasileiras”, conclui.
Veja as empresas e setores mais afetados pela fuga de investidores estrangeiros
A saída dos investidores estrangeiros atingiu a bolsa brasileira como um todo. No entanto, Joubert, aponta que empresas do setor industrial, como Embraer (EMBR3) e WEG (WEGE3) têm se destacado, pois ambas possuem uma presença internacional significativa e vêm se beneficiando do atual cenário externo.
A XP destaca que também chamam a atenção as ações do Mercado Livre (MELI34) e Nubank (ROXO34), não apenas entre os investidores emergentes, mas também entre os fundos globais. Também são considerados atrativas as varejistas de vestuário, construtoras de baixa renda, industriais e bens de capital.
Por outro lado, grandes empresas com peso no Ibovespa (IBOV), como a Vale (VALE3) e a Petrobras (PETR4), são mais impactadas por variáveis internacionais, como o desempenho da economia chinesa para a Vale e as dinâmicas do Oriente Médio para a Petrobras.
Vale lembrar que as peso pesados da bolsa costumam puxar o índice para baixo devido à sua maior liquidez e influência no mercado.
“Essas variáveis afetam diretamente os preços das commodities e, consequentemente, os preços das ações dessas empresas. Portanto, mesmo com os desafios fiscais locais, companhias como Vale e Petrobras estão mais sujeitas a fatores externos do que ao cenário interno”, afirma a estrategista-chefe do Inter.
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Investimento direto cresce, mas abaixo dos anos anteriores
Paralelamente à fuga dos investidores do mercado financeiro, o Brasil registrou um fluxo de Investimento Direto no País (IDP) significativo: são US$ 56,4 bilhões de janeiro a setembro deste ano. Segundo os dados divulgados pelo Banco Central, o IDP acumulado em 12 meses totalizou US$ 70,7 bilhões (3,20% do PIB) no mês.
Esse montante representa um aumento em relação ao ano passado, quando foi registrado um saldo de US$ 49,9 bilhões no período. No entanto, está abaixo dos números vistos há dois anos: em setembro de 2022, o acumulado era de US$ 73,81 bilhões.
O IDP envolve o capital estrangeiro para investimentos em obras, indústria, negócios e empresas alocadas no país, entre outros. Esse tipo de investimento — comum em setores de energia, como petróleo, gás, mineração, energias renováveis, bancos e seguros — costuma estar relacionado com as projeções e expectativas econômicas de longo prazo.
“Esse incremento no IDP pode ser em parte explicado pelo dólar valorizado, o que torna os ativos brasileiros mais acessíveis aos investidores estrangeiros. No entanto, é importante observar que esses investimentos são reflexo de decisões passadas, como privatizações e concessões que foram incentivadas por novos marcos regulatórios. Durante o governo anterior, por exemplo, houve uma série de privatizações que atraíram compromissos de investimento de longo prazo”, afirma Schwartz.
O executivo destaca que as mudanças de governo e a incerteza sobre a continuidade das políticas públicas criam um ambiente de cautela para investimentos de longo prazo. Esse cenário é agravado pelo impacto de decisões políticas e pelo temor de que os planos de privatização ou concessão possam ser revertidas, o que reforça a percepção de insegurança jurídica.
“Apesar do investimento direto ter alcançado US$ 56 bilhões, esse valor ainda é relativamente pequeno para a economia brasileira. Esse patamar de investimento direto, em relação ao PIB, permanece aquém do necessário para impulsionar o crescimento econômico em larga escala”, completa.
A grama do vizinho é mais verde? Criptomoedas e bets atraem dinheiro de fora e de dentro
Se o investidor não está no Brasil, onde ele está? Levantamentos mostram que o mercado de criptomoedas e as apostas esportivas, também conhecidas como bets, estão recebendo uma parte do dinheiro que normalmente estaria alocado em investimentos tradicionais de renda variável e fixa.
E esse comportamento não é exclusivo dos estrangeiros — tem investidor brasileiro tirando dinheiro do país também. O Banco Central estima que os gastos de brasileiros com as criptomoedas somaram US$ 39,6 bilhões entre 2018 a 2023.
Em níveis globais, só o volume negociado do Bitcoin (BTC) entre janeiro e agosto soma US$ 2,8 trilhões, segundo a empresa de análise Kaiko.
“Nos últimos meses, o preço do Bitcoin saltou para cerca de US$ 70 mil, o que levou muitos investidores a direcionarem recursos para esse setor, retirando capital de mercados como o Brasil. Vimos também uma busca crescente por setores como o de apostas esportivas, que, junto com a desconfiança em relação ao gasto público e ao ambiente fiscal, contribuiu para saídas de capital.”, afirma Schwartz.