“Tão roubando a gente”: por que é importante estudar corrupção?
Por Renata Velloso, do Terraço Econômico
A frase em aspas do título desse artigo vem do Twiter do ex-deputado Eduardo Cunha. Ele estava se referindo ao juíz de um jogo do Flamengo, mas poderia, claro, ser aplicada também a sua própria atividade criminosa. Não foi o Eduardo Cunha (nem o PT) que inventou a corrupção. Na verdade essa é uma prática bem antiga. O código de Hamurabi de 1750 a.C. já tratava do tema. É inegável, porém, que a corrupção tem crescido não apenas no Brasil mas no mundo todo. Entender o problema, é um passo importante para tentar combatê-lo. Esse é o primeiro de uma série de três artigos que vou escrever sobre o assunto aqui no Terraço. Nesse primeiro vamos abordar qual a definição de corrupção, porque ela tem crescido tanto e como ela afeta o dia a dia da população. No segundo artigo vamos falar mais detalhadamente dos custos da corrupção para a economia e para os negócios e no último falaremos do que já existe de evidência sobre o que funciona para combater o problema.
Afinal o que é corrupção? Uma das definições mais aceitas é: corrupção é o abuso ou o mau uso do poder ou da confiança para benefício pessoal, ao invés de para as razões que esse poder ou essa confiança foram conferidos. Existem assim diversos tipos de atividades que podem ser consideradas corruptas, entre as mais comuns estão: recebimento ou pagamento de propinas, extorsão, roubo, apropriação indevida e nepotismo. Além dessas formas clássicas, existem também formas mais sutis de corrupção, como a influência indevida que pode ocorrer quando um político tomar determinadas ações não porque acredita que sejam de interesse público, mas para agradar grandes doadores da sua campanha.
Há um consenso entre os estudiosos do tema que o mundo vive uma epidemia de corrupção nos últimos 30-50 anos. Um artigo famoso sobre o assunto, de 1995 escrito pelo jornalista e cientista político venezuelano Moises Naim cunhou a expressão “Erupção de Corrupção” para explicar esse fenômeno. Atualmente existem 3 teorias para tentar explicar as razões para essa epidemia.
A primeira teoria é a das instituições fracas. Após a o fim da segunda guerra mundial o mundo passou por um processo importante de descolonização no qual antigas colônias européias, principalmente na África e na Ásia conquistaram a sua independência. Esse fenômeno acabou levando ao poder pessoas inexperientes que acabaram criando, em alguns casos propositadamente e em outros sem querer mesmo, instituições fracas e vulneráveis. O aumento da corrupção nesses locais acabou sendo uma consequência natural dessa fraqueza institucional.
A segunda teoria aponta para uma disseminação “viral” da corrupção decorrente da abertura do comércio exterior e da globalização das relações de trocas comerciais. Essa abertura comercial, que sem dúvida também trouxe muitos benefícios para as nações envolvidas, levou a criação de mercados negros, pagamento de fiscais de alfândegas, entre outras práticas ilegais. Empresas multinacionais com grande apetite de fazer negócios e ampliar seus mercados nem sempre estavam dispostas a respeitar as leis locais.
A última teoria aponta para os regimes autoritários que surgiram em diversas partes do mundo, notadamente na América Latina e no Leste Europeu. O poder absoluto, autoritário, é mais facilmente corrompido já que não há transparência ou controle externos dos atos dos políticos.
Como é o caso do Brasil, o fim desses regimes autoritários muitas vezes pode trazer a sensação de que o problema da corrupção aumentou. Isso normalmente não é verdade. O que ocorre é que nos regimes democráticos com imprensa livre e controle social é mais fácil as denúncias de práticas corruptas virem a tona.
É difícil afirmar com certeza qual dessas teorias é a mais precisa para explicar o aumento da corrupção. O mais provável é que todas estejam certas e esses fenômenos atuem concomitantemente, já que um não invalida o outro, pelo contrário, até reforça.
Mas como a corrupção afeta a nossa vida? Basicamente em todos os aspectos. Um relação comercial não corrupta é baseada no preço e na qualidade do produto ou serviço que está sendo oferecido, já numa relação corrupta o que define a escolha é a qualidade da propina que será paga. Isso não significa que ganha a licitação a empresa que oferece mais propina, mas sim um tipo de propina facilmente acessível aos políticos corruptos.
Vamos dar como exemplo a construção de uma escola (mas poderia ser um hospital, um estádio de futebol, uma refinaria de petróleo…e por ai vai). Em uma relação normal entre o governo e a empresa que irá construir ou administrar a escola, seria escolhida aquela empreiteira que prometesse entregar a melhor escola, pelo menor preço. Por outro lado, em uma relação corrupta a qualidade da escola ou o preço de construção não importam, ou importam bem menos. A empresa vencedora em uma relação corrupta será então aquela que promete o melhor benefício para o agente público que tem o poder de decisão. Esse benefício pode ser uma doação de dinheiro para campanha eleitoral, um apartamento na praia, um sítio para uso pessoal do agente público, depósitos em contas na Suíça, malas recheadas dinheiro, etc. Com isso, a população fica com uma escola mais cara e de pior qualidade, enquanto o agente público, ou seu partido, recebem o benefício.
Um governo corrupto não apenas escolhe mal as empresas que irão executar seus projetos como também escolhe mal os projetos que serão executados, já que a prioridade não são os interesses da população e sim os dos políticos ou seus partidos. É por isso que temos tantas pontes que ligam nada a lugar nenhum sendo construídas, estádios enormes em locais que não há torcida, entre outros elefantes brancos que conhecemos bem.
Além disso, as relações corruptas tendem a criar monopólios ou pelo menos reduzir drasticamente a competição entre as empresas. Os agente corruptos não estabelecem relações com todas as empresas, são poucas aquelas corruptas que eles “confiam”. Afinal nunca se sabe quando um empresário pode ser pego e delatar todo o esquema. A teoria economia é clara em demonstrar que toda vez que a competição diminui a oferta cai e com isso o preço naturalmente aumenta. Em cima de tudo isso, a corrupção ainda reduz a arrecadação de impostos. Como a maior parte do pagamento de propinas é feito de forma escondida ele reduz a base tributária, o que leva a mais perdas ainda para a população.
Por todos esses motivos levantados a corrupção, ao contrário do que alguns querem fazer parecer, não é um crime menor, pelo contrário é um crime gravíssimo que pode inclusive levar a morte de muitas pessoas, seja diretamente, quando por exemplo uma passarela construída em uma relação corrupta desaba ou quando os equipamentos de um hospital não funcionam ou indiretamente uma vez que mais corrupção significa mais pobreza, menos empregos, menos educação, enfim piora a vida da população em todos os aspectos, sendo que, como sempre, a população mais vulnerável é aquela que sofre mais.
Renata K. Velloso
Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia
Referências
Essa série de artigos é baseada no curso Corruption, ministrado pelo professor Philip Nichols da Universidade da Pensilvânia oferecido gratuitamente através do Coursera.
https://www.coursera.org/learn/wharton-corruption/home/welcome
http://carnegieendowment.org/1995/06/01/corruption-eruption-pub-648