Suspensão imediata do CAR em caso de desmatamento ilegal: Solução ou insegurança jurídica?
![Desmatamento car (1)](https://www.moneytimes.com.br/uploads/2025/02/desmatamento-car-1.jpg)
A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 743 foi uma ação ingressada em 2020 pelos partidos Rede Sustentabilidade e Partido Socialista Liberdade (PSOL) no Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de garantir o direito constitucional de preservação do meio ambiente equilibrado para todos, em razão do aumento dos incêndios florestais, especialmente biomas Pantanal e Amazônia, e da taxa de desmatamento, atribuídos à omissão de ações por parte do Governo Federal da época.
Dentre seus pedidos, em caráter liminar, os autores pleitearam, por exemplo: intensificação da fiscalização e combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia; retomada imediata da elaboração e implementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e suspensão das autorizações de supressão legal.
Mas, em dezembro de 2024, os autores também solicitaram que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) seja expressamente autorizado a suspender imediatamente os Cadastro Ambientais (CAR) de propriedades rurais que seja identificado desmatamento ilegal, conforme apontado pelos sistemas PRODES e DETER. Dessa forma, o Ministro relator, Flávio Dino, determinou que a União se manifeste na questão.
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Limitações do PRODES e DETER
Inicialmente, a suspensão do CAR com base exclusivamente no PRODES e DETER é limitada e apresenta gargalos. O PRODES e DETER são sistemas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) para o monitoramento do desmatamento na Amazônia e Cerrado.
Entretanto, esses sistemas se baseiam exclusivamente nas imagens de satélite apontando áreas de desmatamento bruto para gerar alertas. Com isso, esses sistemas não têm a capacidade e não foram desenvolvidos para identificar se as áreas convertidas legalmente ou não, e se já estão sendo alvo de processos de regularização ambiental (PRA), como compensação ou regeneração.
Para esses casos deve haver necessariamente análise conjunta e cruzada com outros instrumentos do Código Florestal, como o CAR e Termo de Compromisso.
Desmatamento ilegal e processo administrativo ambiental
O pedido de suspensão imediata do CAR pelo MMA pode conflitar com o ordenamento vigente de processo administrativo de infrações ambientais e o direito de ampla defesa – isto é, possibilidade do exercício de contraditar ou oferecer provas, alegar fatos e interpor recursos contra decisões.
Apesar do PRODES realizar análise anuais e o DETER monitoramento em tempo real, ambos auxiliam na fiscalização dos biomas Amazônia e Cerrado, fornecendo dados técnicos para processos de infrações administrativas dos órgãos estaduais e federal em casos de desmatamento.
Ou seja, eles complementam um conjunto probatório mais amplo dentro de um processo de infração de desmate ilegal, resultando em multa, embargo de área, suspensão de atividade etc. Não podem, por si sós, embasar a aplicação de penalidades para o desmatamento, como a suspensão imediata do CAR.
Suspensão do CAR como punição de desmatamento ilegal?
Outro ponto a ser analisado no pedido da ADPF é a possibilidade do próprio ato de suspensão do CAR. Quanto ao CAR suspenso, essa situação foi estabelecida pela Resolução 3/2018 do IBAMA. O CAR pode ficar suspenso no caso de decisão judicial ou administrativa devidamente justificada. Ou seja, há necessidade de um processo que garanta o direito à ampla defesa e ao contraditório, justificando a suspensão, caso necessária.
Aqui, aplica-se a mesma lógica da situação de demonstrativo do CAR cancelado ou pendente, também, previstos em normas do IBAMA. Isto é, trata-se de uma punição no caso de não retificação e/ou conformidade dos dados do CAR, após notificações da autoridade pública, exclusivamente dentro processo de inscrição e validação das informações do cadastro – não é punição para o ato infracional de desmate.
O desmatamento ilegal é objeto de infração administrativa no Decreto Federal 6.514/2008. Seus artigos tipificam a conduta de desmatamento sem autorização, tanto de APP, RL e outras formas florestais, como infração ambiental passível de multa nos valores de mil a dez mil reais por hectare. Esses valores podem variar de acordo com a norma estadual em questão.
Dependendo da gravidade do desmatamento e do risco de reincidência, o agente público pode impor outras medidas de ofício, como embargo das áreas, apreensão de maquinário e suspensão das atividades ou da venda de produtos florestais. Essas medidas ocorrem no escopo do processo administrativo, garantindo ao autuado o direito à ampla defesa.
Já a Lei de Crimes Ambientais tipifica o desmatamento ilegal como crime. Esta lei estabelece como crime ambiental a destruição de florestas, APP, RL e Unidades de Conservação, com punição de detenção.
Com isso, percebe-se que a suspensão do CAR não é sanção prevista para o tipo infracional/criminal de desmatamento ilegal tanto na Lei de Crimes, quanto no Decreto Federal 6.514/2008. Essa suspensão só ocorre no processo de inscrição e validação das informações do CAR, buscando exclusivamente as retificações dos dados no sistema – não busca a regularização de desmatamento ilegal.
Consequências da suspensão injustificada do CAR
A suspensão injustificada do CAR pode resultar em sérios danos econômicos e legais para os produtores. O CAR já é requisito obrigatório para diversas atividades agropecuárias que extrapolam o escopo do Código Florestal.
De acordo com o Código Florestal, o CAR é obrigatório para concessão de crédito rural. Assim, o Banco Central, por meio da Resolução CMN 5.081/2023, alterou dispositivos do Manual de Crédito Rural e não concede mais crédito aos empreendimentos situados em imóveis não inscritos no CAR ou com status cancelado ou suspenso desde 2023.
A suspensão desses cadastros pode inviabilizar economicamente a produção rural, algo que também impacta negativamente a agenda de reparação florestal. A falta desses recursos pode dificultar investimentos nos Programas de Regularização Ambiental (PRA) do Código Florestal. Os projetos de reparação (recomposição ou compensação) envolvem custos para o produtor, e, sem uma propriedade economicamente viável, levará à paralisação desses programas e comprometerá a agenda florestal do país.
O produtor também não terá a alternativa de pagamento por serviços ambientais (PSA) para financiar a reparação florestal. A Lei de PSA (Lei Federal 14.119/2021) permite o uso de recursos em áreas de RL e APP para reparação – ou seja, o PSA tem potencial para custear os PRAs. Mas, a lei exige a devida inscrição do imóvel no CAR para que esses benefícios possam ser aplicados.
Portanto, a sua suspensão também bloquearia os produtores de acessarem mecanismos de mercado. Haveria inviabilidade econômica de vários imóveis e paralisação/impedimento de reparação florestal, gerando um grande passivo de multas que não serão pagas.
Conclusões
A suspensão imediata do CAR tem potencial de gerar grave insegurança jurídica no campo, bloqueando economicamente de forma injustificada produtores que já possam estar em processo de regularização ambiental, uma vez que PRODES e DETER são sistemas de monitoramento de desmatamento bruto e não conseguem identificar situações em que já estão sendo utilizados instrumentos de reparação florestal, como a recomposição e a compensação.
Vale lembrar que, de ofício, a Lei já permite que as autoridades públicas embarguem a área desmatada e processem criminalmente e/ou administrativamente os infratores. As normas vigentes já fornecem os instrumentos jurídicos de poder de polícia para punir o desmatamento.
Dessa forma, o STF precisa endereçar a questão levando em consideração os gargalos do PRODES e do DETER, bem como as alternativas já existentes para combater o desmatamento ilegal. A suspensão do CAR somente pode ocorrer na validação dos dados do CAR, mediante incerteza das informações, mas precedido de notificação prévia. Uma vez as informações retificadas, esse CAR deve ser liberado novamente.
A suspenção do CAR não está prevista em Lei para punir o desmatamento ilegal.