Suspensão de dívidas do Rio Grande do Sul irá pressionar as contas públicas?
Na noite de segunda-feira (13), o governo federal anunciou o envio de um Projeto de Lei complementar que autoriza a suspensão da dívida do Rio Grande do Sul por 36 meses e redução de juros à taxa a 0% durante o período. Agora, o projeto segue para o Legislativo em busca de aprovação.
A dívida surge em meio ao estado de calamidade pública que atinge 336 municípios do RS. De acordo com a Defesa Civil do Estado, já são 149 mortes confirmadas, 538.245 desalojados e 2.131.968 pessoas afetadas pelas recentes enchentes, cujos efeitos ainda devem perdurar por mais tempo.
A dívida estadual soma R$ 104 bilhões. Só com a União até abril deste ano, segundo o Ministério da Fazenda, ela chegava a R$ 95,7 bilhões, em pagamentos de aproximadamente R$ 234 milhões por mês.
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Fernando Haddad, atual ministro da Fazenda, também afirmou que os projetos de ajuda econômica ao Estado preveem a liberação de R$ 23 bilhões para o caixa do Rio Grande do Sul, com a liberação das parcelas a pagar e o não-cobramento dos juros da dívida.
Para o cumprimento do proposto, o Rio Grande do Sul deverá realocar o dinheiro que deveria ser pago à União a projetos de reestruturação do Estado após os danos causados pela calamidade pública, além de detalhar ao Ministério da Fazenda um plano de investimentos com projetos e ações no prazo de 60 dias.
Entenda o histórico das dívidas
Segundo levantamento da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), o RS está atrás de São Paulo, com dívida de R$ 293,5 bilhões com a União, Rio de Janeiro (R$ 166,1 bilhões) e Minas Gerais (R$ 154,9 bilhões).
Ela também não é atual, remontando à 1990, quando o valor era de R$ 7,7 bilhões. Durante os 34 anos, a forma de pagar foi alterada, com indicações de correção mudando e uma suspensão temporária surgindo entre 2015 e 2017.
Em 2017, foi institucionalizado o Regime de Recuperação Fiscal (RPF), prevendo flexibilização de regras fiscais, concessões de operações de crédito e possibilidade de suspensão de dívida. Fazem parte do Regime o Rio de Janeiro, Goiás e o próprio estado gaúcho.
Apesar disso, os parceiros desejam flexibilizar alguns pontos, como o teto de gastos, e taxas de juros menores nos contratos da dívida.
Como a suspensão afeta a economia brasileira?
André Colares, CEO da Smart House Investments, afirma que a suspensão pode afetar as contas públicas e os gastos orçamentais, à medida que o governo federal terá que lidar com a ausência dos pagamentos do governo estadual em seu fluxo de caixa.
Ele complementa que a situação também implica no aumento da pressão fiscal sobre o governo federal, com a percepção de um risco fiscal elevando investidores a exigir maiores prêmios de risco e afetando as taxas de juros futuras.
“Além disso, a medida pode criar um precedente para que outros estados endividados busquem soluções similares, aumentando ainda mais a pressão sobre as contas públicas e potencialmente elevando os juros para compensar o risco fiscal percebido”, complementa.
Colares reitera que deve haver uma gestão cuidadosa dos recursos para evitar uma escalada de pedidos de suspensão de dívidas, o que poderia resultar em uma crise de confiança no mercado e afetar a percepção de risco do Brasil.
Ele também complementa com as visões sobre a inflação brasileira, com as expectativas inflacionárias e a política monetária do Banco Central (BC) sendo alteradas.
“Se o mercado interpretar essas medidas como sinais de flexibilização fiscal excessiva, pode haver um aumento nas expectativas de inflação, forçando o Banco Central a manter ou até aumentar as taxas de juros para controlar a inflação, afetando negativamente o custo do crédito e o crescimento econômico”, afirma.
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Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike, aponta que o descasamento entre um momento de procura e demanda por muitos produtos e uma queda na produção, pela paralisação nas indústrias locais do Rio Grande do Sul, geram uma maior inflação e estimulam renda fixa maior.
Ele explica que “nos últimos dias, a renda fixa já vinha ganhando força por conta da dificuldade de controle de inflação nos Estados Unidos e uma situação de ajuste fiscal no Brasil, trazendo uma Selic terminal para 9,75% ou 10%.
“É isso que realmente vem influenciando hoje uma renda fixa mais bem remunerada, mas a situação do RS acaba sendo um fator a mais no meio disso tudo”, finaliza.
Governo federal também prevê ajudas ao estado
Até esta segunda, 137 municípios do Rio Grande do Sul haviam solicitado recursos federais em medidas de enfrentamento às recentes chuvas.
O Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, em relatório assinado por Fernando Honorato Barbosa, afirma que os recursos destinados ao RS não serão contabilizados dentro da meta de resultados primário de 2024, apontando também que, dentro do arcabouço fiscal, a abertura de créditos extraordinários não é computada no limite das despesas.
“Ao todo e até agora, o governo tem estimado cerca de R$ 5,5 bilhões para estes fins. A depender da evolução da apuração dos prejuízos, acreditamos que essa estimativa possa ser revista”, finaliza o relatório.
Para Eyng, a ajuda do governo federal ao estado não deve gerar transtornos às contas públicas no médio e longo prazo, pois poderá ser possível recorrer a nomes como BNDES, Banco do Brasil (BBAS3) e Caixa Econômica. Para ele, entretanto, o que é destaque são as empresas diretamente afetadas pela situação atual, como as do agronegócio, setor destaque no sul.
Já Fabio Murad, sócio da Ipê Investimentos, acredita que a assistência pode impactar nas contas públicas, com o aumento dos gastos governamentais e geração de déficit orçamentário maior do que o previsto, dependendo da magnitude da ajuda.
Ele também aponta que as curvas de juros podem ser influenciadas. “Primeiramente, se o governo precisar emitir dívida para financiar a assistência, isso pode ocasionar um aumento nas taxas de juros, à medida que busca atrair investidores para adquirir essa dívida”.
“Em segundo lugar, se a assistência resultar em aumento dos gastos e da inflação, o Banco Central poderá elevar as taxas de juros para controlar a inflação”, finaliza.