Suitability é coisa de vendedor
Luiz Augusto Pacheco é sócio da Inva Capital. Texto originalmente publicado em Plano de Voo.
Na Austrália, se você quer ser um financial advisor/consultor financeiro, você é obrigado a seguir o padrão fiduciário. Isto é, colocar o interesse dos seus clientes a frente dos seus. Lá, os financial advisors também não podem receber comissão, nem aceitar rebates.
Nos EUA, as coisas parecem caminhar para a mesma direção e os financial advisors terão que seguir o padrão fiduciário em algum momento.
Aqui no Brasil, isso nem é discutido. Aqui, o suitability é quem manda. Suitability foi feito para vendedores. Se o produto e o perfil do cliente são o mesmo, pronto! Venda feita, sem maiores problemas.
Gerentes de banco e agentes autônomos tiram o CFP (cuja prova no Brasil parece mais um concurso do que algo para saber se você consegue mesmo ajudar as pessoas) apenas por marketing. Afinal, dificilmente algum deles faz realmente um planejamento financeiro ou segue o código de ética da Planejar (responsável pela certificação no Brasil).
A grande maioria não passa nem do primeiro princípio:
Princípio 1 – Cliente em Primeiro Lugar
Colocar os interesses do cliente em primeiro lugar.
É marca característica de profissionalismo do planejador financeiro CFP® colocar os interesses do cliente em primeiro lugar, agindo de forma honesta e não colocando ganhos ou vantagens pessoais acima dos interesses do cliente.
É difícil seguir esse princípio se as contas do mês precisam de mais uma venda (e a respectiva comissão) para serem pagas. Quem sabe ele repasse uma taxa menor na renda fixa para receber uma comissão maior? Ou faça um trade desnecessário para gerar corretagem? Ou coloque o seu dinheiro num CDB com liquidez no último dia do mês para bater a meta? Sim, essas coisas acontecem.
Os princípios 2 e 3 têm uma palavra que coloca o suitability por água abaixo:
Princípio 2 – Integridade
Fornecer serviços profissionais com integridade.
O Profissional CFP® ocupa uma posição de confiança dos clientes e a fonte primordial dessa confiança é a honestidade, isenção e transparênciado profissional de planejamento financeiro pessoal. Mantendo a integridade acima de tudo, o Profissional CFP® deve considerar diferenças legítimas de opinião.
Princípio 3 – Objetividade
Fornecer serviços profissionais de forma objetiva.
O Profissional CFP® deve buscar atender as necessidades e objetivos do cliente dentro do escopo do serviço acordado, de forma pragmática, isenta, clara e transparente.
Alguma vez você escutou seu gerente de banco ou agente autônomo dizer algo assim: “Vamos investir nesse fundo X? Caso você concorde, eu receberei y% da taxa de administração dele enquanto seu dinheiro estiver lá.” Não? Pois bem, se ele tem o CFP, ele não cumpriu o código de ética. Não está convencido com a palavra transparente? Vamos ao princípio 4:
Princípio 4 – Probidade
Ser justo e imparcial nos relacionamentos profissionais.
A probidade exige do Profissional CFP® manter com os clientes uma relação profissional íntegra, revelando e gerenciando possíveis conflitos de interesse. Envolve compatibilizar os próprios sentimentos, preconceitos e desejos, de forma a alcançar um equilíbrio entre os interesses conflitantes. A probidade é tratar os outros da mesma maneira que gostaríamos de ser tratados.
O fundo X que foi oferecido acima faz realmente sentido no seu portfólio? Ou ele foi oferecido porque paga uma boa comissão? Se não houver transparência, você não consegue saber se há conflito de interesse na recomendação.O Código de Ética ainda tem mais 4 princípios. Sugiro que você leia todos.
Depois dos Princípios, começam as regras. Elas servem para deixar os Princípios mais claros. Vejamos algumas:
Regra 202
O Profissional CFP® não deverá omitir a clientes ou terceiros os potenciais benefícios gerados em proveito próprio pelos serviços prestados.
Regra 204
O Profissional CFP® deverá assegurar que suas preferências ou interesses pessoais não afetem de forma adversa os serviços prestados ao cliente.
Regra 301
O Profissional CFP® deverá comunicar todos os fatos relevantes, sempre que necessário, para evitar que clientes ou partes relacionadas sejam induzidos a erros ou enganos.
Bastante claro, não?