STF julga ação que pode tirar R$ 5,6 bi por ano de varejistas e elevar nível dos preços; entenda
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na sexta-feira (31) o julgamento de uma ação que pode não apenas retirar R$ 5,6 bilhões por ano do caixa das 10 principais varejistas do país, como também elevar o custo de produtos essenciais.
Trata-se da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, referente à cobrança de ICMS na transferência de mercadorias, de um estado para o outro, entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
É a quinta vez que os ministros da Corte tentam chegar a uma decisão. No momento, a votação está empatada (4×4) e o julgamento está previsto para terminar em 12 de abril.
O que está em jogo?
Em abril de 2021, o plenário da Corte decidiu, de forma unânime, que o simples deslocamento de produtos entre filiais de uma mesma companhia não implicaria a cobrança de ICMS — mesmo em operações interestaduais.
No entanto, a decisão que a princípio parecia beneficiar as empresas levantou dúvidas sobre a manutenção dos créditos do imposto estadual nos casos em que a mercadoria é transportada para outro estado.
Como o ICMS é um tributo não cumulativo, a questão do crédito é fundamental para a cadeia produtiva, uma vez que o imposto pago por uma empresa em uma etapa da cadeia se torna crédito para a etapa seguinte.
Caso o Supremo entenda que o crédito não poderá ser usado em transferências interestaduais, isso representará uma perda de R$ 5,6 bilhões em créditos tributários por ano para as 10 maiores varejistas do Brasil, segundo um parecer da Tendências Consultoria Integrada.
Entre as empresas apresentadas no estudo estão: Americanas (AMER3), Carrefour (CRFB3), Grupo Mateus (GMAT3), Guararapes (GUAR3), Lojas Renner (LREN3), Magazine Luiza (MGLU3), Pão de Açúcar (PCAR3), Raia Drogasil (RADL3) e Via Varejo (VIIA3).
Além do impacto no setor de varejo, outro estudo da Viva Lácteos apontou que a não manutenção do crédito do ICMS vai resultar em um aumento generalizado no nível dos preços.
Segundo o estudo, as empresas vão precisar repassar o custo para o consumidor final. No caso do leite, por exemplo, a alíquota do imposto estadual vai subir, em média, de 2,90% para 12,50%.
Os votos
O relator da matéria, ministro Edson Fachin, propõe a produção de efeitos da decisão “pro futuro”, a partir “do próximo exercício financeiro (2023)”, e que os estados possam disciplinar a transferência de créditos.
Além disso, ele estabelece que, exaurido o prazo para os estados regularem o uso crédito, fica reconhecido o direito dos contribuintes de os transferir.
Fachin foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.
O voto do ministro Dias Toffoli, por sua vez, propõe que a decisão produza efeitos “pro futuro”, 18 meses após a data de publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração. E que a transferência de créditos seja regulamentada por lei complementar.
Toffoli foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Nunes Marques.
Segundo Heleno Torres, professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP, o voto de Fachin é mais favorável ao setor de varejo, uma vez que:
- Por modular os efeitos da decisão para o exercício financeiro seguinte (2023), e não apenas para 18 (dezoito) meses após a publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração. Isto é, pelo voto do relator, a eficácia da decisão do STF, que é favorável aos contribuintes, iniciar-se-ia antes, passaria a valer antes.
- Porque o voto do ministro relator reconhece o direito dos contribuintes à transferência dos créditos nas operações de circulação de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Conquanto afirme a possibilidade de os Estados-membros disciplinarem a matéria, o voto do ministro Edson Fachin é expresso assegurar que, na hipótese de o Estado-membro não disciplinar o assunto no prazo, fica reconhecido o direito dos contribuintes de transferirem os créditos.
- Por outro lado, o voto do ministro Dias Toffoli, além de não trazer este reconhecimento expresso, condiciona o direito dos contribuintes de transferirem os créditos à edição de legislação pelo Estado-membro e, ainda, por meio de lei complementar, que é espécie legislativa que demanda um quórum mais qualificado para ser aprovada. Isto tudo dificulta o exercício do direito de transferência de créditos pelos contribuintes.