Vacinas

“Sommeliers” de vacinas atrapalham campanha de imunização contra Covid no Brasil

09 jul 2021, 11:57 - atualizado em 09 jul 2021, 11:57
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Escolher vacinas é um gesto de ignorância e falta de compromisso com a saúde pública (Imagem: REUTERS/Ricardo Moraes)

“Qual é a vacina que estão aplicando?”, perguntavam diversas pessoas na fila de um posto de vacinação, em Copacabana, aos que deixavam o local após receber sua injeção.

País onde morrem mais pessoas por Covid-19 a cada dia, o Brasil tem enfrentando um novo desafio em sua luta para combater a doença: milhares de pessoas que têm escolhido a marca preferida de vacina, tanto deixando de receber o imunizante no momento designado, quanto tomando mais de uma vacina diferente.

Os chamados “sommeliers de vacina” que também atuam em grupos de WhatsApp trocando informações sobre onde sua vacina preferida está disponível têm afetado o andamento de uma campanha de vacinação que demorou a engrenar e registra até o momento apenas 18% da população acima de 18 anos totalmente imunizada contra o coronavírus, em um país com quase 530 mil mortos por Covid-19 e responsável por uma de cada cinco mortes pela doença no mundo diariamente.

Segundo a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a maioria dos episódios de escolha de vacinas envolve pessoas que rejeitam a CoronaVac e, em menor escala, a vacina Oxford-AstraZeneca que juntas representam quase 90% de todas as doses aplicadas no país até o momento em busca de receberem as vacinas da Pfizer e da Johnson & Johnson.

“Grande parte acha que a vacina CoronaVac não funcionou, mas também existe uma questão de viagem, porque com essas vacinas não se pode entrar no Estados Unidos e na Europa“, disse Mônica Levi, presidente da Comissão de Revisão de Calendários de Vacinação da SBIm, citando também preocupações com possíveis efeitos colaterais e temores com os riscos de coágulos ainda que raríssimos da vacina da AstraZeneca.

Por considerarem que a escolha de vacinas acaba impactando a velocidade da campanha de vacinação contra a Covid-19, várias cidades do país em Estados que vão de Santa Catarina ao Tocantins, passando por Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul decidiram cadastrar aqueles que se recusavam a vacinar com determinado imunizantes e colocá-los no final da fila da campanha de vacinação.

A medida foi formalmente recomendado pela Secretaria de Saúde de Tocantins a todos os municípios do Estado. Também foi adotada por prefeituras do Estado de São Paulo e, de acordo com o governo de São Bernardo do Campo, na região metropolitana da capital paulista, a decisão de colocar no final da fila quem escolhe imunizante já deu resultado, com uma queda expressiva no número de pessoas que recusam o imunizante por causa da marca.

“Escolher vacinas é um gesto de ignorância e falta de compromisso com a saúde pública”, disse o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, à Reuters, por meio da assessoria de imprensa do instituto. Procurada, a AstraZeneca não respondeu de imediato a um pedido de comentário.

Desenvolvida pela chinesa Sinovac e envasada no Brasil pelo Instituto Butantan, a CoronaVac teve eficácia de 50,38% nos testes clínicos de Fase 3, em comparação com 76% da vacina Oxford-AstraZeneca e 95% do imunizante da Pfizer.

No entanto, quando utilizadas na população em geral, todas as vacinas têm atingido o mesmo resultado em reduzir as internações e as mortes por Covid-19, de acordo com estudos recentes e especialistas que acompanham o cenário epidemiológico da pandemia.

“A CoronaVac é uma vacina que tem uma eficácia menor em termos de evitar caso leve, mas em termos de reduzir hospitalização e óbitos ela é muito boa. É uma vacina arroz com feijão, que para quem esta morrendo de fome é tudo que a gente precisa”, disse Alexandre Naime Barbosa, chefe da infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

“Quando você olha para o que realmente interessa, o que mais importa é reduzir o número de hospitalizações e óbitos, e para esse desfecho todas as vacinas que nós temos no Brasil têm uma efetividade muito alta”, acrescentou.

A efetividade da CoronaVac foi comprovada em estudo feito pelo Butantan entre fevereiro e abril em Serrana, no interior de São Paulo, em que 95% da população adulta da cidade foi vacinada com o imunizante e, de acordo com os dados divulgados pelo instituto, as mortes foram reduzidas em 95%, ao passo que a queda nas internações de Covid-19 foi de 86%, e a redução no registro de casos sintomáticos da doença foi de 80%.

Vacina mais aplicada nos mais idosos, uma vez que foi a primeira disponível no país, a CoronaVac também foi decisiva para reduzir a mortalidade de pacientes com mais de 60 anos por Covid. Segundo dados coletados pelo Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), as mortes por Covid nesse grupo etário recuaram de 81,4% do total no começo do ano para 49,7% no começo de junho.

Apesar dos resultados comprovados, a CoronaVac tem sido frequentemente atacada pelo presidente Jair Bolsonaro, que disse recentemente que a vacina “não deu certo”. Rival do governador de São Paulo, João Doria, cujo governo é responsável pelo Butantan, Bolsonaro chegou a vetar a compra da CoronaVac pelo Ministério da Saúde no ano passado.

Além das pessoas que se recusam a tomar a vacina no dia designado se não for aquela da sua preferência, há muitos casos relatados pelas autoridades de pessoas que estão tomando uma terceira dose dos imunizantes para receber uma vacina diferente daquele aplicada originalmente.

No Rio de Janeiro, a prefeitura pediu à polícia e ao Ministério Público que investiguem os casos.

“O Brasil criou uma figura única e exclusiva no mundo, o sommelier de vacina, que está preocupado em viajar”, disse Naime, da Unesp. “Falta empatia às pessoas, um egoísmo enorme, a própria pessoa está correndo risco e acaba colocando todo o sistema em perigo.”

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