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Soluções de blockchain podem ter sucesso sem apoio legislativo?

01 fev 2020, 17:00 - atualizado em 01 fev 2020, 19:03
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A tecnologia de blockchain tem o potencial de tumultuar uma ampla gama de setores e indústrias. No entanto, a inação ou ignorância dos legisladores pode estragar essas iniciativas (Imagem: Freepik)

Apesar de ser verdade que a tecnologia de blockchain permitiu que inovadores criassem soluções antes impossíveis ou improváveis, existe o receio de que essas inovações não consigam atingir seu potencial máximo se não forem reconhecidas juridicamente.

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Contratos inteligentes precisam de reconhecimento jurídico?

O termo “contrato inteligente” foi cunhado pelo criptógrafo Nick Szabo em 1996, em seu artigo intitulado “Contratos Inteligentes: Construindo Blocos para Mercados Digitais”.

Ele definiu contratos inteligentes como “um conjunto de promessas, especificadas em formato digital, incluindo protocolos nos quais as partes realizam essas promessas”.

Com o lançamento da rede Ethereum em 2015, a tecnologia de contratos inteligentes se tornou uma realidade e estava disponível imediatamente à comunidade do blockchain.

Usando as ferramentas nativas à rede, pessoas conseguiam criar acordos com dados complexos anexados a eles. Esses acordos eram autocumpridos ao serem iniciados assim como Szabo anteviu há duas décadas.

Nos últimos anos, plataformas de computação que oferecem capacidades de contratos inteligentes fizeram alguns progressos além da comunidade cripto de nicho; o número crescente de projetos como NEO, EOS e Cardano trabalham para criar soluções de contratos inteligentes.

Contratos inteligentes ficaram populares porque trazem vários benefícios inerentes. Para empresas, reduzem custos operacionais enquanto aumentam a velocidade de execução.

O custo diminui porque existe uma necessidade reduzida de intermediários enquanto a velocidade influenciada pelo fato de que etapas que consumem tempo e são associadas a intermediários também é reduzida.

Além disso, contratos inteligentes reduzem conflito por meio de transparência melhorada já que todas as partes estão a par do acordo como um todo.

Contratos inteligentes são contratos autoexecutados, em que os termos do acordo entre comprador e vendedor são escritos diretamente nas linhas de código (Imagem: Pixabay/mohamed_hassan)

Enquanto muitos concordam que contratos inteligentes podem aumentar a produtividade comercial, existe grande preocupação sobre a legalidade de contratos inteligentes e se eles realmente se qualificam aos olhos da lei como acordos executáveis.

Contratos inteligentes são, hipoteticamente, acordos executados por um código. Embora uma pessoa crie o código, o software opera de forma independente quando é iniciado. Aos olhos da lei, isso cria uma área cinza ambígua.

A empresa jurídica Norton Rose Fulbright explica: “em muitas jurisdições comuns, um contrato só pode ser válido se for firmado por uma pessoa (pessoa física ou jurídica, como uma empresa) com capacidade legal para fazê-lo. Também existe autoridade jurídica comum (por exemplo, na lei inglesa) que um contrato não pode ser válido se não houver certeza suficiente de quem são as contratantes. Algumas jurisdições civis estabelecem outros requisitos jurídicos para a formação de um contrato juridicamente vinculativo”.

Apesar de muitos acreditarem que a lei, assim como a Norton Rose Fulbright, deve ser atualizada para incluir acordos como contratos inteligentes, outros opinam que contratos tradicionais já têm essa função.

Conforme a lei aprovada pelos estados do Tennessee e do Arizona, que reconhecem contratos inteligentes, alguns se preocupam que isso pode suprimir as inovações e desacelerar o crescimento. Essencialmente, alertam que, ao tentar auxiliar, legisladores podem tornar as coisas mais difíceis.

Andrew Hinkes, professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York externou essa preocupação: “leis não devem tentar definir tecnologias que não tem uma definição amplamente estabelecida em suas comunidades técnicas e relevantes”.

Além disso, a pouca idade de existência desse universo significa ser provável que legisladores errem alguns termos e usem termos ultrapassados que possam aumentar ainda mais o problema.

É provável que qualquer um que tenha assistido aos senadores dos EUA interrogarem Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, tenham receio com a compreensão limitada que os legisladores possuem em relação ao uso básico da internet e dos modelos comerciais.

A tecnologia de blockchain fornece à população mundial mais governança sobre seus dados (Imagem: Pixabay/ar130405)

Identidades no blockchain

Dadas as preocupações sobre a iminente ameaça da falsidade ideológica e violação de privacidade, vários projetos de blockchain estão utilizando a tecnologia para criar identidades digitais. O argumento é que a tecnologia permite que uma pessoa tenha controle maior sobre seus dados.

Isso se chama identidade autossoberana. Além disso, identidades baseadas em blockchain, em teoria, deveriam ser acessíveis de qualquer lugar do mundo e facilmente verificáveis.

Possuem uma ampla gama de aplicações comerciais e humanitárias, como para a crise global de refugiados, em que a documentos de identificação foram perdidos ou danificados.

Projetos como Sphere Identity e Uport, por exemplo, estão trabalhando na criação de sistemas de identidade baseados blockchain.

No entanto, projetos desse tipo precisam de suporte de documentos de identificação emitidos por governos (passaportes, carteiras de habilitação etc.) a fim de verificar as identidades em sua rede.

Esse é o caso de todos os projetos de gerenciamento de identidade baseados em blockchain, exceto pelo sistema nacional da Espanha. Isso se dá porque sua rede, Alastria, é comandada pelo governo e opera como um sistema reconhecido.

O documento de identificação Alastria emitido pelo sistema é legalmente válido e pode ser usado para realizar transações, entrar em acordos além de verificar a identidade.

Registros digitais sobre propriedades privadas também podem ser feitos com a tecnologia de blockchain (Imagem: Freepik)

Registros de terra

Registros de terra em todo o mundo estão repletos de inconsistências e irregularidades que, às vezes, torna difícil (se não impossível) determinar com certeza jurídica quem é o verdadeiro proprietário de um terreno.

É uma realidade em países desenvolvidos e em países em que desastres naturais destruíram registros.

Startups de registro de terra em blockchain, como Bitland, de Gana, por exemplo, estão tentando usar a tecnologia de blockchain para verificar a governança de terras. Além disso, um estado da Índia também está usando o blockchain para assegurar registros de terra.

No entanto, ambos os projetos e outros bem parecidos de outros países precisam de títulos de propriedade emitidos por governo e esses títulos registrados precisam ser juridicamente reconhecidos, senão não cumprem o seu propósito.

Documentação digital só é válida se a jurisdição reconhecer que é um documento aceitável (Imagem: Money Times)

A necessidade de apoio legislativo

As aplicações da tecnologia de blockchain são vastas. No entanto, está ficando cada vez mais óbvio que para que essas soluções cumpram com seu potencial, precisa existir um ambiente legislativo solícito.

Por exemplo, tanto as identidades como os os títulos de propriedade emitidos e baseados em blockchain vão ter dificuldade para serem juridicamente reconhecido sem os documentos relevantes e emitidos pelo governo, enquanto contratos inteligentes existem na área cinza jurídica que poderia de fato piorar por conta de leis ineficazes ou mal elaboradas.

Além disso diferentes classes de soluções baseadas em blockchain precisam de legislações diferentes a fim de funcionarem de forma eficaz.

Assim, legisladores em todo o mundo precisam considerar como criar um ambiente jurídico onde a inovação e o crescimento são estimulados, senão é provável que essas soluções vão sofrer para terem sucesso.