Internacional

Especial: Investidor estrangeiro pode trocar México por Brasil após solavancos com eleições presidenciais?

06 jun 2024, 17:17 - atualizado em 06 jun 2024, 17:17
Claudia Sheinbaum - Mexico
A coalizão de esquerda de Sheinbaum conquistou 70% da Câmara dos Deputados, o que lhe garante maioria confortável para mudanças na Constituição  (Imagem: REUTERS/Alexandre Meneghini)

A vitória esmagadora de Claudia Sheinbaum, apoiada pelo atual presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO), nas eleições presidenciais no México provocou calafrios no mercado financeiro.

A bolsa mexicana chegou a cair mais de 10% e o dólar disparou em relação ao peso em reação à ampla maioria que o Morena, partido de Sheinbaum e AMLO, conquistou no Congresso.

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Uma parte dos investidores teme uma guinada à esquerda na condução da política no México, segunda maior economia da América Latina.

“O risco é de alguma erosão do quadro institucional do México, com pesos e freios institucionais da economia podendo enfraquecer”, disse ao Money Times o economista e diretor de pesquisa macroeconômica do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos.

Mas uma eventual piora do vizinho do norte pode fazer com que os recursos venham parar em países como o Brasil? Lembrando que, de certo modo, ambas as bolsas “competem” pelo dinheiro de investidores globais, em especial aqueles dedicados a mercados emergentes.

Como foram as eleições no México

Claudia Sheinbaum se tornará a primeira mulher a vencer as eleições presidenciais do México. Ela obteve 60,7% dos votos contra 28,6% da oposicionista Xochitl Galvez.

Trata-se da maior vantagem para uma presidente desde 1994, quando o México começou a fazer eleições competitivas. E não só isso. A coalizão de esquerda de Sheinbaum conquistou 70% da Câmara dos Deputados, o que lhe garante maioria confortável para mudanças na Constituição do país (são necessários 67% da Casa).

No caso do Senado, Sheinbaum ficou um pouco abaixo da maioria constitucional, faltando quatro assentos, mas que facilmente poderá ser resolvido com acordos políticos. E ao nível estadual, outra vitória avassaladora: o partido de Sheinbaum, o Morena, ocupará 24 de 32 estados mexicanos, o que inclui regiões importantes como Yucatán, tradicional reduto do PAN, partido de oposição ao governo.

Com essa larga margem, a vitória do Moreno foi classificada como algo sem precedentes na história da era democrática do país, só comparado à hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México por 70 anos, entre 1929 e 2000.

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López Obrador falou como Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela que mergulhou o país em uma profunda crise, mas agiu como Margaret Thatcher (Imagem: Facebook/Andrés Manuel López Obrador)

México, o queridinho não tão queridinho?

A vitória de Sheinbaum, uma cientista e ganhadora do prêmio Nobel, já era amplamente esperada pelos mercados. Desde a pandemia da Covid-19, o seu padrinho político, López Obrador, fez a lição de casa e entregou um PIB (Produto Interno Bruto) com um crescimento médio de 4%, não apenas superando com folga as expectativas de consenso, mas também acima da tendência da taxa de crescimento de 2% do país.

Na América Latina, o México é visto como o exemplo, algo que chamou atenção, inclusive, entre brasileiros. Em evento ocorrido no começo do ano, Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú, disse, com todas as letras, que o México possui uma política fiscal melhor que o Brasil.

“Conta com um presidente de centro-esquerda, mas que tem tido uma política fiscal muito mais consistente, mais sólida que a nossa”, afirmou à época.

Em relatório, o BTG recorda que durante a maior parte dos últimos cinco anos, López Obrador falou como o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez, mas agiu como Margaret Thatcher, ex primeira-ministra britânica conhecida por suas políticas liberais. “E quando tentou agir como Chávez, as instituições o detiveram.”

Porém, toda a hegemonia de Sheinbaum colocou dúvidas no mercado sobre até que ponto ela pode avançar com pautas consideradas autoritárias.

Na segunda-feira, o índice IPyC da Bolsa Mexicana de Valores (BMV) registrou queda de 6,01%. Esse nível de queda não era registrado para um único pregão desde 9 de março de 2020, início da pandemia, quando o IPyC recuou 6,42%.

Onde mora o problema: Pautas antidemocráticas

O grande problema, segundo os especialistas, foram as reformas propostas por Obrador, ainda em fevereiro. Uma das pautas, por exemplo, prevê eleições populares para juízes e magistrados.

Alberto Ramos, do Goldman Sachs, afirma que as preocupações possuem dois aspectos: o primeiro seria institucional, como reformas eleitorais, reformas da Suprema Corte, reformas das agências autônomas, das agências regulatórias.

O outro aspecto seria mais puxado para o fiscal, com questões como salário mínimo, pensões, que teriam um custo elevado. “Isso poderia eventualmente deteriorar o quadro macro. Então, foi por isso que o mercado não gostou muito do resultado, porque aumenta a probabilidade que algumas dessas reformas, que levem a uma erosão institucional, ou um custo fiscal elevado, de serem aprovadas.”

Atualmente, o México continua a ser um dos poucos países cuja dívida/PIB está abaixo dos níveis pré-Covid (50%), lembra o BTG, o que, juntamente com contas externas relativamente equilibradas e um setor privado forte, ajudou a ancorar a confiança dos investidores nos últimos quatro anos.

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O Brasil precisará fazer a sua parte se quiser estar preparado para receber esses investimentos (Imagem: Agência Brasil)

Onde o Brasil se encaixa nesse quebra-cabeça

Mas a possível deterioração do México pode fazer os investimentos estrangeiros migrarem para o Brasil? O executivo do Goldman Sachs recorda que os dois países operam dentro do mesmo espaço, são grandes e com mercados fortes.

“Cada história é idiossincrática, cada história é a sua história, se o investidor sair do México, ele pode aplicar em produtos do Tesouro Americano, não tem que necessariamente que vir para o Brasil”, afirma Ramos.

Ainda segundo o economista, se a situação azedar ainda mais para o país latino, o Brasil pode ser um pouco beneficiado. “Mas o que vai, no final, beneficiar ou prejudicar o Brasil é o que o Brasil mesmo faz, e não necessariamente o que está acontecendo no México”, explica.

Ou seja, o Brasil precisará fazer a sua parte se quiser estar preparado para receber esses investimentos. Mas Ramos lembra que a percepção do investidor estrangeiro em relação ao país também se deteriorou nos últimos meses.

Ele cita a mudança prematura das metas fiscais proposta pela equipe econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Além disso, o racha no Banco Central na última decisão sobre a Selic e o pouco manejo político do governo em empresas como Petrobras (PETR4), Vale (VALE3) e Eletrobras (ELET6) prejudicaram a visão do mercado.

“O gringo, nesse contexto, dado que a taxa de juros americana ainda está muito atrativa, acha o Brasil pouco atraente. Não estou a ver o Brasil, assim, extraordinariamente bem posicionado na área global”, afirma.

De fato, a saída de dinheiro estrangeiro da bolsa brasileira em 2024 já supera os R$ 32 bilhões, enquanto o Ibovespa encosta nas mínimas do ano.

Piora do México pode contaminar o Brasil?

A situação mexicana, por outro lado, poderia contaminar os outros emergentes? Para Ramos, isso é possível, mas a probabilidade é baixa.

Ele recorda que o México é um país grande e sistêmico como o Brasil e Índia. “Quando acontece alguma coisa de muito ruído em um desses países pode haver uma onda que se espraia e acaba por contaminar positivamente ou negativamente os mercados emergentes.”

Porém, Ramos avalia que o que está acontecendo no México é um fenômeno localizado. “A não ser que a coisa degringole muito e os investidores tenham grandes perdas no México e precisem vender o Brasil por outras razões. Mas não vejo um grande contágio positivo ou negativo do México para o Brasil”, afirma.

Panos quentes

Diante da fúria dos mercados, o ministro da Fazenda do México, Rogelio Ramírez, tratou de colocar panos quentes, afirmando que o foco da equipe é com a redução do endividamento do país para cerca de 3% do PIB, disciplina fiscal e compromisso com o Estado de Direito.

Já Obrador atenuou as expectativas de que iria prosseguir a aprovação da série de reformas constitucionais, dizendo que em 30 dias (quando acaba o seu mandato) não é tempo suficiente para aprová-las e que qualquer agenda legislativa nesse sentido teria que ser consultada e acordada com Sheinbaum.

E a própria Sheinbaum postou em seu perfil no X na qual expôs quatro pontos que seriam centrais para sua agenda, o que também ajudou a acalmar os ânimos, segundo o BTG.

Editor-assistente
Formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, cobre mercados desde 2018. Ficou entre os 50 jornalistas +Admirados da Imprensa de Economia e Finanças das edições de 2022 e 2023. É editor-assistente do Money Times. Antes, atuou na assessoria de imprensa do Ministério Público do Trabalho e como repórter do portal Suno Notícias, da Suno Research.
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