Soja do Brasil pode competir por demanda da China apesar de acordo, diz associação
O acordo comercial de Fase 1 entre Estados Unidos e China assinado nesta semana pode não ser tão negativo para exportações de soja do Brasil, diante de afirmativa dos chineses de que um prometido aumento em compras de produtos norte-americanos seguirá “condições de mercado”, disse à Reuters o dirigente de uma associação de exportadores.
Os termos do acerto, que geraram dúvidas nos mercados sobre a possibilidade de a China entregar as compras de produtos americanos prometidas, também foram vistos com cautela no governo brasileiro, disseram duas fontes em Brasília que falaram sob a condição de anonimato.
“Eu duvido muito que a China, com a força que tem, vai aceitar algo ‘goela abaixo’. Duvido que ela vai parar o esforço de diversificar seus fornecedores”, afirmou uma fonte do governo à Reuters, sob a condição de anonimato.
O vice-premiê chinês Liu He afirmou que outros fornecedores de commodities agrícolas para a China não serão impactados pelo acordo com os norte-americanos e que os negócios serão fechados de acordo com a “competitividade” das ofertas, segundo reportagem da estatal CCTV na quinta-feira.
O compromisso assinado entre as duas maiores potências globais inclui promessa da China de comprar ao menos 12,5 bilhões de dólares adicionais em produtos agrícolas dos EUA em 2020, tendo como base o nível de 2017, além de ao menos mais 19,5 bilhões de dólares em 2021.
O jornal chinês Global Times publicou na quarta-feira afirmação de um economista de um centro de estudos estatal segundo a qual a China elevará significativamente importações de soja dos EUA.
“Tem que ficar atento e alerta, mas esperar para ver se vai ser assim e se os chineses vão querer (cumprir todos termos do acordo)”, adicionou uma segunda fonte, da área econômica do governo.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, minimizou preocupações e afirmou que os termos finais do acordo foram menos impactantes do que inicialmente esperado.
“O resultado foi muito menos pior do que se desenhou. O acordo saiu pelo piso (32 bilhões de dólares) e não pelo teto como se especulava (50 bilhões dólares) e veio cercado de dúvidas”, disse ele à Reuters.
“O recado dado é que eles (chineses) vão comprar soja pelo menor custo, pelo menor preço, e, nisso a soja brasileira é mais competitiva”, acrescentou o dirigente da AEB.
Aumento de competição
O Centro de Agronegócio Global do Insper também apontou que “ainda é difícil crer na viabilidade do cumprimento integral do acordo anunciado”, ao menos no prazo pretendido, mas destacou que “é inevitável” a perda para os EUA de parte do mercado chinês de soja conquistado durante a guerra comercial.
A previsão do Isper, assim, é de um retorno à “complementaridade” entre exportações de soja para a China provenientes dos hemisférios norte e sul.
A instituição acadêmica ressaltou, no entanto, que os EUA provavelmente não teriam disponibilidade imediata para atender à crescente demanda chinesa, o que “muito dificilmente ocorrerá para patamares tão elevados nos dois anos previstos no acordo”.
Ainda assim, deverá haver aumento na competição pelo mercado de carnes chinês, assim como pressão sobre embarques de algodão brasileiro para o país, por exemplo.
“Em suma, apenas para atender a perspectiva de elevação de compras iniciais a partir dos EUA, estima-se que o Brasil possa perder, no mercado chinês, cerca de 10 bilhões de dólares em exportações do agronegócio”, apontou a análise do Insper.
A China praticamente parou de comprar soja dos EUA durante a longa disputa comercial, o que impulsionou as importações junto ao Brasil.
Os chineses compraram quase 80% da safra brasileira de soja em 2019, segundo dados do governo brasileiro.