Opinião

Sidnei Nehme: O melancólico final da especulação sobre o dólar

04 out 2018, 8:39 - atualizado em 04 out 2018, 8:39

Por Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da NGO

O mercado de câmbio foi cenário de forte movimento especulativo iniciado em meados do mês de agosto até o início desta semana.

Câmbio é muito complexo, pois sofre a influência de inúmeros vetores econômicos, políticos, taxas de juro, etc., internos e externos, que afetam fluxos e impactam na oferta e procura e assim, em tese, são formados os preços das moedas.

Como dissemos em tese é assim e deveria ser assim, mas há momentos em que fatores outros oportunos suscitam movimentos atípicos, em sua grande maioria especulativos explorados “cirurgicamente” por hábeis operadores com grande capacidade de formação de contextos que motivam incautos a acreditarem em factóides.

O câmbio é mundialmente o “sensor” maior dos descompassos econômicos/financeiros dos países, e o sinal imediato é a depreciação das cotações de suas moedas frente às demais, tendo como a referência central o dólar.

Com base nesta realidade, hábeis especuladores forjam temores em determinadas situações que na realidade não são sustentáveis, mas que se alimentam da “memória de situações antecedentes” e, ainda que não exista sinergia são utilizadas para fomentar falsos fundamentos e promoverem distorções absolutamente insustentáveis, que, contudo prevalecem por certo tempo.

Inúmeras vezes já destacamos que em câmbio “nem tudo que se vê é exatamente o que parece”.

Estamos “assistindo” o final melancólico de um movimento especulativo que “quase” obteve sucesso, pois se valendo da situação econômica caótica do Brasil, seu expressivo déficit fiscal, desemprego elevado, problemas de renda e consumo, insegurança jurídica e política, etc…. e na iminência da realização de eleições presidenciais muito incertas e acirradas, vista pelo mercado financeiro com muito receio pois havia quantidade de candidatos mas carência de qualidade para criar otimismo quanto às perspectivas futuras da dinâmica do país, encontrou ambiente para ser instalado ancorando-se no câmbio, que, contudo, é o único setor em que o país não tem qualquer risco de crise.

A dita memória antecedente alimentou e alicerçou o movimento.

A partir de final de junho quando o BC ofertou ao mercado volume substantivo de contratos de “swaps cambiais” para proteção por parte de empresas de todas as naturezas detentoras de passivos em moeda estrangeira, houve a percepção de que a oferta foi demasiada, mas o BC quis se mostrar resoluto e contundente já que o preço do dólar havia se ajustado à realidade brasileira percorrendo do preço de R$ 3,30 até as proximidades de R$ 3,80. O mercado absorveu a totalidade das ofertas, mas ficou a sensação de que haviam posicionamentos “comprados não hedge”, ou seja aquisições de contratos de swaps cambiais com o objetivo meramente especulativo, ancorado na convicção de que adiante haveria a exacerbação “histórica” do preço do dólar.

Então, em meados de agosto foi detonado movimento especulativo de apreciação do preço do dólar sustentado pela crescente propagação de tensões e temores em torno das eleições presidenciais, e então a taxa foi inflada artificialmente em sua grande parte até o teto de R$ 4,20, quando revelou fragilizar-se por falta de fundamentos, pois ao que tudo indicava o objetivo era atingir o preço de R$ 5,00 ou mais.

Na realidade faltava sustentabilidade e fundamentos para o movimento deflagrado, pois o Brasil tem neste ano de 2018 uma situação de contas externas equilibradas, reservas cambiais robustas, juros e inflação baixos e sob controle, além de alternativas operacionais específicas para atender demandas lastreadas pela credibilidade destas reservas, que o tornam imune a qualquer crise cambial.

Nada ver com o ano de 2002 ou 2008, que foram até usados como ilustrações para justificar o movimento e que, surpreendentemente, tiveram adesão de inúmeros manifestantes.

A sucumbida inicial do movimento ocorreu quando se mostrou impotente para conduzir o preço da moeda americana acima de R$ 4,20 e a partir de então passou a demonstrar fragilização com recuo até as proximidades de R$ 4,00, discretamente acima.

Com o quadro eleitoral ficando mais evidente em suas tendências o mercado financeiro diminuiu seus temores e tensões, e “desarmou” a última fonte de estimulo do movimento especulativo.

Então, o que se viu foi e são os “comprados não hedge” agitados e precipitados para reverter suas posições especulativas e desta forma promoverem a apreciação do real, já que na outra ponta há “vendidos” ávidos para cobrir suas posições.

Mencionamos “comprados não hedge” para identificar os especuladores visto que quem adquiriu contratos de swaps, dólar futuro e cupom cambial para proteger efetivamente suas exposições em passivos em moeda estrangeira não têm razões para precipitações já que ganha ou perde na operação em que buscou proteção e inversamente ganha ou perde no mercado físico.

A mídia de uma forma geral abstém-se de realizar considerações sobre movimentos especulativos, sancionando sempre a ocorrência de demandas internas e fatores externos, por isso eles acontecem e até se alimentam deste distanciamento nas abordagens.

Entendemos, e mencionamos isto inúmeras vezes, que o BC agiu de forma absolutamente correta ao ausentar-se das intervenções, exceção ao ato falho de uma oferta de 30.000 contratos, por ter o claro entendimento do que ocorria no mercado e o quanto era infundado o movimento.

Contudo, entendemos que a autoridade monetária deveria ter se manifestado sobre a solidez da nossa situação cambial, para esvaziar as especulações e afastar insinuações nefastas correlacionando o Brasil com a situação da Argentina e Turquia.

Da mesma forma, é importante que se destaque que a manchete de alguns dias atrás de que o BC havia tido um grande prejuízo com os contratos de swaps poderá ser revertida parcial, total ou até ser revelado lucro com o ajuste da taxa cambial a sua justa realidade.

O fluxo cambial fechado em setembro aponta saldo negativo de US$ 6,138 Bi, resultante de comercial positivo US$ 596,0 Mi e financeiro negativo de US$ 6,734 Bi. O volume de saídas financeiras é menor do que agosto quando registrou US$ 9,802 Bi, e deve representar saídas de capitais estrangeiros aplicados em renda fixa, visto que a B3 acusou fluxo líquido positivo de estrangeiros em torno de US$ 800,0 Mi.

A posição dos bancos está “vendida” em US$ 5,876 Bi, porém considerando-se que tem tomado US$ 2,150 Bi de linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra do BC, efetivamente resulta em “vendida” em US$ 3,726 Bi, que pode estar sendo financiada por banqueiros estrangeiros, caso contrário é bem provável que o BC realize oferta de linhas aos bancos.