Opinião

Sidnei Nehme: Fluxo cambial negativo se mantém firme e redução da SELIC pode complicar câmbio!

26 jul 2019, 13:55 - atualizado em 26 jul 2019, 13:55
Colunista faz análise sobre o mercado de câmbio

Os números do fluxo cambial até o dia 19 dão evidência de resultado negativo em US$ 8,047 Bi no ano, e, ao confrontarmos com o mesmo período de 2018 que registrou fluxo cambial positivo de US$ 26,789 Bi, se tem a efetiva dimensão da diferença para pior em quase US$ 35,0 Bi, o que sinaliza, ao estar sendo mantido o viés de acúmulo negativo no ano, que o Brasil está perante uma atipicidade.

Ocorre até 19 do corrente uma frustração neste ano das expectativas de ingressos maiores de recursos por parte de investidores estrangeiros, que registra negativo líquido no financeiro de US$ 16,951 Bi (2018 negativo US$ 2,517 Bi), mas também, um decréscimo expressivo do saldo comercial positivo de tão somente US$ 8,904 Bi (2018 positivo US$ 29,306 Bi), face à queda das exportações de US$ 119,4 Bi em 2018 para US$ 100,9 Bi em 2019.

Poder-se-ia dizer que este fato não é preocupante em termos de riscos de liquidez do país em moeda estrangeira, tendo em vista que detém US$ 387,1 Bi de reservas, com os bancos registrando posição vendida total em torno de US$ 33,8 Bi, o que em termos líquidos as reduz a US$ 353,3 Bi.

Porém, esta queda de liquidez no mercado à vista num momento de perspectiva de estreitamento de taxa de juro externa em relação a interna tem repercussões na formação do preço da moeda americana no nosso mercado e, a despeito do BC ter instrumentos contumazes para suprir eventual pressão de demanda, os reflexos no mercado de cupom cambial podem adicionar pressão maior e até impor ao BC atuação fora do que tem sido habitual.

Embora haja afirmações de que tomadores de recursos externos aguardam a melhora do “rating” do país para retornarem a demandar ofertas de papéis no mercado internacional, o que se verifica é uma nova conduta por parte dos detentores de papéis colocados no exterior, qual seja trocar dívida externa por dívida interna devido a queda acentuada do juro no país.

A melhora do “rating” do Brasil não nos parece tão próxima quanto pode sugerir o fato de o país ter um CDS 5 anos no entorno de 127 pontos, nos parecendo absolutamente crível que o viés de corte da SELIC pode conduzi-la a 5,5% ainda este ano, o que será um incentivo maior a troca de dívida externa por dívida interna.

Isto não só inibe fluxos externos para o país como na contra ponta promove saídas para quitações externas de operações vincendas, sem estimular a rolagem.

O país está sem tração para a retomada da atividade econômica de forma sustentável, isto lhe tira atratividade no mínimo no curto prazo/médio prazos, até que superadas as fases das reformas da previdência e tributária, e que o governo consiga equacionar os programas de privatizações, que realmente poderão atrair investimentos externos e gerar recursos para os investimentos públicos estruturais, mas que poderá sofrer postergações por oposições corporativistas-nacionalistas e a eventual ocorrência de judicialização, fato que já se tornou banal no país.

Sem atratividade não deve despertar interesses maiores por parte dos investidores estrangeiros até que ocorra fato concreto que os motive, nem para a Bovespa pela inércia da economia nem para o juro pela queda, então, salvo pelas privatizações, não vemos como reativar fluxos de investimentos estrangeiros vigorosos.

O cenário prospectivo não sugere que possa haver imediata reversão do fluxo cambial negativo, mas, com a perspectiva de redução maior na SELIC até mais intenso do que se espera de redução por parte do FED no juro americano, é presumível que o impacto no mercado de cupom cambial possa ser intensificado pelo estreitamento.

Então, poderá ocorrer pressão na formação do preço da moeda americana no nosso mercado à vista, descolando-a do comportamento do dólar no mercado internacional e do comportamento das demais moedas emergentes em relação ao dólar, por razões peculiares do contexto do nosso mercado cambial.

Então, acreditamos que não haja como se projetar taxa cambial evidenciando apreciação do real frente ao dólar, contrariando inclusive nossas projeções de início do ano, pois o fluxo cambial negativo é um fato novo não considerado na ocasião.

O déficit em transações correntes de junho alcançou US$ 2,9 Bi, e o fluxo de investimentos diretos (IDP) registrou US$ 2,190 Bi, menor valor mensal em 3 anos e bem abaixo das projeções do mercado e do próprio BC, que procurou justificar o desempenho a antecipação do pagamento de empréstimos de algumas multinacionais, procurando não admitir que haja menor atratividade por parte dos investidores estrangeiros.

O fato é que as empresas pagaram US$ 2,761 Bi, mais que o dobro do mesmo mês no ano passado, e o BC viu isto como estratégia das empresas e a uma oportunidade, que pode ter sido naturalmente a queda do preço do dólar no mercado local e a incerteza quanto a consistência deste viés que pode ter sido a base da motivação.

O déficit em transações correntes no ano representa 0,91% do PIB, e para julho o BC espera um fluxo positivo de US$ 6,5 Bi e a resultante permitirá a percepção se a atratividade pelo país está cadente ou não, sendo o nosso sentimento que esteja ocorrendo este fato.

Na busca de dar um alento a letárgica atividade econômica o governo anunciou a liberação de recursos do FGTS aos empregados detentores de depósitos, numa espécie de autorização de saque ao próprio patrimônio sobre regras defensivas para não prejudicar outros segmentos da economia usuários destes recursos, com foco direto em estimular o consumo e dar algum alento, embora paliativamente e pontual, a atividade econômica.

No nosso ponto de vista, os ruídos superlativando os efeitos da medida parecem muito superiores ao seu alcance, visto que 60% da população está em condição de inadimplência e sob pressão, o que pode direcionar os recursos para os credores, em especial sistema bancário com preponderância do cheque especial, e, entendemos, que a programação para datas para novos saques já é indutora a tomada de empréstimos como se fossem consignados, sacando um pouco mais sobre o futuro.

Então, vemos com reservas as projeções que indicam impactos maiores no PIB.

Continuamos céticos a respeito das perspectivas para a retomada da atividade econômica, a despeito das reformas corretas e pontuais que estão no radar do governo, mas temos cada vez mais convicção de que o momento pode acentuar, como vimos destacando, um contexto novo para a formação do preço do câmbio, a despeito de termos situação cambial, quanto a liquidez, consistentemente defendido.

O viés do preço da moeda americana é de alta!