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Sidnei Nehme: Excesso de liquidez renega análise dos fundamentos e perde percepção dos riscos

06 fev 2018, 11:41 - atualizado em 06 fev 2018, 11:41

Por Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da NGO

O mercado global tem convivido com enorme liquidez e isto provocou de forma generalizada a valorização dos ativos a níveis não vistos há décadas, proporcionando o fluxo de recursos em grande monta para os países emergentes ancorados em operações de “carry trade”, porém acabou por causar uma insensibilidade à percepção e análise mais apurada dos fundamentos e das vulnerabilidades presentes.

A moeda americana à margem da excepcionalidade da liquidez se manteve estável ou por vezes com discreto viés de baixa ante as demais, ao mesmo tempo, que o FED manteve taxa de juros estável entre 1,25% a 1,50%.

“Dinheiro farto” a custo baixo fascinam os especuladores que acabam fomentando altas nos preços dos ativos, inflacionando seus preços desalinhando-os com a realidade.

Isto ocorre tanto nos mercados desenvolvidos quanto nos mercados dos países emergentes, como o Brasil, e cria um ambiente contraditório em que a exorbitância do entusiasmo acaba por sugerir um ambiente de total prosperidade, neutralizando uma visão com maior acuidade dos fundamentos e riscos presentes.

Ocorre então a perda da precaução e da sensatez, e isto agrava em muito o risco implícito que passa a ter baixa percepção.

Os Estados Unidos, a despeito das críticas a postura do seu Presidente, vem surpreendendo o mundo com a recuperação da dinâmica de sua economia e, também, pelas mudanças na área tributária que o reconduziram a condição de país atraente para investimentos, aguçando mesmo o interesse de algumas empresas americanas retornarem ao país ao reduzir a tributação de 35% para 21% e ainda com uma taxa de 8,5% a 15% na repatriação de recursos americanos no exterior.

Com o foco centrado na economia americana e seus números tornou-se perceptível que ao lado do crescimento do emprego e da atividade econômica, tende a ressurgir naturalmente as pressões inflacionárias o que levou o FED a sinalizar a tendência de elevação do juro gradualmente.

Contudo, com a mudança do comando do FED, agora escolhido pelo Presidente Trump, acentuou-se a percepção de ocorrência de uma correção do juro com maior intensidade.

Este fato naturalmente impacta no mercado de ações, sendo sinalizado pela elevação das taxas de juros remuneratórias dos T-Bonds e leva todos os investidores a retomarem as análises dos fundamentos e mais, também para a nova realidade em que a liquidez global começa a sinalizar que entrará numa fase cadente.

Este fato atrai investidores estrangeiros para os T-Bonds americanos e provoca o desaquecimento do mercado acionário que passa a ter análises mais rigorosas por parte dos investidores.

Isto é que se observa no momento no mercado americano.

Por outro lado, os mercados emergentes, até agora grandes oásis do ganho fácil com base em recursos oriundos de operações de “carry trade” geradoras da liquidez que lhes é direcionado, tendem a ter um refluxo de capitais estrangeiros especulativos e apresentarem movimentos de realizações de lucros, ou até prejuízos, no mercado acionário e deixarem estes mercados.

Então, pontifica a percepção do risco que havia sido menos considerado.

O Brasil que tem registrado recordes na Bovespa, com fundamentos nem sempre bem claros, mas alavancada pela liquidez internacional carreada para o país pelos investidores especuladores com recursos ancorados em operações de “carry trade” passa a ter momentos conturbados e com fortes impactos no comportamento da Bovespa e, naturalmente, reposicionando o preço da moeda americana no seu mercado de câmbio, ainda que o BC atue intervindo para evitar apreciação maior.

Focando o Brasil mais atentamente, temos um mercado financeiro que torce para que o BC reduza nesta semana a SELIC para 6,75%, num ambiente que sugere neste ano inflação maior muito provavelmente na linha do ponto de equilíbrio de 4,5%, com enormes problemas fiscais e sérios também no campo político ainda totalmente obscuro, indefinido e sujeito a muitas controvérsias e perturbações, e que tem no exterior perspectiva de menor liquidez e encarecimento das operações de “carry trade” pela elevação do juro americano, há razões para se temer reversão de expectativas.

Temos enfaticamente salientado em nossos posts cotidianos, desde dezembro, ser absolutamente necessária postura de sensatez e precaução em relação a alta continua da BOVESPA e a depreciação acentuada do dólar num ambiente de inúmeras incertezas em torno da situação fiscal e dos quadros econômico e político do país.

A reversão é uma tendência crível tanto nas altas da BOVESPA quanto na depreciação da moeda americana, havendo mesmo risco do país ter novos “downgrades” e ter alteradas as avaliações de risco EMBI e CDS que nos parecem muito otimizadas em relação ao Brasil.

E tudo leva a crer que no contexto atual a Bovespa poderá ter movimento de realização forte, descolando-se das bolsas americanas que poderão até ter reversão menor ou estabilidade, e o dólar buscar preço mais equânime com a situação de contexto de riscos fiscais e políticos presentes no país.

Nossa recomendação permanece a mesma, sensatez e precaução são fundamentais e evitar entrar no contexto eufórico que juntamente com a liquidez impede que se considere bem os fundamentos e riscos.