Opinião

Sidnei Nehme: Especulação pode provocar perdas como em 2008

26 set 2018, 8:11 - atualizado em 26 set 2018, 8:11

Por Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da NGO

O cenário em 2018 a rigor difere tanto de 2002 quanto de 2008. Na atualidade o país detém sólida situação no segmento cambial, ao contrário dos demais segmentos da economia que apresentam séria deterioração e muitas dúvidas e incertezas.

Como apontado pela imprensa as incertezas elevaram o custo da dívida pública e afastam o estrangeiro como investidor, visto que a magnitude da dívida fiscal brasileira e a falta de perspectivas efetivas de superação no curto/médio prazos acaba gerando a aversão ao risco, e isto foi refletido no fluxo cambial de agosto quando a saída ocorreu com maior intensidade. O risco foca a capacidade da solvência do governo.

Tardiamente, há a percepção de que ocorrem discretos movimentos defensivos na Bovespa, embora todos os investidores estrangeiros estejam protegidos por “hedge”, a questão é que não se configura viabilidade imediata para recuperação da atividade econômica, o que naturalmente poderá ter reflexo nos preços das ações. O risco foca a inércia de a atividade econômica perdurar e o desempenho das empresas ser frustrantes, mas este movimento se mostra tardio e menos intenso do que o esperado, por vezes binário.

E, embora possa parecer contraditório, como temos ressaltado na questão cambial o país não tem riscos de crise ou solvência, muito pelo contrário, dispõe de expressivo conforto dada a grandeza do volume de reservas cambiais, o que viabiliza com total credibilidade a operacionalidade pelo Banco Central do Brasil de instrumentos fomentadores de liquidez tanto para proteção cambial, quanto para liquidez no mercado à vista.

O país detém reservas suficientes para arcar com seus passivos e um déficit em transações corrente baixo em torno de 0,8% do PIB.

Por uma questão de repetência contumaz de quadro de fraqueza do Brasil nos momentos de maiores tensões, o dólar, habilmente operacionalizado de forma especulativa, ainda surgiu neste ano eleitoral como o principal sensor das tensões e temores que envolvem o cenário econômico, fiscal, político e jurídico do país, porém desta vez não se presta efetivamente a este papel, pois o Brasil em 2018 não tem a fragilidade contumaz neste quesito.

Desta forma, o ano de 2018 nada tem a ver com o contexto de 2002, absolutamente diferente e com contextos inversos, visto que não tem fragilidade cambial, mas tem fragilidades nos demais setores.

Se relembrarmos o movimento de 2008 quando houve ataque especulativo sobre o real e apostas especulativas abusivas no dólar, não estamos tão distantes, e há o risco de grandes perdas, provavelmente não na dimensão da ocorrida naquele ano que tirou do cenário brasileiro grandes empresas com grandes marcas e até bancos de grandes grupos que foram salvos por interferência direta do governo, mas efetivamente há riscos.

Os temores e tensões em torno da sucessão presidencial eram esperados e as incertezas da mesma forma, porém impor sobre o preço da moeda americana as suas repercussões é especulação ousada e desprovida de fundamentos e de baixa sustentabilidade, com altíssimo risco. Este é um fato que decorre da complexidade do mercado de câmbio entendida por poucos e a grande desinformação sobre a efetiva situação do país no contexto cambial, acreditando-se sempre no pior cenário.

Não houvesse o mercado financeiro entesourado parte dos contratos de swaps cambiais ofertados pelo Banco Central do Brasil em junho, não como “hedge” para proteção de passivos cambiais, mas claramente para especular com a perspectiva de que poderia ser impulsionado movimento sobre o preço do dólar valendo-se da memória sobre momentos semelhantes passados, propagando artifícios enganosos e aproveitando da desinformação mais aguda da presente solidez do país no quesito cambial, certamente não haveria “combustível” para instrumentalizar a especulação.

O Banco Central do Brasil, após uma incorreta intervenção no período de especulação com uma oferta de 30.000 contratos de swaps cambiais, adotou a postura correta e passou a observar o mercado sem intervir, já que não havia efetiva demanda, mas sim movimento propulsor para depreciar o real.

Lamentavelmente, deveria ter complementado o seu recuo intervencionista com a melhora sensível de comunicação com o mercado e público em geral, em especial a mídia, ressaltando a solidez do quadro cambial brasileiro, que assim não referendava o movimento especulativo presente. Não o fez, errou.

Há neste momento muitos “apostadores” incrédulos e até decepcionados já que o preço da moeda americana não tem força para atingir os esperados R$ 5,00 ou mais, ao mesmo tempo em que foram surpreendidos na semana passada pela inversão da tendência de alta com apreciação rápida do real de quase 4%, o que os levou a agirem com contundência acentuando artificialmente a demanda por “hedge”, num movimento improvável em termos reais, mas visando insinuar pressão para buscar a recuperação da alta, que, contudo já dá sinais de fracasso.

É o que se assiste agora, enquanto o Banco Central do Brasil mantém a sua postura de observar sem intervir, mas pecando pelo silêncio, porém a autoridade, tanto quanto a nossa percepção, deve estar entendendo o movimento como puramente episódico e sem sustentabilidade, e que perdeu totalmente o viés de alta consistente, estando sendo acentuado o viés de baixa.

As projeções do Boletim FOCUS sancionam também esta percepção ao projetar o preço do dólar em R$ 3,90 ao final do ano, pouco acima da nossa projeção de R$ 3,80, e a taxa SELIC mantida em 6,50%.

A ata do COPOM bastante sensata não evidenciou preocupações maiores e até atenuou bem efeitos inflacionários, no fundo demonstrando, sem manifestar, convicção de que o dólar recuará passado este momento, puramente episódico.

Como temos salientado o quadro cambial brasileiro e sua solidez transparente não corre risco de agravamento, seja qual for o candidato eleito Presidente.

Este é o ponto relevante que nas análises em torno da matéria não tem merecido a devida consideração, mas que pode estar sendo percebido agora e “quebrou” o ímpeto especulativo desenvolvido sobre o preço do dólar.

Esta impertinente volatilidade que se revela ancorada às pesquisas eleitorais deve continuar, mas com predominância do viés de baixa, visto que há pesquisas para todas as ideologias e somente será superada com o resultado efetivo das urnas.

Há mais torcida do que coerência em torno das pesquisas, então somente o fato concreto e real é que trará a elucidação da questão.

Por enquanto, o movimento de apreciação do real que havia se insinuado continuará enfrentando resistência dos especuladores, já que para os que efetivamente realizaram “hedge” agora é indiferente, porém dar sustentação a este cenário não será tarefa fácil aos especuladores, como já se revelou ontem, visto que a tendência efetiva é que o viés de apreciação do real tenda a se acentuar de forma efetiva, mesmo que gradual.

O risco de repetência de perdas, ainda que não com a magnitude de 2008, está presente e quadros como este por vezes provocam “efeito manada”, que pode agravá-los ainda mais rápida e intensamente.

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