Dívida Pública

Sidnei Nehme: Entusiasmo eufórico do mercado financeiro não quer ver “que a areia é movediça”!

05 jan 2018, 6:56 - atualizado em 05 jan 2018, 6:56

Por Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da NGO

Bovespa quebra recorde de altas enquanto o dólar é depreciado, a visão em perspectiva ainda é de que em 2018 tudo vai dar certo, assim está escrito e projetado de forma imutável e os riscos podem ser mitigados ou até menosprezados, pois o país crescerá ancorado no consumo familiar, os juros continuarão cadentes, o dólar depreciado, etc. etc.

Somos então uma ilha de prosperidade? Seria bom e desejável, mas a realidade é bem diferente, há um cenário prospectivo de muitas dúvidas e incertezas, e que podem determinar uma realidade bastante controversa a esta visão excessivamente otimista.

O relevante e perceptível é que nem todos estão “embriagados” por esta onda frenética e, com os pés no chão, algumas opiniões abalizadas vêm se manifestando de forma mais comedida e sensata, como Gustavo Franco, alguns analistas de bancos, e, mais recentemente, Marcos Lisboa, apontando as fragilidades que tornam 2018 um ano de incertezas, muitas dúvidas e ambiente tenso em torno das eleições abrangentes.

E, a cada abordagem, parece que fica mais evidente que o tempo é curtíssimo e que a degringolada pode estar iminente.

Desde início de dezembro, vimos colocando no CÂMBIO NEWS diário a nossa visão pouco entusiástica quase que discordando da grande maioria, justamente por propagarmos a necessidade de maior sensatez e precaução ante o contexto preocupante de riscos na trajetória de 2018, que não estariam sendo considerados com o devido peso nas análises e projeções.

Neste emaranhado jogo de xadrez em torno do Brasil, se um lance der errado, e há grande probabilidade de dar, o país poderá ser submetido a um “cheque-mate” irreversível e altamente danoso.

A expectativa está centrada na decisão do congresso sobre a reforma da previdência em fevereiro, mas já há o entendimento de que só ela não será suficiente para resolver a grave crise fiscal do país.

O Brasil precisa mais recursos e mais reformas que gerem algo que vem sendo estimado entre R$ 200,0 a R$ 300,0 Bi, para resolver dando conforto à situação fiscal, mas esta cifra parece absolutamente inalcançável, por isso tem surgido no mercado a especulação de que o governo estaria avaliando a reversão de parte das reservas cambiais de forma absolutamente velada. Em todas as suas versões colocadas no mercado, seja na forma de sigilo seja na forma de abordagem menos velada, o ponto de sustentação da tese é de que o governo vai procurar evitar bater a “regra de ouro” (norma que proíbe o governo de captar recursos emitindo dívida em volume acima de despesas de capital, como investimentos). Tema abordado pela publicação Relatório Reservado e focado de forma discreta pelo mercado, única forma de obter recursos face ao montante que seria necessário para o governo evitar constrangimentos de governança maiores do que o desgaste de reduzir as reservas cambiais do país.

Evidentemente, o governo negará esta avaliação por ser algo altamente desgastante e com repercussões várias num ano eleitoral, mas sabidamente as reservas cambiais brasileiras não foram forjadas com superávits, mas sim com aumento da dívida pública em reais.

Aliás, esta já foi uma bandeira levantada por parte de membros do PT no governo passado.

Mas, o contexto se torna mais preocupante ainda quando se constata que a deterioração fiscal atinge Estados e Municípios transmitindo um sentimento de inviabilidade absoluta. Já temos inúmeros Estados insolventes, outros tantos quase, e municípios totalmente deteriorados.

Falta quase tudo que é essencial à população e agora falta dinheiro para pagar os salários. Um quadro extremamente preocupante.

Enfim, quando se busca olhar adiante, perceptível é a sensação de muitas dúvidas e incertezas, que serão agravadas pelo clima acirrado eleitoral que poderá ter característica bastante desarticuladora.

Os estrangeiros retornaram parcialmente à Bovespa em dezembro após a retirada de R$ 5,0 Bi em outubro/novembro muito provavelmente primeiro por precaução do caos se a reforma da previdência não fosse aprovada, e retornaram para aproveitar o “gap” até fevereiro, quando se notarem o clima desfavorável poderão bisar a retirada, talvez mais intensa.

Mas já em janeiro teremos ebulição política fortemente acentuada com o julgamento do ex-Presidente Lula, sendo ingênuo ignorar a possibilidade de ação amplamente reacionária por parte de seus adeptos, causando perturbações se vier a ter confirmada a condenação ou até mesmo ampliada.

O Brasil precisa da reforma previdenciária e de muitas outras e com urgência, não tem tempo para postergações, sob o risco que ficar inviável e consumar o “voo da galinha” que os mais sensatos e moderados temem, e ter um quadro extremamente grave.

Inflação, crescimento, redução de juro, preço do dólar, emprego, aumento de renda, tudo o mais, dependerão diretamente da superação ou correta acomodação da questão fiscal seríssima que o país e da não contaminação do ambiente político sobrepondo-o ao econômico.

Por enquanto a única certeza é que o quadro fiscal é altamente preocupante e o clima de ano eleitoral promete ser tenso.

Então, a sensatez sugere que não se considere como tendência nem o que se vê no comportamento da Bovespa e nem no preço do dólar.

sidnei.nehme@moneytimes.com.br