Opinião

Sidnei Nehme: dólar cai forte ante emergentes e real enfim revela sinergia, apesar da política!

03 jun 2020, 16:47 - atualizado em 03 jun 2020, 16:47
dólar
O Brasil sofreu enorme perda de atratividade decorrente da abrupta redução do juro que afastou os investidores estrangeiros rentistas (Imagem: REUTERS/Sertac Kayar)

Por Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da NGO Associados Corretora de Câmbio

Arrefecidos os “medos e temores” presentes no país decorrentes das tensões políticas, pelo menos momentaneamente já que não há sinais de acomodação sustentável, o real que vinha mantendo comportamento adverso às demais moedas emergentes frente ao dólar americano, finalmente, assumiu a tendência dos seus pares.

A rigor, os impactos decorrentes da crise da pandemia do coronavírus, pelo menos até o momento, parecem estar precificados no dólar no nosso mercado local, porém deixou de precificar “desastres futuros” sobre os quais não se consegue ter uma análise fundamentalista concreta, como dimensão da queda do PIB, a retomada da atividade econômica pós crise, o nível de desemprego, etc, etc.. visto que ainda não se tem visão prospectiva de quando efetivamente a crise começará a ser superada e em que condições encontrará os cofres governamentais e o “status” do setor produtivo.

Afinal, o que vai bem e que ancora parcialmente amortizando a queda do PIB é o agronegócio em todos os seus segmentos, mantendo acelerado ritmo de atividade, puxado fortemente pelas exportações e estimulando também as atividades correlatas.

O fluxo cambial, que expressou extraordinário movimento de saídas líquidas de recursos financeiros externos, emite sinais de redução considerável e até se revela positivo como decorrência de saldos positivos comerciais decorrentes da balança comercial brasileira positiva.

Efetivamente, o Brasil sofreu enorme perda de atratividade decorrente da abrupta redução do juro que afastou os investidores estrangeiros rentistas, grande parte especulativos com base em recursos oriundos de “carry trade”, e não conseguiu construir a tempo outros focos de atratividade, como as privatizações, pela letargia do desenvolvimento dos programas e o retardamento das reformas imprescindíveis ao país.

E neste meio tempo, quando desenvolvia a estratégia do “câmbio alto e juro baixo” foi “atropelado” pela crise da pandemia e assim tornou inviável a construção da atratividade para os investidores externos em investir na nossa infraestrutura e, ao mesmo tempo, com o “câmbio alto e juro baixo” estimular os investimentos internos por parte do setor privado potencializando-o, preferencialmente, para atividades focando o comércio exterior, mas também para o mercado interno na medida em que haveria o encarecimento do produto importado grande fomentador da desindustrialização ocorrida no país.

Os IED´s caíram substancialmente no país.

Parece que os malefícios mais relevantes de influência no câmbio foram superados e a penalidade foi a perda de credibilidade e o preço da moeda aproximar-se aos R$ 6,00, que acendeu o “alerta do BC” que emitiu “avisos” mais contundentes de que poderia usar as reservas cambiais, o que era uma obviedade mas que foi destacada, e uma ação mais incisiva, sem ser extraordinária, com foco na formação do preço da moeda.

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Parece que os malefícios mais relevantes de influência no câmbio foram superados (Imagem: Agência Brasil/ Marcello Casal Jr)

Evidentemente, o Brasil tem reservas cambiais que o tornam bem defendido na questão cambial, não sendo plausível o grau de descrença que foi atingido.

A taxa cambial ao longo do mês de maio apresentou enorme volatilidade e por fim um viés de baixa, muito sugestivo de intervenção sutil da autoridade monetária no mercado, contudo, agora, há um fator que tem enorme influência na formação do preço que é o psicológico que emana das tensões políticas com incitação popular e isto cria “medos e temores” e impacta no câmbio mais do que o fluxo cambial.

Estava tão intenso que o preço da moeda americana no Brasil tinha comportamento inverso ao das demais moedas emergentes latinas que repercutiam a fragilização do dólar no mercado internacional e o real mesmo assim se depreciava.

Ontem, tivemos um “hiato” nas tensões políticas, embora ainda perdurem temas conflituosos e novos parecem emergir, e o real assumiu a sinergia perdida em relação às demais moedas emergentes latinas e ao dólar no mercado internacional e acentuou a apreciação, resgatando inclusive o comportamento atípico dos últimos dias quando teve comportamento assinérgico, por isso a valorização foi quase o dobro das demais emergentes.

O mercado internacional considerou a retomada de compras de soja americana pelos chineses como uma distensão nas desavenças recentes com os Estados Unidos, impactando na desvalorização do dólar no mercado internacional, mas este embate deve ter outros “rounds”, pois o conflito faz parte da campanha eleitoral de Trump.

O BC vem mantendo níveis de rolagem e eventuais ofertas de liquidez ao mercado de câmbio, mas o fator determinante da ausência sustentável de tendência é efetivamente política.

Em perspectiva há a tendência de mais um corte na SELIC reduzindo-a a 2,25% e isto poderá precipitar problemas com a rolagem da dívida brasileira, e, naturalmente poderá impor forte pressão de depreciação da moeda nacional frente à moeda americana, que agregada a uma cena política eventualmente mais tensa poderá tornar mais forte esta pressão. Face à isto é relevante o ajuste que ocorre no momento.

Em razão disto, já há inúmeras instituições que não estão tão aderentes a ideia de novo corte no juro.

A B3 tem desenvolvido seus pregões com alheamento ao quadro político, e embora o cenário prospectivo da economia brasileira não seja dos mais alvissareiros, há sinais de que investidores estrangeiros, em especial bancos, estão pinçando oportunidades no nosso mercado acionário e isto pode impulsionar seus volumes e alargar a base de papéis que podem dar sustentação à recuperação.

Entretanto, ainda não há ambiente para explosivas projeções, mas se sustentar o viés de recuperação já será muito importante.

O Brasil na realidade não sabe em que fase está da crise da pandemia do coronavírus e o governo não sabe se terá condições de dar suporte adequado e o mercado financeiro convive com um contexto bastante novo, em especial com o juro baixo, e procura se amoldar, mas há variáveis ainda não totalmente dominadas.

Por isso, não há tendências sustentáveis no todo, e, ainda que desejável não haja como o mercado financeiro conduzir os negócios negligenciando a visão sobre as tensões políticas, em especial no câmbio, mas o alinhamento rigoroso com o exterior é o responsável pela apreciação do real, que assim corrigiu, inclusive, as distorções anteriores.

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