Opinião

Sidnei Nehme: “Coquetel” de intervenções do BC no câmbio tem baixo efeito, falta diagnóstico!

29 ago 2019, 15:32 - atualizado em 29 ago 2019, 15:32
Colunista critica atuação do Banco Central sobre a cotação do dólar em relação ao real

Nem sempre a força e a diversidade de formas é a melhor solução para problemas pontuais, sendo somente, por vezes, uma questão de jeito e intensidade após um correto diagnóstico sobre a causa.

Portanto, a atitude do BC “atirando para todos os lados” acaba por gerar causas e efeitos contraditórios entre si e conduzir o esforço à inércia.

O mercado cambial brasileiro vem sofrendo efeitos de uma mudança estrutural relevante, algo que altera o quadro antecedente nos últimos 10 anos.

O país está num momento de baixíssima atratividade externa e isto repercute em números ao revelar uma diferença para pior de quase US$ 30,0 Bi no fluxo cambial no confronto entre 2018 e 2019, o que não é pouco. E, esta situação se configura praticamente irreversível na medida em que há uma acentuada aversão ao risco no cenário global, como consequência da “guerra comercial” entre Estados Unidos e China, com repercussões negativas consideráveis e retração da atividade econômica global.

A falta de atratividade externa que frustra a muitos, mas tem consistente fundamentos, tem origem na inércia da atividade econômica que se acentua desde 2014 e deu origem à crise fiscal e incapacidade do governo de implementar investimentos, assim acompanhado pelo setor produtivo, que convive com grande capacidade ociosa e estoques, desmotivado para investir, e, desta forma, gerando desemprego massivo e como consequência queda de renda e consumo.

A inércia da economia “destrói” as pressões inflacionárias e desta forma se vislumbra a possibilidade de uma drástica redução da taxa de juro SELIC, que pela vez primeira tem um viés de forte aproximação com a taxa de juro externa, e isto fortalece mais ainda a retração do capital externo especulativo, pois inviabiliza as denominadas operações de “carry trade”, e assim nem mesmo os especuladores direcionam recursos ao país.

A proximidade da taxa interna e externa num ambiente de fluxo cambial negativo, ambos os fatos estruturais novos no contexto atual, acabam por impactar na taxa do cupom cambial (taxa de juro em dólar no país) e por consequência pressionam a taxa cambial no mercado à vista, conduzindo ao risco da disfuncionalidade.

Então, mesmo o país tendo uma situação extremamente confortável na questão cambial face à expressiva dimensão de suas reservas cambiais, há um “nó”, um “corner” operacional no mercado, nem sempre bem entendido pela grande maioria da população, um tanto quanto alheia aos meandros operacionais do câmbio, que vão muito além da compra e venda em sí.

Mas há um contraditório entre quando se ostenta a grandeza das reservas cambiais e quando se coloca a possibilidade de utilizá-las nos momentos em que se faz necessário, havendo como que um constrangimento, diríamos até mesmo pela autoridade monetária, já que as repercussões na sua grande maioria não são de entendimento e sim, ainda que carentes de fundamentos, de críticas.

Cada ação do BC, cada instrumento utilizado, causa repercussões nos vetores que compõe e influenciam a formação do preço da moeda americana.

Por isso, a intervenção do BC se sugere estratégica, “cirúrgica” mesmo, com diagnóstico pontual de quem tem a visão ampla do que ocorre no mercado e seus volumes, razão pela qual transparece estranha uma ação diversificada, tal qual um “coquetel”, que tende a impactar em inúmeros vetores que até se contrapõe entre si e a resultante acaba por tornar-se praticamente nula.

Ontem, o preço da moeda americana ficou estável no entorno de R$ 4,15, deixando a impressão de que os “players” do mercado criaram um hiato para tentar entender o que objetivava a autoridade monetária com a intempestiva intervenção com 4 tipos de operações.

No nosso entender, a mudança estrutural havida e que deve ter continuidade elevou o patamar da taxa do dólar no nosso mercado, já não sendo possível projetar-se a taxa de R$ 3,75/R$3,80 para o final do ano, que também foi a nossa projeção até recentemente, mas provavelmente o ponto de equilíbrio atual esteja em R$ 4,00 em linha com os fundamentos, sendo a diferença para R$ 4,15 consequente da disfuncionalidade presente, que precisa ser corrigida.

Um ponto se sobressai, taxa de juro SELIC mais baixa taxa cambial mais elevada, e esta percepção pode influenciar as decisões do COPOM, visto que é questionável que a redução da taxa SELIC venha a motivar investimentos no momento atual, mas pelo contrário motivará a troca de dívidas externas por dívidas internas, o que pressionará ainda mais o câmbio já com fluxo cambial debilitado, afora os efeitos no custo do cupom cambial.

A percepção imediata é de que o impacto maior tem como epicentro de todas as demais reações a queda acentuada do fluxo cambial (US$ 30,0 Bi), e, então o diagnóstico, no nosso entender, imediato é simplesmente o BC vender dólares das reservas cambiais para suprir o desequilíbrio do mercado, que revela que os bancos estão com posições vendidas no câmbio (a descoberto) em torno de US$ 30,0 Bi, ancoradas parcialmente em linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra concedidas pelo BC.

Quando sobra no fluxo se acumula como reservas, quando falta estas devem ser usadas para corrigir o desequilíbrio.

O fluxo cambial neste mês até o dia 23 está negativo em US$ 3,4 Bi.

Parece simples assim, e por este princípio entendemos deva ser a ação de intervenção mais contundente e sem constrangimentos do BC, e neste momento somente com venda de dólares à vista.

Vender dólares à vista no mercado em ofertas contundentes, algo em torno da diferença entre as posições vendidas dos bancos e o total de linhas de financiamentos em moeda estrangeira concedidas, cobrindo totalmente o “gap” de possível carência.

Hoje o BC repete “mais do mesmo” e oferta US$ 544,0 M à vista e combina com o mesmo valor em oferta de swaps cambiais reversos, que entendemos não ser apropriado.

Hoje podemos ter o “agregado efeito tão somente psicológico” da “quase” moratória da Argentina que está propondo e anunciando alongamento dos prazos para pagamento de sua dívida, sem alterar montantes e condições remuneratórias, numa clara “subida do gato ao telhado” para descer no próximo governo, e, embora não haja razões para qualquer contaminação cambial entre o Brasil e a Argentina, não se pode descartar alguma tentativa especulativa, embora a situação argentina fosse amplamente conhecida e o desfecho esperado. Em nossa opinião não deveria ocorrer repercussões no Brasil.

Mas, há o fato positivo em torno do PIB brasileiro, que acreditamos até surpreenda as projeções amplamente pessimistas existentes.

O Produto Interno Bruto (PIB) nacional cresceu 0,4% no segundo trimestre de 2019, frente ao trimestre anterior. O resultado foi puxado, principalmente, pelos ganhos da indústria (0,7%) e dos serviços (0,3%). Já a agropecuária caiu 0,4%. Na comparação com o 2º trimestre de 2018, o aumento foi de 1,0%. As informações, que fazem parte do Sistema de Contas Nacionais Trimestrais, foram divulgadas hoje pelo IBGE.

O consumo das famílias, a despeito do expressivo desemprego com impacto na renda e no consumo, cresceu 1,6% e a FBCF (formação bruta de capital fixo) evoluiu surpreendentes 5,2%.

Este fato pode dar certo alento no ambiente de forte desalento presente, o mercado deve repercutir positivamente, até marginalmente no preço do dólar.

No mercado global o “vai e vem” entre a China e Estados Unidos continua e serve para provocar mutações nos comportamentos dos mercados, mas, certamente, todos sabem que esta não é uma questão para soluções consistentes e confiáveis no curto prazo.

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