Sidnei Nehme: Alta do dólar tem fatores internos
Por Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da NGO
Muitas hipóteses levantadas para a forte apreciação do preço do dólar no nosso mercado cambial, mas as evidências são bastante questionáveis e deixam inconsistentes as hipóteses e suas premissas.
A desvalorização do real atingiu 2,5% e o preço do dólar atingiu R$ 3,918 ou em torno disto, e, atribuir-se a fatores externos não encontra correspondência nos fatos, visto que o Índice Dólar frente a cesta de seis moedas fortes valorizou-se tão somente 0,50%, no mesmo percentual frente ao peso colombiano e 1,10% frente ao peso mexicano, e, sabidamente o Brasil tem contas externas e situação de conforto em torno de suas reservas cambiais mais consistente do que Colômbia e México.
Então, não é por aí que se vai encontrar justificativa para o fato ocorrido.
O BC anuncia para hoje um leilão de linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra de US$ 2,0 Bi e o mercado em sua grande maioria está entendendo que seja para conter a alta ao promover liquidez no mercado à vista.
Se a causa foi uma pressão de demanda maior, o BC não divulga no dia o volume negociado no dia anterior, então a culpa da “surpresa” é do próprio BC por ser tardia na oferta de linhas de financiamento.
E, por que? No seu relatório de fluxo cambial divulgado em 9/11 os bancos já evidenciavam posição vendida consolidada de US$ 6,287 Bi e havia um estoque “em ser” de linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra fornecidas de US$. 1,250 Bi, o que deixava aquela posição liquidamente descoberta em US$ 5,037 Bi. Em 16/11 a posição vendida consolidada estava em US$ 6,810 Bi com o mesmo estoque “em ser” de linhas de financiamento, o que mantinha a posição liquidamente descoberta em US$ 5,560 Bi.
O fluxo financeiro negativo até 16/11 sinalizava saídas de US$ 2,231 Bi, o que não representava um volume representativo. Contudo, tanto em 9/11 quanto em 16/11 em nossos Boletins FLUXO CAMBIAL salientamos que havia indicação para oferta por parte do BC de linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra, pois seria previdente para manter o mercado a vista liquido.
Desta forma, o que se verifica é que a autoridade monetária se faz tardio na sua atuação pró liquidez do mercado de câmbio à vista. Precisaria ter sido pró ativo e não o foi e agora o faz com volume bastante discreto, embora não haja clareza se o montante que estará sendo ofertado hoje envolve a rolagem do lote de US$ 1,250 Bi “em ser” vincendo no próximo dia 4.
Fatores outros externos como a questão União Europeia/Brexit, China/Estados Unidos, reunião do FED, não são a rigor fatos novos para determinar este impacto, e se assim fossem o Índice Dólar teria repercutido com maior intensidade, da mesma forma as repercussões sobre o peso colombiano e o peso mexicano. A desvalorização do real foi na linha do peso argentino, e não há como se confundir a situação da Argentina e Brasil.
Então, nos parece ser mais sensato observar-se o clima interno do país.
O novo governo Bolsonaro a ser empossado parece estar definindo bem o seu Ministério, não havendo desapontamentos por parte do mercado financeiro, havendo críticas pelos setores opositores contumazes sem peso de influência, então não se pode agregar este ponto como fator de impacto.
Há expectativas em torno da cessão onerosa, havendo estratégia sendo desenvolvida pelo governo para que possa ser definido sem a intervenção do Congresso, e então este fato pode ter algum ponto estressante.
Mas, resumindo um “olhar mais cético” sobre o contexto geral tudo conduz a forte possibilidade dos especuladores “comprados” no mercado de câmbio futuro, como mencionamos ontem, estarem ardilosamente articulando a fomentação da somatória de todos os fatores externos e internos, para alavancar uma pressão especulativa agravando o prêmio de risco na formação do preço da moeda americana no nosso mercado, e com isto lograrem a redução dos seus prejuízos sobre suas posições “em ser” já que na próxima sexta feira, dia 30, será fixada a taxa referencial Ptax para ajuste das posições.
No centro da questão que ancora a revigoração da pressão especulativa está a crise fiscal brasileira, para a qual ainda não há uma linha programática de superação por parte do novo governo, por isso a cessão onerosa ganha ênfase, e quando se foca a necessária Reforma da Previdência não é possível vê-la consumada tão rapidamente quando necessária e desejada.
A crise fiscal é neste momento um divisor relevante, tanto o preço do dólar depende da descontaminação do prêmio de risco que este fato agrega, bem como a Bovespa, que depende da dinâmica da atividade econômica para ter alta sustentável.
Não acreditamos que o movimento especulativo retomado tenha condição de prosperar, o país não tem o mínimo risco de ter crise cambial, e o BC como sempre salientamos tem plenas condições de atender toda e qualquer demanda por liquidez, embora neste momento tenha ocorrido um relevante vacilo ao se tornar tardio numa ação operacional que deve ser sempre previdente, para não dizer “profilática”.
A nossa perspectiva para o final do ano é do dólar cotado entre R$ 3,70, se já houver alguma definição mais consistente com foco na superação ou equacionamento da crise fiscal, até R$ 3,75.
As alegações de saídas fortes, aversão ao risco, etc… são colocações típicas e comuns em circunstâncias que não tem clareza, sancionando sempre a visão errática contumaz de que o problema está lá fora e não aqui.
Na próxima semana quando for divulgado o fluxo cambial devemos observar se no dia 26/11 houve a “grande” saída de recursos estrangeiros no país, que provavelmente não se confirme como habitual.