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Sidnei Nehme: A máxima prevalece – real é bom para especular e não é reserva de valor

25 set 2019, 6:57 - atualizado em 25 set 2019, 6:57
(Imagem: Pixabay)

Por Sidnei Nehme, Economista e Diretor-Executivo da NGO Associados Corretora de Câmbio

O “velho sonho” brasileiro, sempre externado pelos Ministros da Fazenda, é ter o real como moeda conversível, algo ainda bastante distante, mas sempre acalentado.

O ex-Ministro Mantega ao perceber o volume de giro de operações derivativas com o real no mercado internacional emitiu o arroubo de que estávamos próximos de ter o “real conversível”, e assim se seguiram outros e mais recentemente o Presidente do BC, Campos Neto, também emitiu este anseio não rigorosamente com as mesmas palavras e não com o mesmo fundamento, sim anseio porque a realidade continua dando mostras de que o nosso Real é uma moeda excelente para “especular” dispondo de um mercado de derivativos sofisticado e não para “reserva de valor”, o que a faz ser frágil, vulnerável, mutante e insegura em suas relações paritárias, mesmo com o país detento soberbo volume de reservas cambiais em estoque e, atualmente, um CDS excelente, juro baixo e inflação baixa, mas ainda falta muito para que este “sonho” se aproxime minimamente da realidade, fortemente afetada pelo mercado de derivativos, que acaba por ser o formador de seu preço frente ao dólar.

O BC fez revisão de dados estatísticos desde 2015 do setor externo e identificou inúmeras incorreções, que tornaram os resultados piores do que anteriormente divulgados. Iniciativa muito boa, mas ainda há procedimentos em especial em torno dos CBE’s, que são declaratórios e que precisam de melhor acurácia nos registros, até para fundamentar os retornos e rendimentos, mas certamente a autoridade deve evoluir nesta direção, provavelmente até desburocratizando alguns procedimentos.

Vale lembrar sempre o crasso erro cometido com a extinção da vinculação operacional via SISBACEN, que atualmente poderia simplificar em muito o ato de contratação do câmbio e o cumprimento das normas de “compliance” de forma objetiva e precisa, hoje um complexo emaranhado de normas e procedimentos.

Os números recentes revelam que nos últimos 12 meses até agosto houve saídas líquidas de US$ 3,6 Bi de portfólios negociados no mercado doméstico, com destaque para saídas de US$ 6,6 Bi, sendo US$ 3,4 Bi em ações e fundos de investimentos e o restante em títulos da dívida pública, em agosto. No ano, até agosto, a entrada líquida atinge a US$ 7,5 Bi decorrentes dos fluxos positivos de US$ 8,1 Bi em títulos da dívida.

O déficit em transações correntes nos últimos 12 meses, base agosto, soma US$ 33,9 Bi, 1,84% do PIB, ante o déficit de US$ 31,3 Bi, 1,70% do PIB, base julho, ainda não preocupante mais com viés de alta.

No ano as exportações caíram 5,8% e as importações 2,3% resultando em superávit de US$ 27,2 Bi abaixo dos US$ 33,4 Bi observados no mesmo período em 2018.

Os IDP´s no ano acumulam US$ 41,2 Bi líquidos, 10,5% inferiores aos US$ 46,0 Bi do mesmo período em 2018.

“Números falam” e indicam as razões efetivas do país estar com fluxo cambial negativo e há clara evidência de que nem a renda fixa e nem a variável despertaram atratividade ao capital estrangeiro, e isto decorre do estreitamento acentuado da taxa de juro interna com a externa provocando o desinteresse para o investimento rentista e inviabilizando totalmente os fluxos especulativos oriundos de capitais forjados a partir de operações de “carry trade”, e, naturalmente, a inércia da economia provocou a falta de apelo fundamentado para os investimentos que se esperavam na Bovespa.

Há um clamor por juros cada vez mais baixos, com projeções de SELIC até de 4,5%, mas há em contrapartida um “preço” elevado para o país nas consequências no mercado cambial e do setor externo.

E, o pior, não se observa possibilidade de recuperação deste quadro tão cedo, muito pelo contrário, tende a piorar no curto prazo, mantido o viés de mais redução da taxa SELIC postulado pelo mercado.

Entretanto, acreditamos que o BC/COPOM para sancionar novas reduções deve considerar com rigor os impactos no câmbio, o que foge à percepção da grande maioria que só correlaciona SELIC com inflação.

No limite da ousadia, não se descartaria o fortalecimento da percepção de que o quadro brasileiro no momento tem um “corner” que impõe a manutenção ou, por mais contraditória que possa parecer, mesmo elevação da taxa SELIC, que resultaria maior benefício imediato do que a sua redução, mas isto seria de difícil compreensão geral.

Contudo, como salientamos no início do post, o Real é bom para especular, então, os estrangeiros não trazem recursos, mas se fazem presentes aqui e no exterior nos mercados derivativos envolvendo a nossa moeda nacional e “especulam” fortemente provocando movimentos mutantes e intranquilizadores para a economia brasileira, mas com o respaldo da segurança de que o país tem “lastro” para não ter crise cambial, diferentemente de outros emergentes.

Este quadro adverso é impositivo a que o Brasil acentue a percepção das oportunidades que surgirem dentro da crise global que tem o epicentro no embate China e USA, e que busque “reinventar-se” para criar atratividade e isto, como temos salientado, poderá vir com as privatizações e abertura aos estrangeiros de oportunidades de investimentos na infraestrutura brasileira extremamente carente, neste momento em que praticamente não há oportunidades para rentabilidade nos mercados financeiros globais.

Neste momento, continuamos com a convicção de que no mercado de câmbio o BC deveria dar continuidade a rotina das rolagens contumazes, agregando tão somente o suporte da liquidez com oferta de dólares à vista no mercado à vista, sem ancorar a taxa cambial com operações de swaps cambiais reversos.

Com este quadro de baixíssima perspectiva de recuperação de fluxo cambial no curto prazo, a questão que se faz presente de forma perturbadora é:

“ATÉ QUANDO O BC PRECISARÁ MANTER A INTERVENÇÃO NO MERCADO DE CÂMBIO COM OFERTA DE DÓLARES À VISTA?”