Money Times Entrevista

Shein critica jabuti que ameaça isenção dos US$ 50; ‘somos contra não colocar o consumidor no centro’, diz executiva

16 maio 2024, 16:35 - atualizado em 16 maio 2024, 16:35
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Anna Beatriz, diretora de relações governamentais da Shein, critica o jabuti incluso no PL do Mover (Imagem: Divulgação/Shein)

A Shein é crítica do parecer que pede o fim da isenção do imposto de importação nas compras de até US$ 50, incluído no projeto de lei que institui o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover). A diretora de relações governamentais da companhia, Anna Beatriz Lima, defende que o jabuti não é o caminho para resolver a questão.

No jargão político, jabuti é o nome dado às propostas em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado que não têm relação com o texto original.

O imbróglio em torno da isenção do imposto de importação para remessas internacionais parece não ter fim. Desde 2023, o assunto está em alta e o Programa Remessa Conforme (PRC), criado pelo governo para regularizar esta isenção, é alvo constante do varejo nacional, que aponta os benefícios concedidos como concorrência desleal e buscam isonomia tributária.

Vale lembrar que a isenção do imposto de importação para remessas internacionais é válida para compras de até US$ 50 em empresas habilitadas no PRC, tendo incidência de 17% de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

Em entrevista ao Money Times, a diretora de relações governamentais da Shein defendeu que a inclusão do jabuti no projeto Mover não é a forma adequada de tratar um tema “tão sensível, uma política pública tão importante e tem um impacto imediato de 92% de carga tributária”.

Lima apontou ainda que a companhia não é contra a taxação, mas, sim, contra não colocar o consumidor no centro. Nesse sentido, destacou que os consumidores das classes C, D e E seriam os mais prejudicados com uma carga tributária de 92%, visto que somaria 60% do imposto de importação à cobrança do ICMS por dentro e por fora.

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Veja a entrevista com Anna Beatriz Lima, diretora de relações governamentais da Shein

Money Times: Qual o impacto que a Shein estima para o consumidor com o fim da isenção do imposto de importação até US$ 50?

Anna Beatriz Lima: Eu já começo trazendo o peso dos 92% de carga tributária. Esse é o impacto. A decisão que está sendo tomada, na forma como está sendo tomada dentro desse jabuti, torna tudo binário. 

Ou tem isenção, ou tem uma carga de 92%. Você não tem um meio-termo, não tem um debate, não tem um diálogo, não tem a construção de uma solução equilibrada, muito menos uma segurança jurídica. 

A forma como está sendo trabalhado o assunto, fora do local em que deveria estar sendo discutido de fato. Afinal, o Congresso está há dois anos discutindo um projeto de lei sobre isso, fez audiência pública, fez estudo, reuniões com a Receita Federal, com o Ministério da Fazenda. Ou seja, tem uma estrutura e inteligência por trás dessa análise para criar uma política pública eficiente, e do dia para a noite decidiram que era melhor colocar um jabuti para resolver logo isso. 

Não está certo, não é a forma adequada de tratar um tema tão sensível, uma política pública tão importante e tem um impacto imediato de 92% de carga tributária. 

E aí vem a pergunta, quem paga 92% de carga tributária hoje no Brasil? Não tem como a gente fazer uma discussão tão polarizada em tempos em que não queremos mais polarização.

MT: Qual a participação da Shein nas discussões do Remessa Conforme e na isenção do imposto de importação?

AL: Essa discussão acontece desde julho de 2022, quando estabelecemos a área [de relações governamentais] aqui no Brasil. Participamos, desde então, de um grupo de trabalho que rediscute as normas de e-commerce com a Receita Federal, tanto que participamos ativamente da construção do Remessa Conforme. Muita coisa foi pontuada por nós.

O próprio Remessa Conforme ainda passa por melhorias. A proposta é ser um programa de conformidade — ou seja, ele se adapta e se adequa às necessidades do mercado. É algo muito prematuro ainda, mas que já surte excelentes resultados e, desde então, fazemos parte disso, não à toa fomos a primeira empresa a subscrever o programa, a entrar no programa, a coletar tributos no programa. Eu me orgulho de o primeiro pacote entregue dentro do Remessa Conforme ter sido o nosso.

Isso mostra o quanto valorizamos o que estamos construindo e o quanto é genuíno o trabalho de diálogo e transparência com o governo federal.

Desde então, temos, inclusive, falado sobre a importância de um equilíbrio de mercado, de uma discussão que acomode, ao mesmo tempo, o interesse da população – e estamos falando aqui de 90% de classe C,D e E, então, é essa a população que vai ser impactada – e o interesse do mercado nacional, afinal a empresa [Shein] hoje é uma empresa com DNA nacional.

Sabemos o que estamos discutindo. A gente sabe o nível de equilíbrio que podemos tentar propor, tentar construir. Quando começou essa discussão da tributação, um dos pontos que sempre levantamos é que, hoje, esse programa existe para reduzir os custos da Receita Federal, mas, ao mesmo tempo, acontece para incentivar o consumo de produtos globais, produtos que talvez você não encontre aqui, ou por falta de produto similar, ou por falta de qualidade, ou por preço mesmo.

É para isso que serve esse programa, para dar condições de acesso a quem não conseguiria acessar produtos nacionalmente. Quase como aquela pessoa da classe A e B que pode ir para os Estados Unidos comprar seus produtos de mil dólares, compra mais produtos de 500 dólares e chega no país com 1.500 dólares totalmente isentos.

Esse é o programa do de minimis [termo para a isenção dos US$ 50] que existiu para você criar essa condição de acesso. No Brasil, ele se traduz ainda em outra camada: quem não pode ir para o exterior – e a gente sabe quem não pode ir – utiliza desse mecanismo para acessar o bem, o produto que ele precisa e que não está disponível para ele aqui.

Então, quando a gente traz isso para essa discussão, tem que procurar uma solução equilibrada, que traga segurança jurídica, mas que também contemple quem está comprando.

Quando a gente vem fazendo esse trabalho nos últimos dois anos, estamos falando muito sobre isso, não é que a Shein é contra a taxação, a Shein é contra não colocar o consumidor no centro, e isso tem que ser feito e pensado para eles.

MT: A Shein tem diálogos com o varejo nacional?

AL: A gente dialoga com o varejo, mas um ponto importante é que essa se tornou uma discussão polarizada e não é o que queremos. A gente quer buscar o meio do caminho e uma solução equilibrada.

A discussão polarizada na forma como está hoje não é boa, não traz um resultado e a gente vai continuar se digladiando sem encontrar o meio do caminho. Então, esse é o primeiro ponto.

O fato de sermos uma empresa hoje com quase 60% da receita vinda de produtos nacionais demonstra o quanto já conhecemos do mercado brasileiro. Sabemos que uma discussão de alíquota não é simples, ainda mais se você quiser pegar uma média do que o varejo hoje é tributado.

A gente sabe que o varejo hoje desfruta de vários benefícios, isenções, créditos, conciliação de contas. Tudo isso faz uma diferença na alíquota final do preço do produto. O nosso caso é diferente, o consumidor paga o alíquota na ponta, integralmente.

Então, o que a gente vem trazendo, inclusive nesse âmbito do diálogo, é que precisamos tentar encontrar uma solução que seja meio do caminho. Uma solução binária não é boa para ninguém.

A gente está falando aqui de pensar um mercado onde o maior problema não é a compra internacional. É o custo Brasil, a informalidade, o crédito, o acesso ao crédito e o rotativo do cartão de crédito. Problemas esses que duram anos e que são muito maiores no impacto do negócio deles [varejo nacional] do que eu [Shein].

Segundo os dados da própria Receita Federal, eu represento menos de 2% do mercado. Extinguir 2% não vai trazer a solução para um mercado que precisa de coisas maiores para poder conseguir atingir níveis ainda melhores de eficiência.

O que a gente está propondo aqui enquanto empresa é olhar para os dois problemas simultaneamente. Sendo eles a solução justa e equilibrada desse lado, na questão da importação, mas ao mesmo tempo buscar mecanismos que equilibrem e tragam mais eficiência para quem está produzindo e vendendo dentro do Brasil. A começar a olhar pela informalidade.

MT: Existe uma proposta da Shein para toda essa discussão?

AL: É difícil falar em propostas de forma concisa porque a gente conversa com vários agentes públicos e o nosso papel aqui é de informar e trazer clareza. Mas dentro desse papel, entendemos que o justo é procurar beneficiar a classe C, D e E da mesma forma que é beneficiada a classe A e B.

Se A e B têm direito a comprar mil dólares por viagem, por que a gente não transforma esses mil dólares de viagem num benefício anual para essas classes e equilibra isso? Esse é um ponto para ser discutido.

Outro ponto importante para ser discutido: qual é a alíquota justa? Essa discussão, inclusive, fazemos abertamente em diversos outros mercados.

Imagina que uma empresa do tamanho da nossa não está passando só por isso no Brasil, estamos passando por isso em vários outros locais. Um local onde temos discutido isso de forma serena, inteligente e com muita perspicácia na análise do dado é o próprio Chile.

A solução pode acontecer desde que todos os lados estejam dispostos a procurar um equilíbrio e não uma vantagem um sobre o outro.

MT: Uma mudança na isenção do imposto pode mudar os planos da Shein no Brasil?

AL: Não muda. A gente se preocupa bastante com o impacto no internacional, sobretudo o impacto de quem compra, mas o nosso compromisso é genuíno, é firme. Inclusive, estamos em processo de expansão do nacional.

Hoje, a nossa atividade de marketplace centralizada no estado de São Paulo não é mais só no estado de São Paulo, a gente expandiu para Rio de Janeiro e outros estados até o final do ano. Isso prova o quanto a gente acredita no potencial do mercado nacional, então, não muda.

  • Diretor de marketplace da Shein conta planos de expansão da empresa no Brasil: Veja a entrevista completa: 

MT: De que forma a Shein se prepara para mitigar os impactos que o fim da isenção poderia causar?

AL: Eu acho que antes de falar em mitigação, a gente tem que falar no trabalho preventivo, que é o que estamos fazendo.

A gente ainda acredita que tem muito espaço, não está decidido. O jabuti precisa ser revisto, ele precisa ser entendido e a gente ainda acredita que tem muito espaço para construir a partir daqui.

Um segundo ponto extremamente importante é que, quem define a alíquota do imposto de importação é o poder executivo federal, é o governo federal. Então, a gente ainda passa por um segundo momento de discussão dessa alíquota, tudo isso para depois avaliar o que é possível se fazer.

Mas, o que de antemão dá para a gente trazer é que 92% é uma carga tributária muito alta, ninguém paga isso hoje no Brasil. É difícil você encontrar uma empresa que arque com os 92% e a gente já falou sobre isso anteriormente.

A empresa não pode arcar com 92%. Mas antes de chegar nisso, temos um caminho muito longo pela frente de buscar uma justiça e um equilíbrio tributário.