Shein acabará com ações de varejo no Brasil? Saiba separar oportunidades do risco
Se você é jovem, provavelmente já ouviu falar e já até consumiu na Shein. Caso tenha uma idade um pouco mais avançada, provavelmente ficou sabendo da companhia através das notícias que circularam na mídia ao longo dos últimos dias.
Para quem não sabe, a Shein é uma empresa de moda online com sede na China que ganhou popularidade no Brasil e em outros países por sua abordagem de venda de roupas e acessórios a preços acessíveis, seguindo as últimas tendências de moda.
Embora alguns digam que o mercado consumidor da companhia esteja mais concentrado nas classes sociais de mais baixa renda, a verdade é que a companhia chinesa virou febre em todas as faixas de renda. Alguns motivos podem explicar como em tão pouco tempo a Shein ficou tão popular por aqui:
- Preços competitivos: a Shein é conhecida por oferecer produtos de moda a preços muito competitivos. Isso atrai consumidores brasileiros que buscam opções de moda acessíveis e econômicas, especialmente em um mercado onde o preço é um fator importante para muitos consumidores.
- Variedade de produtos: a empresa oferece uma ampla variedade de produtos de moda, incluindo roupas femininas, masculinas e infantis, acessórios, calçados e itens de beleza.
A diversidade de produtos disponíveis no site da Shein pode atender a diferentes preferências e estilos de moda, o que atrai uma ampla base de consumidores no Brasil.
Estimativas apontam que a quantidade de SKU (unidade de manutenção de estoque) lançado mensalmente pela companhia equivale ao somatório dos SKUs de grande parte das varejistas de moda brasileiras.
Além disso, vale mencionar também outras características, como as tendências de moda atualizadas, experiência de compra online com um aplicativo intuitivo, marketing digital eficaz, entre outros.
Shein taxada pelo governo
Mais recentemente, a companhia se viu no centro de uma discussão na esteira do projeto do arcabouço fiscal, que busca aplicar medidas para recuperação da base fiscal do país.
Dentre as medidas apresentadas, o governo ventilou a hipótese de acabar com o benefício fiscal para importações de pessoas físicas cujo valor da compra seja abaixo de US$ 50 – para compras acima de US$ 50, o imposto é de 60%. Pelas contas do Ministério da Fazenda, essa cobrança poderia injetar cerca de R$ 8 bilhões aos cofres públicos.
De bate-pronto, a sinalização de que as importações realizadas pelas pessoas físicas seriam taxadas independentemente do valor de compra promoveu uma reprecificação nas varejistas locais, que vêm apresentando números ruins nos últimos trimestres em função do cenário macroeconômico desafiador, do acirramento da competição e do aumento do custo de matéria prima.
No dia, Lojas Renner (LREN3) subiu 9%, Guararapes (GUAR3) 9% e C&A (CEAB3) 11%.
Poucos dias depois, após forte repercussão negativa com a medida proposta, o governo decidiu voltar atrás e, na sequência, a Shein anunciou que planeja investir US$ 150 milhões no país nos próximos anos para estabelecer uma rede com milhares de fabricantes do setor têxtil.
Dessa forma, o seu mix de produção para o país se alteraria bastante.
Enquanto atualmente 70% dos produtos vendidos no Brasil são fabricados na China e os 30% restantes vêm de parceiros brasileiros, a ideia é que até 2026, 80% dos produtos sejam fabricados localmente.
Ações de varejo
Se as varejistas locais haviam subido no dia da sinalização da retirada dos benefícios, elas devolveram todo o ganho com a retirada de pé do governo.
No ano, Lojas Renner (LREN3), Guararapes (GUAR3), Marisa (AMAR3) caem -27%, -35% e -52%, respectivamente, enquanto C&A (CEAB3) sobe +19%.
A pergunta que fica é: depois das quedas recentes, vale a pena se posicionar no varejo de moda brasileiro ou o fortalecimento das chinesas será uma pedra no sapato das empresas locais?
Existem bons argumentos para os dois lados.
Por um lado, existe uma série de dificuldade que as empresas enfrentam quando desejam entrar de fato no Brasil. Existem desafios legais devido a diferenças no sistema legal, requisitos de licenciamento e regulação de negócios estrangeiros.
Dificuldades fiscais devido à complexidade e altas cargas tributárias. Dificuldades logísticas em função da precariedade de nossa infraestrutura e das dimensões continentais do país, bem como desafios operacionais.
Além disso, embora o volume de investimentos anunciado pela Shein pareça robusto, na realidade é próximo do que varejistas como Lojas Renner e Guararapes investiram apenas em 2022. A primeira aplicou R$ 1 bilhão em capex, enquanto a segunda investiu R$ 600 milhões.
Ainda sobre o argumento em favor das varejistas locais, estima-se que os três principais players possuam aproximadamente 20% de participação de mercado, ou seja, dado que o mercado brasileiro de vestuário é altamente fragmentado, haveria espaço para outros grandes players coexistirem.
Dessa forma e dado o valuation que aparenta ser atrativo, vejo alguns analistas sugerindo o investimento nessas teses de investimento.
Vale a pena investir?
A outra linha de pensamento argumenta que a entrada das varejistas chinesas, a deterioração do cenário macroeconômico e as perspectivas negativas já são motivos suficientes para um cenário de desempenho ruim para as varejistas locais nos próximos meses. Essa é a minha linha de raciocínio.
Embora a instalação de fato das chinesas por aqui possa ser mais difícil do que parece, os próprios fundamentos locais me levam a crer que não é uma boa ideia o investimento nesse tipo de companhia para o momento.
Além disso, acredito que grande parte das estimativas de receita e lucro para essas companhias deverá ser revisada para baixo com o passar do tempo e com a divulgação dos seus resultados trimestrais. Afinal, além do operacional mais difícil, a inadimplência e a despesa financeira também deverão pressionar os seus números.
Pensando em termos de risco e retorno, entendo que outras empresas – que não atuam necessariamente no segmento do varejo – possuam características mais interessantes para o momento.
Minha preferência é por companhias que possuam uma maior resiliência no faturamento, vantagens competitivas perante seus competidores, boa governança corporativa, atue em um setor com boas perspectivas de crescimento e, se possível, esteja negociando a múltiplos atrativos.
Eu sei que não é fácil encontrar tamanha qualidade aliada a múltiplos atrativos. Mas a verdade é que de tempos em tempos o mercado abre esse tipo de oportunidade. Negociando a 18 vezes seus lucros, a Lojas Renner (LREN3) está ai para provar o meu ponto.
Forte abraço,
*Graduado em Engenharia Mecânica pela UFRJ e com MBA de Finanças pela mesma instituição, Fernando Ferrer atua na Empiricus como analista de investimentos há 5 anos. Atualmente, é responsável pela série best-seller As Melhores Ações da Bolsa e faz parte da equipe que comanda o Carteira Empiricus, o portfólio multimercado que é o carro-chefe da casa. Colunista da newsletter Day One, Fernando passou a integrar o time de colunistas do Money Times com sua série semanal Entre Altas e Baixas.