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Setor elétrico deve atrair novos ‘players’ com mudança em regra cambial para contratos

13 jan 2022, 11:12 - atualizado em 13 jan 2022, 11:12
Energia Eólica
Elétricas como Casa dos Ventos e Votorantim Energia, que já vinham estudando há anos a estruturação de contratos de energia (PPA, no jargão do setor) em moeda estrangeira (Imagem: REUTERS/David Gray)

Uma lei sancionada na virada do ano promete impulsionar grandes acordos de compra e venda de energia elétrica em moeda estrangeira –transações até então praticamente inexistentes–, abrindo caminho para a entrada de novos geradores e financiadores internacionais no setor elétrico brasileiro.

Elétricas como Casa dos Ventos e Votorantim Energia, que já vinham estudando há anos a estruturação de contratos de energia (PPA, no jargão do setor) em moeda estrangeira, estão de olho em novos negócios agora que o instrumento ganhou respaldo legal com o marco cambial sancionado em 30 de dezembro.

As novas regras cambiais permitem que contratos celebrados entre concessionárias de infraestrutura e multinacionais exportadoras, como Vale, Citrosuco e Alcoa, sejam pagos em moeda estrangeira.

Segundo executivos e especialistas, o setor elétrico deve ser o mais beneficiado pelo dispositivo, principalmente as grandes geradoras que têm fôlego financeiro para construir e operar usinas dedicadas ao consumo de energia de exportadoras.

“Projetos eólicos e solares têm um componente relevante de moeda estrangeira por causa dos equipamentos, às vezes até mais de 50%. Você precisa ter um mecanismo de hedge para cobrir as volatilidades cambiais, e isso é repassado ao consumidor”, avaliou Carlos Guerra, CFO da Votorantim Energia, empresa que tem quase 1 gigawatt (GW) de projetos eólicos operacionais e em construção no país.

“Agora o gerador vai poder ajustar uma parte do PPA a isso, financiamento também, e ter um hedge natural. A energia fica mais competitiva.”

Para Guerra, a estrutura é um “ganha-ganha”, já que permite ao exportador ter o custo da energia elétrica acompanhando sua receita.

“Estamos muito atentos, é uma demanda do mercado. Vemos isso dentro do Grupo Votorantim, temos exportadoras como CBA, Nexa e Citrosuco, em que a moeda funcional acaba sendo o dólar”, acrescentou ele, em referência à companhia de alumínio, à mineradora e à produtora de suco de laranja, respectivamente.

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Segurança Jurídica

Embora a lei com as novas regras cambiais só passe a vigorar em 31 de dezembro de 2022, a sanção no ano passado trouxe segurança jurídica para mais “players” atuarem com o esquema no setor elétrico.

Outra companhia que se prepara para oferecer o produto é a Casa dos Ventos, desenvolvedora e geradora eólica que tem entre seus clientes importantes grupos exportadores, como as mineradoras Vale, Anglo American, a petroquímica Braskem e química Dow.

“Já tínhamos a estrutura jurídica para dar robustez (aos contratos) pré-lei, já conversávamos com ‘players’ relevantes”, afirma Lucas Araripe, diretor de Novos Negócios da Casa dos Ventos.

Já na outra ponta, do consumidor de energia, a opção também ganha atenção. A Hydro, empresa norueguesa de alumina, disse à Reuters que vem notando um aumento da oferta desses contratos pelo mercado.

“Desenvolvimentos regulatórios recentes, acesso mais fácil ao financiamento em dólares e o fato de que uma grande parte das novas despesas de capital eólica e solar estão expostas ao dólar resultaram em um número crescente de geradores que oferecem PPAs em dólares”, afirmou em nota a Hydro Rein, unidade da companhia voltada para o desenvolvimento de novos projetos e soluções renováveis em energia.

“Isso significa mais investimentos no Brasil e maior descarbonização, aumentando o acesso do setor à energia renovável.”

O mercado brasileiro já tinha notícia da assinatura de alguns PPAs de energia em dólar antes da nova lei, mas a tese jurídica que se usava para validá-los era considerada complexa.

“As estruturas eram muito complexas, nem todos os ‘players’ tinham conforto em seguir. Com a nova regra, já temos recebido consultas de bancos e potenciais financiadores, e também de empresas geradoras que ainda não se estabeleceram no Brasil porque não queriam correr o risco cambial do equity”, afirma Pablo Sorj, sócio de Infraestrutura e Energia do escritório de advocacia Mattos Filho.

A agitação do mercado em torno da nova possibilidade também foi notada pelo Santander, que é líder global na assessoria de projetos renováveis.

“O que temos sentido dos casos que estamos trabalhando é que, só por essa razão (da lei), a quantidade de contratos que podem ser fechados e anunciados nos próximos meses tende a ser maior. Algumas das negociações tinham emperrado”, afirma Igor Fonseca, responsável pela área de project finance em energia do Santander.

De acordo com ele, o banco tem conversado com cerca de 35 instituições internacionais para financiamento de projetos renováveis no Brasil, entre bancos comerciais, instituições multilaterais, agências de promoção de desenvolvimento econômico e agências de crédito a importação.

“Vemos muita receptividade. Isso mostra que, apesar de todas as incertezas políticas e econômicas, ainda existem bolsos importantes com apetite e que podem ser abertos”, disse, acrescentando que o principal critério para a concessão do crédito é a qualidade do “offtaker” (consumidor) dos projetos.

O primeiro grupo a anunciar contratos de energia em dólar no país foi a Atlas Renewable Energy, empresa da gestora Actis. Foram duas transações envolvendo projetos solares, uma com a Anglo American e outra com a Dow. Em ambos os casos, foram contratados financiamentos em dólares.

No fim do ano passado, a AES Brasil anunciou seu primeiro PPA em dólar com a Alcoa. Com prazo de 15 anos, o acordo prevê o fornecimento de 150 megawatts (MW) médios de energia renovável a partir de 2024 e viabilizará a retomada da produção de alumínio da Alcoa no Maranhão.

Na época, a CEO da AES Brasil (AESB3), Clarissa Sadock, afirmou que o contrato abria uma nova “avenida” de negócios para a geradora.