Senadores questionam necessidade de votar PEC do orçamento de guerra
A chegada da chamada PEC do orçamento de guerra ao Senado, que permite que os gastos com o enfrentamento da crise do coronavírus sejam contabilizado à parte do Orçamento da União, trouxe dúvidas e questionamentos entre senadores.
Diante da desconfiança dos parlamentares, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) entrou em modo de espera no Senado, que decidiu em reunião de líderes deixar a sua deliberação para a segunda-feira da próxima semana.
Paira, entre os senadores, a pergunta sobre a real necessidade do instrumento para a liberação de recursos em um momento de pandemia, já que o Congresso aprovou o decreto de calamidade, que desobriga o cumprimento da meta fiscal deste ano para o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) e abre caminho para mais gastos com a epidemia.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), que preside a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, lembra ainda de decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que acatou pedido do governo e afastou obstáculos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) à expansão dos gastos públicos para conter a pandemia do Covid-19.
“Os problemas são três: a desnecessidade da PEC em relação a gasto imediato. O governo pode imediatamente pagar o voucher de renda emergencial porque já temos liberado o teto de gastos, a regra de ouro… então não haveria necessidade”, explicou a presidente da CCJ.
A PEC cria um regime fiscal e financeiro extraordinário para impedir que as despesas relacionadas ao decreto de estado de calamidade desencadeado pela pandemia, válido até 31 de dezembro, sejam misturadas ao Orçamento federal no mesmo período.
Como segundo problema, a parlamentar cita dispositivos que autorizam o Banco Central a comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, nos mercados secundários local e internacional, e direito creditório e títulos privados de crédito em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos, ponto que vem sendo questionado por senadores.
“O problema não está tanto no mercado secundário, mas como se daria fiscalização e controle, que sempre foi do Senado, mas a Câmara colocou que é pelo Congresso Nacional”, afirmou.
O terceiro entrave diz respeito ao risco institucional de se aprovar mudanças na Constituição por meio de sessões remotas, modo de votação adotado pela Câmara e pelo Senado de forma a evitar aglomerações e seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Tebet chegou a apresentar questão de ordem nesta terça em plenário, em que pontua “que as emendas constitucionais são as últimas medidas a serem alteradas em regime de calamidade pública”, justamente porque elas não passam pela sanção presidencial. Ela lembrou ainda que o rito de exceção utilizado pelo Congresso devido à pandemia não prevê a tramitação de propostas nas comissões, o que limita o debate, na opinião da senadora.
Em resposta à questão de ordem, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) argumentou que técnicos do governo ainda demandam instrumento que dê segurança jurídica a eles para adotarem as decisões burocráticas envolvendo a liberação de verbas e que esta PEC seria a única a ser analisada pelo plenário.
“Eu entendo, como Vossa Excelência, que elas (as despesas) já estão asseguradas, pela calamidade, pela decisão do Supremo e pelo momento que nós estamos vivendo, mas os profissionais ainda continuam dizendo que precisam de segurança jurídica para tomar as decisões”, disse o senador.
“Então, o que é que ficou acertado? Não faltará o Senado da República para dar as tais seguranças jurídicas que o governo está pedindo”, disse Alcolumbre.
“Nós vamos dar a segurança jurídica que o Governo está pedindo, e fica como filha única de mãe solteira, neste momento de deliberação remota, esta PEC, pelo tamanho da responsabilidade que temos e para dar a tranquilidade que o governo pede para o Senado e para o Parlamento”, acrescentou.
Os argumentos de Tebet foram reforçados por ofício da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), que representa auditores federais de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU).
No documento encaminhado à presidente da CCJ, a instituição lembra que a liberação de recursos está autorizada pelas medidas já aprovadas e que poderá ocorrer por meio de medidas provisórias com créditos extraordinários.
A associação lembra ainda que os atos legislativos que autorizaram as sessões remotas não mencionam a possibilidade de deliberação de PEC. Aponta, ainda, que propostas que alteram instituições de outro Poder, no caso o Executivo, ferem a independência dos Poderes.
Também em linha com a senadora e a associação dos auditores, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) argumentou que ao aprovar o decreto de calamidade, o Congresso deu um “cheque em branco ao governo”. Para o parlamentar, falta celeridade ao governo, que estaria “preso na burocracia” e “não desce do palanque”.
“Olha, recentemente nós aprovamos o decreto de calamidade. Esse decreto dá liberdade ao governo federal a fazer todas as suas ações de combate ao coronavírus”, argumentou Coronel. “Eu acho que essa PEC é uma PEC desnecessária.”
“O governo já tem as ferramentas para apoiar o povo brasileiro e apoiar a indústria brasileira, é só querer, ter vontade”, acrescentou.
Ao elogiar a decisão de Alcolumbre, o senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ) afirmou que “uma proposta de emenda à Constituição é algo muito sério”, e requer audiências públicas, comissões técnicas –inclusive a CCJ–, além das exigências de prazos especiais e intervalo entre os turnos de votação.