Senado: Reforma da Previdência agravará problemas sociais, dizem debatedores
Debatedores ouvidos nesta segunda-feira (21) pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) manifestaram preocupação com as consequências sociais da reforma da Previdência.
Eles consideram que povo e parlamentares não têm conhecimento suficiente sobre a proposta de emenda à Constituição (PEC 6/2019), que deverá ser votada em segundo turno nesta terça-feira (22), e previram que o agravamento da situação dos mais pobres pode despertar no Brasil uma revolta popular como a que está sendo verificada em vários países.
O assessor técnico da Câmara dos Deputados Flávio Tonelli Vaz considerou que a reforma afasta o trabalhador de sua Previdência ao impor requisitos inalcançáveis pela maioria. Ele classificou como confisco a falta de contrapartida do Estado à contribuição previdenciária do trabalhador.
Segundo Vaz, a exigência de tempo mínimo de contribuição deveria ser desconstitucionalizada para evitar “engessamento” da questão. Ele também disse que a reforma foi votada sem a discussão devida na Câmara dos Deputados.
— É uma grande falácia dizer que os parlamentares conheciam o conteúdo, pois só tinha seis artigos. Só quem conhecia era o relator e quem encomendou o texto — avaliou.
A presidente do Instituto de Estudos da Seguridade Social Wladimir Novaes Martinez (IESS), Dirce Namie Kosugi, criticou a carência de discussão técnica sobre a Previdência. Em sua opinião, a PEC desconsidera direitos fundamentais inscritos na Constituição, além de ferir princípios da igualdade e da segurança jurídica.
Para o diretor nacional da Intersindical Central da Classe Trabalhadora, Alexandre Caso, a reforma da Previdência se soma a outras emendas constitucionais que deixam o Estado “de joelhos” para a iniciativa privada.
Ele lamentou a falta de ação revisora do Senado diante da PEC e disse que os parlamentares favoráveis à reforma não teriam entrado no mérito da proposta porque precisam “entregar a encomenda do mercado”. Também defendeu uma reforma tributária capaz de cobrar dos mais ricos.
— Estamos falando de vidas, não de números. O que vamos ver no Brasil em alguns anos serão idosos nos semáforos e nas portas dos bares pedindo dinheiro para sobreviver — definiu.
O consultor de entidades sindicais Vladimir Nepomuceno criticou a insensibilidade da equipe econômica diante da situação dos trabalhadores, em aspectos como a restrição à aposentadoria por invalidez, as regras de transição desfavoráveis e o tratamento discriminatório aos servidores públicos. Ele acusou o governo de manipular os números da reforma e trocar favores por votos para a PEC.
— Eles estão querendo de qualquer jeito garantir o dinheiro que prometeram para o mercado financeiro — observou.
Presidente da Comissão Especial de Seguridade Social da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul (OAB-RS), Tiago Kidricki apresentou dados sobre a baixa empregabilidade dos brasileiros acima de 50 anos e a dificuldade para esse segmento da população cumprir o tempo necessário de contribuição para a aposentadoria. Para Kidricki, o governo não foi capaz de refutar o parecer da OAB, crítico à PEC, baseado somente em critérios econômicos.
— O Senado tem missão semelhante à da advocacia, de zelar pela constitucionalidade e pela razoabilidade da proposta.
O consultor legislativo Luiz Alberto dos Santos declarou que a conclusão da votação da PEC não encerra a discussão sobre a reforma da Previdência, pois haverá judicialização da emenda e “arrependimento” dos congressistas diante de uma proposta que terão votado sem ler.
— Essa é a maior fraude legislativa contra o povo brasileiro dos últimos 50 anos — atacou, lamentando que, diferentemente de outros países, a população do Brasil parece não estar se importando com a defesa de seus direitos.
Representando a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Valeir Ertler ressaltou a luta da entidade pela previdência universal, a exemplo da concedida por países desenvolvidos, e criticou as “castas” de trabalhadores que serão beneficiadas por regras especiais. Ertler considera fraudulentos os dados que fundamentam a proposta.
— Para o bem do Brasil, é preciso levantar esses dados e abrir o debate com a população. Sempre estivemos abertos ao debate — sublinhou.
Segundo Valeir Ertler, uma reforma tributária séria, que cobrasse mais impostos dos mais ricos, tornaria desnecessária uma reforma da Previdência.
A defensora pública federal Michele Leite Sousa Santos, citando artigos da Constituição, avaliou que a reforma da Previdência vai na contramão da garantia de uma existência digna.
— É muito difícil assistir sem se indignar com uma situação dessas – disse, prevendo que a Defensoria Pública seguirá lutando pelos direitos dos mais vulneráveis.
Representante da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed), Paulo Kliass opinou que a sociedade brasileira mostra desconhecimento sobre a proposta. Ele contestou os dados do governo sobre a crise na Previdência, classificou como “criminosas” as medidas de austeridade, e criticou o esforço de propaganda que diz que “sem a reforma o Brasil quebra”.
— Economia é uma ciência social, e, por isso mesmo, está preocupada com aspectos além dos números.
Kliass citou os países que promoveram reformas previdenciárias semelhantes à brasileira e tiveram que voltar atrás. Ele pediu a reversão da política econômica atual para que o Estado seja protagonista da saída da crise.
Representando a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Francisco Urbano criticou os grandes meios de comunicação e os parlamentares pró-reforma por terem “enganado” a população, e lamentou a falta de repercussão dos debates no Congresso sobre o tema. Ele disse que a reforma representa a destruição de um patrimônio e pediu a resistência dos juízes à proposta.
O presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), leu mensagem que pede aos membros do Senado atenção a trabalhadores em condições de alta periculosidade e insalubridade, em especial os agentes de saúde, na concessão de aposentadorias especiais.