Commodities

Sem o petróleo do Irã, sauditas se dividem entre Trump e seu novo aliado, a Rússia

24 abr 2019, 16:19 - atualizado em 24 abr 2019, 16:19
“A Arábia Saudita está agora em uma situação difícil, por ter uma aliança com a Rússia para reduzir a oferta petrolífera e outra aliança com os EUA para aumentar o abastecimento. Não dá para satisfazer a ambos os lados por muito tempo.”

Por Barani Krishnan/Investing.com

Aos olhos do mundo, a Arábia Saudita não poderia estar em melhor situação do que agora, com a Rússia apoiando-a nos cortes de produção e os EUA dispostos a trabalhar no aumento de oferta de petróleo.

Entretanto, especialistas afirmam que esse cenário dos sonhos não durará muito tempo, pois qualquer um dos países pode se aborrecer com o reino e atuar para atrapalhar seus planos mais bem concebidos.

Já faz quase cinco meses que a Rússia vem sendo uma espécie de “Big Brother” para Riade, emprestando sua autoridade como maior produtora mundial de petróleo ao lado dos EUA para ajudar a Opep a realizar seus cortes de produção.

Nas reuniões da Opep, o ministro de energia da Rússia, Alexander Novak, apareceu ao lado do seu colega saudita Khalid al-Falih, ao mesmo tempo que, em fóruns globais, o presidente Vladimir Putin saudava o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman, transmitindo uma mensagem conjunta aos mercados petrolíferos de que os dois gigantes do petróleo fariam o que fosse necessário para recuperar os preços da commodity após o crash de 2018.

Quem exerceu um papel consideravelmente menor com os árabes nesse período foi o presidente dos EUA, Donald Trump. Apesar da histórica aliança entre EUA e Arábia Saudita no Oriente Médio e da afetuosa relação entre as famílias dos líderes dos dois países, desde o ano passado Trump se portou mais como um vilão na narrativa saudita, depois de ter ludibriado o reino na primeira rodada de sanções ao petróleo iraniano, que provocou a violenta queda do mercado.

Nesta semana, porém, o presidente e os EUA ostensivamente retomaram sua posição original com os sauditas, depois da decisão de Washington de banir todas as exportações petrolíferas iranianas.

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Reconciliação com os EUA complica trabalho com Moscou

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Mesmo assim, a reconciliação das relações petrolíferas entre EUA e Arábia Saudita provavelmente complicará as tratativas de Riade com Moscou. Isso porque os sauditas praticamente forçaram os russos a permanecer em modo de corte de produção nos últimos cinco meses, mesmo depois de os preços do petróleo norte-americano West Texas Intermediate saltarem 40%.

O ministro de energia saudita, Falih, declarou nesta semana que o reino trabalhará para garantir a disponibilidade do petróleo depois do fim das isenções que os EUA concederam às suas sanções ao petróleo do Irã. Apesar da promessa, a expectativa é que os sauditas continuem protegendo os interesses petrolíferos da Opep por temer que os hedge funds que fizeram os preços do petróleo subir desde dezembro os façam despencar com o mesmo vigor, caso o mercado dê a entender, ainda que remotamente, que há uma situação de sobreoferta.

É pouco provável que funcione por muito tempo essa dupla estratégia da Arábia saudita – de dar a impressão de que está atendendo às necessidades Trump de preços mais baixos para o petróleo, sem de fato fazê-lo, e persuadir os russos a conter os aumentos de produção pelo máximo de tempo possível.

O diretor do fundo soberano da Rússia, Kirill Dmitriev, e o CEO da gigante petrolífera Rosneft, Igor Sechin, vinham alertando Putin nos últimos meses de que os cortes de produção estavam cedendo participação de mercado do país para o petróleo americano. Esses oligarcas russos abertamente exercem pressão para que haja maior produção de petróleo, a fim de fomentar uma competição saudável.

Enquanto os sauditas precisam que o petróleo esteja a cerca de US$ 75 por barril pelo menos – e, no melhor cenário, perto de US$ 85 – para financiar seu orçamento, os russos já começam a ter lucro com algo em torno da metade desse valor.

Rússia pode querer aumentar o número de barris mais rápido do que a Arábia Saudita

Também há a questão de como fica a Rússia no esquema da Opep, já que Trump agora voltou a pressionar os sauditas que, pelo menos aparentemente, estão fazendo seu jogo. Putin pode ser magnânimo o bastante para com o príncipe MbS para tolerar tudo isso. Mas a necessidade de colocar mais barris russos no mercado pode acabar sendo mais urgente para ele.

Trump também pode perder a paciência com a Opep caso os preços do petróleo não caiam significativamente com a maior oferta do cartel nas próximas semanas e meses. Depois de colocar em ação seu plano de zerar as exportações petrolíferas do Irã, Trump espera que os membros da Opep+, incluindo a Rússia, revertam rapidamente seus cortes de produção, substituindo os barris perdidos do Irã e de outras fontes, como a Venezuela e a Líbia.

O presidente precisa de combustíveis a preços baixos para sua campanha de reeleição em 2020. Mas Riade não está prometendo nada nesse sentido. Se não conseguir o que quer, Trump pode voltar a pensar em formas criativas de interromper o rali do petróleo, causando mais problemas para a Arábia Saudita.

A Petromatrix, consultoria suíça de petróleo, levantou essa possibilidade em uma nota emitida na terça-feira, dizendo que a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU), outra grande força dentro da Opep, deixaram a política tomar conta da gestão da oferta do cartel.

Sauditas não conseguirão satisfazer a ambos os lados
Segundo a Petromatrix:

“Em nossa opinião, a parceria explícita firmada pela Arábia Saudita e os EAU com os EUA para zerar as exportações iranianas tornará a coordenação mais difícil, aumentando as chances de a Opep+ voltar ao ‘salve-se quem puder’ em termos de oferta de petróleo.”

“A Arábia Saudita está agora em uma situação difícil, por ter uma aliança com a Rússia para reduzir a oferta petrolífera e outra aliança com os EUA para aumentar o abastecimento. Não dá para satisfazer a ambos os lados por muito tempo.”

Existe ainda a questão da China, que não está nada contente de ficar à mercê de uma Opep cada vez mais agressiva com seu petróleo.

Dos oito países que receberam isenções de Washington no ano passado para as sanções ao petróleo iraniano, a China foi o mais importante, ao comprar cerca de metade das remessas de Teerã, estimadas em um milhão de barris por dia.

Em vista de todo o trabalho do governo Trump para fechar um acordo comercial com Pequim, o banimento do petróleo iraniano e seu impacto nos preços dos combustíveis na China não poderiam ter vindo em um momento pior.

O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores, Geng Shuang, reagiu forte à decisão de Trump sobre o Irã nesta semana, dizendo que a “China se opõe veementemente às sanções unilaterais dos EUA”.

A Petromatrix acredita que a China desafiará o governo Trump, ao continuar comprando petróleo do Irã. Estima-se que Teerã ainda será capaz de exportar cerca de 700.000 barris por dia no ano, muito mais do que o “zero” desejado por Trump.