Selic tem nome e função de remédio, mas pode virar veneno
Antonio Marcos Samad Júnior*
A indicação de uma dose de Selic para conter uma dor de cabeça não parece nada absurda para boa parcela da população brasileira que não tem o hábito de discutir as implicações da taxa básica de juros na vida prática. Apesar disso, os movimentos em torno desse nome estranho poucas vezes foram tão fundamentais quanto agora para definir a velocidade (ou a falta de) com a qual o país sairá do atual estado de letargia em termos de crescimento econômico.
Afinal, ao ser usada como medicamento para eliminar os efeitos negativos da doença grave chamada inflação, a taxa Selic alcançou o patamar de 13,75%. O nível é considerado por muitos como o limite entre o remédio e o veneno.
Na condição de médico, o Banco Central se vê neste momento diante da difícil decisão entre, de um lado, manter o ataque à alta dos preços com os mesmos métodos e correr o risco de causar efeitos colaterais no paciente. De outro, diminuir a dose do remédio e correr o risco de permitir a recuperação do vírus inflacionário que embora esteja controlado, ainda não dá demonstrações de estar morto.
Seja como for, para o mercado financeiro é considerado um ponto pacífico que os 13,75% são prejudiciais para investimentos de renda variável. De fato, quem se anima a correr riscos na bolsa de valores se dá para obter boa remuneração, sem sustos, aportando recursos em títulos do governo atrelados à taxa básica mais IPCA?
Selic: Efeitos colaterais
Além disso, a taxa de juros alta encarece o crédito, reduz o consumo e, por tabela, prejudica o desempenho das empresas e da economia como um todo. Movimento esse semelhante ao daquela brincadeira de enfileirar peças de dominó na vertical e, no final, com um leve toque derrubar uma levando todas as outras a caírem. Na brincadeira é até bonito de ver. Na economia, não é.
Com menor demanda por produtos e serviços, há demissões e o aumento do desemprego afeta a renda dos consumidores que consomem menos ainda e assim por diante. Trata-se, portanto, de um círculo vicioso ruim.
Como se tudo isso não bastasse, ainda é necessário considerar fatores como a crise mundial, inclusive na cadeia de fornecimento. Da mesma forma, é preciso levar em conta questões domésticas, como a polarização política e o risco fiscal que contribuíram decisivamente para não permitir que o remédio surtisse o efeito desejado em um período menor.
Sinais de melhora
A boa notícia é que, apesar da demora, o paciente começa a se recuperar. A inflação de março medida pelo IPCA ficou em 0,71%, menos do que o mercado estimava, seguindo uma sequência de queda neste ano.
Para tornar a notícia ainda melhor, a inflação dos Estados Unidos também foi menor, o que leva a crer que o Federal Reserve irá repensar na manutenção de alta dos juros por lá. Além disso, o governo atual apresentou seu plano para contenção de gastos, o arcabouço fiscal, que se não parece perfeito aos olhos dos especialistas pelo menos é uma clara indicação de que o Executivo tem um plano para evitar a escalada do endividamento público.
Outra expectativa é de que, com as taxas parando de subir nos EUA, a bolsa de valores brasileira fique mais atraente para o investidor externo. Sabemos que, em momento de dificuldades, quem pode não hesita em correr para retirar o dinheiro dos mercados emergentes e alocar na segurança do mercado norte-americano.
Recuperação com vigor
Seja como for, embora talvez não seja necessário baixar a Selic imediatamente, seria recomendável que isso tivesse início de forma gradual. Afinal, agora não se trata mais apenas da reclamação de um político com viés eleitoreiro. Já existem demonstrações claras de que o próprio mercado está pedindo por isso.
O fundador e diretor de investimentos do fundo de hedge Autonomy Capital, Robert Gibbins, por exemplo, se juntou aos que defendem uma amenização na política adotada pelo BC para a Selic. No entendimento dele e de outros especialistas, as decisões sobre os juros começaram a ficar contraproducentes. Isso porque podem gerar recessão e reduzir a oferta de produtos e serviços em uma economia que já não oferece o suficiente.
Em outras palavras, a regra de gastos prestes a ser votada, os preços arrefecendo e a enorme necessidade de geração de emprego e renda parecem ser sinais claros de que a dose de Selic pode ser diminuída sob pena de perder o ímpeto de recuperação demonstrada pelo paciente.
Na prática, há um forte sentimento não só no mercado, mas em toda a sociedade de que caso a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) não sinalize que o viés dos juros é de baixa deste momento em diante, o remédio vai se transformar em veneno e aumentar as dores do paciente. Sempre é bom lembrar que remédio é necessário, mas em doses muito elevadas pode matar ao invés de curar.
*Antonio Marcos Samad Júnior é CEO da Axia Investing