Selic nas alturas: ‘BC quer matar formiga com canhão’, vê Werner, da Trígono
O Banco Central foi duro não só em aumentar a taxa básica de juros (Selic) em 1 ponto percentual, a 12,25%, como também ao contratar mais duas altas de 1 ponto, o que levaria as taxas para 14,25%, algo não visto nem na pandemia, quando o mundo viveu choque inflacionário.
E se a alta agradou parte de economistas, que viram na elevação um sinal de que a autoridade monetária vai fazer o possível para colocar a inflação na meta, por outro, uma Selic nas alturas pode trazer mais danos à economia do que benefícios. Pelo menos da visão do gestor Werner Roger, da Trígono Capital, com cerca de R$ 2,5 bilhões sob gestão.
Em entrevista ao Money Times, o gestor lembrou que a inflação está ligeiramente controlada. O IPCA de novembro subiu 0,39%, com alta acumulada de 4,76%, acima do teto da meta perseguida pelo Banco Central em 2024, de 3% com intervalo de 1,50 ponto percentual, mas ainda distante dos 8% do período da pandemia, quando a Selic chegou a 13,75%.
“Estamos com a inflação ligeiramente acima da meta, algo em torno de 0,2 ponto percentual. A política atual está usando um canhão para matar uma formiga. O dano que isso causa à economia, com desemprego e retração da atividade econômica, é muito maior do que tolerar uma inflação um pouco acima do centro da meta”.
Na sua leitura, a alta da Selic prejudica, inclusive, a própria arrecadação de impostos, que, por sua vez, agrava a situação fiscal do governo. “Quem paga essa conta? Os juros altos recaem sobre o governo, o Tesouro. Isso gera a necessidade de aumentar impostos, o que é insustentável”.
“O Banco Central precisa reconhecer que também contribui para a deterioração fiscal. Não adianta dizer que “não é comigo, é o Tesouro”. A política monetária e fiscal são interdependentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Federal Reserve considera não apenas a inflação, mas o impacto de suas decisões sobre a economia como um todo”, diz.
Governo também precisa fazer a sua parte
Werner também não deixou de falar do papel do governo nessa história. A piora das expectativas ocorreu, sobretudo, depois do pacote fiscal de R$ 70 bi em dois anos, visto como insuficiente, além da isenção do Imposto de Renda para quem ganha R$ 5 mil. Embora o governo diga que em impacto fiscal será neutro, parte do mercado ainda é cético sobre a medida.
“Se o governo não entender que precisa criar condições para que o Banco Central não seja forçado a continuar aumentando a Selic, a própria economia estará comprometida em ano de eleições. A responsabilidade é do governo: ele precisa ajudar o Banco Central por meio de reformas, melhor gestão de custos e compromisso com a responsabilidade fiscal. Caso contrário, até a estabilidade política estará em risco”.
Para Werner, uma Selic a 15%, como sustentam casas como XP e Itaú, é ‘insustentável’.
“No momento em que começamos a ver o aumento da inadimplência, seja entre pequenas e médias empresas ou até grandes corporações, isso acaba travando o mercado de capitais. Não há mais emissões independentes, tudo está paralisado. Apesar de uma euforia inicial, o mercado congelou: os bancos fecharam fundos de crédito, não vemos nenhuma emissão de dívida nem IPOs”.
Gasolina no fogo
Ainda segundo o gestor, as intervenções do BC no dólar são desperdício de reservas. A autoridade monetária fez novo leilão de dólares com compromisso de recompra nesta segunda-feira (16), quando foram ofertados US$ 3 bilhões. Apesar disso, a moeda subia 0,8% e renovava máximas.
“Gastar as reservas cambiais custa caro, porque o governo precisa emitir dívida para se financiar, injetando liquidez no mercado. Essa estratégia do Banco Central já se mostrou inócua várias vezes. O mercado pode até reagir positivamente por um ou dois dias, mas logo tudo volta ao mesmo lugar, com a diferença de que as reservas foram gastas sem trazer nenhum alívio real”, diz.
Werner afirma que sem resolver a questão fiscal, não adianta o BC tentar “apagar incêndios”. “É como ter um tanque de gasolina vazando e tentar apagar o fogo com um carro elétrico. Não funciona”
“O que precisa acontecer é o Congresso assumir seu papel. Se o Executivo não age, o Legislativo tem que tomar as medidas necessárias, apertando onde for preciso. A responsabilidade é compartilhada entre os três poderes”.