Seca força pecuaristas da América do Norte a vender seu futuro
Quando a pecuarista canadense Dianne Riding caminha pelo pasto marrom de sua fazenda, evitando pisar em rachaduras e gafanhotos, ela tem menos companhia do que o normal.
O calor recorde e a chuva esparsa deixaram Riding praticamente sem pasto ou feno para alimentar seu gado nas proximidades do Lago Francis, em Manitoba.
Ela vendeu 51 cabeças, cerca de 40% de seu rebanho, em um leilão em julho. As vendas incluíram 20 novilhas, vacas jovens que ainda não deram à luz e eram potenciais reprodutoras.
“Este é o seu futuro. À medida que meu rebanho diminui, minha renda também diminui”, disse Riding. “É angustiante.”
Essas liquidações de animais matrizes deverão limitar a produção de gado nos próximos anos, restringindo a oferta de carne bovina na América do Norte e elevando os preços ao consumidor, de acordo com duas dúzias de pecuaristas e especialistas no setor.
A seca que se estende por grande parte do oeste da América do Norte –do oeste do Canadá à Califórnia e ao México— queimou pastagens e safras de feno que alimentam o gado.
A situação dos produtores é um dos diversos impactos causados pela seca, que também danificou o trigo na Dakota do Norte e as cerejas no Estado de Washington, além de ter enfraquecido as colônias de abelhas e forçado a Califórnia a fechar uma grande usina hidrelétrica.
Na Colúmbia Britânica, uma cidade inteira pegou fogo, enquanto a Califórnia espera que uma área recorde sofra com os incêndios neste ano.
Cientistas especializados nas questões climáticas afirmam que o aquecimento global faz com que o calor extremo e a seca ocorram com mais frequência, mas alguns pecuaristas ouvidos pela Reuters contestam a relação dos fenômenos com as mudanças climáticas. Eles veem a seca atual como uma mudança normal no clima, da qual a indústria se recuperará.
Riding disse que está cansada de cientistas que culpam a agricultura, entre outras indústrias, pelas emissões de gases do efeito estufa, causadores do aquecimento global.
“Sei que a mudança climática é a última palavra da moda, mas acho que isso é um ciclo”, disse Riding, de 60 anos, cuja fazenda a noroeste de Winnipeg fica em uma das áreas mais duramente atingidas pela seca. “Às vezes, os ciclos são mais longos do que o normal.”
Já Gloria Montaño Greene, autoridade do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) que trabalha na redução de riscos para a agricultura, disse que a conexão entre a seca na Costa Oeste e as mudanças climáticas é clara.
“Há um aumento no calor. Estamos vendo vários incêndios florestais”, afirmou. “Estamos vendo as mudanças climáticas.”
Ampliando os problemas para os pecuaristas, os preços de rações alternativas –como milho, soja e trigo– estão nos patamares mais altos em anos.
Há tão pouca ração disponível que os agricultores de Manitoba compraram 280 toneladas de feno de lugares tão distantes quanto a Ilha do Príncipe Eduardo, cerca de 3.400 quilômetros a leste.
Em um ano normal, entre 10% e 12% do estoque de matrizes no oeste do Canadá, a principal região produtora de carne bovina do país, são eliminados devido à idade ou outras razões rotineiras, com os fazendeiros substituindo a maior parte delas, disse Brian Perillat, analista sênior da CanFax.
Neste ano, porém, os pecuaristas deverão abater de 20% a 30%, diminuindo o tamanho dos rebanhos, de acordo com a associação do setor Alberta Beef Producers.
Isso representaria uma redução sem precedentes do estoque de matrizes, com base em registros que remetem a 1970, disse Perillat.
Nos EUA, terceiro maior exportador de carne bovina do mundo, analistas esperam um impacto menor, porque o rebanho está mais espalhado.
Ainda assim, um terço do gado dos EUA está localizado em áreas de seca, de acordo com o U.S. Drought Monitor, o que faz com que os produtores tenham de tomar a dolorosa decisão de enviar animais para o abate mais cedo.
O pecuarista Pat Boone, 67 anos, do Novo México, reduziu seu rebanho de matrizes pela metade, para cerca de 200 cabeças, ao longo do último ano.
“Nossa terra está ferida, e muito ferida”, disse Boone, que mora em Elida, uma cidade com cerca de 200 habitantes no leste do Novo México. “Não vamos ter pressa para reabastecer.”
Menos gado, preços mais altos
Enviar fêmeas para abate em 2021, em vez de mantê-las para reprodução, reduzirá os estoques de gado pronto para o mercado em 2023, segundo economistas.
Os animais têm longos períodos de gestação e demoram a engordar após o nascimento.
“Quando liquidamos rebanhos de fêmeas, esses impactos de oferta acabam durando anos”, disse Mike von Massow, professor associado de alimentos, agricultura e economia dos recursos da Universidade de Guelph, Ontário. “Você tem essa ressaca.”
A Tyson Foods, maior empresa de carne dos EUA em termos de vendas, disse em uma recente conferência de resultados que espera que as margens operacionais de seu crescente negócio de carne bovina diminuam no próximo ano, em meio à liquidação dos rebanhos –embora os resultados ainda devam ser fortes.
Riding diz que irá precisar de quatro anos para reconstruir seu rebanho. Se a seca diminuir, ela poderá reter ou comprar novilhas no ano que vem, mas os animais não produzem seu primeiro bezerro até completarem dois anos.
Os consumidores também sentirão o aperto, afirmaram analistas.
Em agosto, o USDA reduziu suas estimativas para a produção de carne bovina dos EUA neste ano e no próximo, já que os pecuaristas estão criando animais para pesos menores.
Depois de uma seca ocorrida em 2014, os preços da carne bovina no Canadá avançaram cerca de 25% no ano seguinte e permaneceram elevados por pelo menos dois anos, disse von Massow, citando dados da Statistics Canada.
Assim, os preços da carne bovina devem subir já neste outono (no Hemisfério Norte), refletindo os preços mais altos para a alimentação do gado, acrescentou o professor.