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Se o seu café está mais forte, culpe as mudanças climáticas

16 ago 2021, 12:13 - atualizado em 16 ago 2021, 12:13
Café
O Brasil está se voltando para grãos da variedade canéfora mais fortes, amargos e resistentes ao calor do que o delicado arábica (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)

Líder mundial em café, o Brasil está se voltando para grãos da variedade canéfora (robusta e conilon), mais fortes, amargos e resistentes ao calor do que o delicado arábica, em um sinal de como as mudanças climáticas estão afetando os mercados globais –e moldando nossos sabores preferidos.

O Brasil é o maior fornecedor de arábica do mundo, mas sua produção se manteve praticamente estável nos últimos cinco anos.

Enquanto isso, a produção de robusta/conilon –mais barato, geralmente cultivado em altitudes mais baixas e visto como inferior em qualidade– aumentou e está atraindo cada vez mais compradores internacionais, de acordo com novos dados.

A expansão está desafiando o domínio de longa data do Vietnã no café robusta, ao mesmo tempo em que pressiona ‘players’ menores, cada vez mais concentrando a produção em menos regiões e deixando a variedade mais suscetível a picos de preços em caso de condições climáticas extremas.

Ela também promete alterar gradualmente o sabor do café no mundo nos próximos anos, à medida que uma quantidade maior da variedade robusta, mais forte e carregada de cafeína, amplamente utilizada na produção de café instantâneo, invade os ‘blends’ mais caros, atualmente dominados pelo arábica.

Seja qual for seu gosto, Enrique Alves, pesquisador da Embrapa, afirma que pode ser graças ao robusta que “nunca falte na nossa mesa o café de cada dia”, à medida que o planeta esquenta.

“É consenso que as plantas de café canéfora são muito mais robustas e produtivas do que as de café arábica. Não é exagero dizer que, para níveis equivalentes de tecnologia, os cafés da espécie canéfora produzem praticamente o dobro”, disse ele.

As duas variedades dominantes são contrastantes.

O arábica, que representa cerca de 60% do café mundial, é geralmente mais doce, com mais variações de sabor, e pode valer mais que o dobro do café robusta.

Já o robusta pode ser menos refinado, mas oferece rendimentos muito mais elevados e mais resistência ao aumento das temperaturas. Ele está se tornando uma opção cada vez mais atraente para os agricultores do Brasil, país que produz 40% do café do mundo.

“No futuro próximo, o mundo usará muito robusta brasileiro, tenho certeza disso”, afirmou Carlos Santana, chefe de trading no Brasil da Eisa Interagricola –unidade da ECOM, uma das maiores tradings de commodities agrícolas do mundo.

Ele acrescentou que as torrefadoras de todo o mundo estão experimentando cada vez mais adicionar mais robusta brasileiro, conhecido como conilon, aos seus ‘blends’ de café moído e instantâneo.

“Está ganhando terreno no ‘blend’ mundial.”

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Um novo dia, uma nova torrefadora

O Brasil aumentou sua produção de robusta em 20% nas últimas três temporadas, para 20,2 milhões de sacas de 60 kg, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). A produção do Vietnã, enquanto isso, recuou em 5%, para 28 milhões de sacas.

A posição do país do Sudeste Asiático como maior exportador global de robusta está garantida por enquanto, já que embarcou 23,6 milhões de sacas na temporada passada, contra 4,9 milhões de sacas do Brasil, segundo maior produtor de robusta do mundo.

No entanto, as coisas estão mudando para o Brasil no front internacional. A maior parte de sua safra de robusta é tradicionalmente utilizada para o forte consumo doméstico, de mais de 13 milhões de sacas por ano, mas o país agora acumulou um bom excedente para exportação.

Até este ano, muitos grãos brasileiros iam parar em armazéns certificados pela ICE Futures Europe, o último recurso no mercado para excedentes de café sem compradores internacionais.

Dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) mostram que em 2018, 2019 e 2020 cerca de 20% a 50% das exportações de conilon do Brasil foram para Holanda, Bélgica e Reino Unido, onde estão quase todos os estoques de café robusta da bolsa.

Em contrapartida, no acumulado deste ano até maio, apenas 2% foram enviados para esses locais. México e África do Sul estão entre os países que importaram muito mais robusta brasileiro, destinado a torrefadoras que transformam os grãos verdes em ‘blends’ de café para o varejo.

“Todo dia uma nova torrefadora diz que vai optar pelo conilon”, afirmou um operador sênior do mercado de café de uma trading multinacional com sede na Suíça.

Clima afeta o arábica

O domínio do Vietnã no café robusta tem se baseado em rendimentos médios muito mais altos do que os de rivais, de cerca de 2,5 toneladas por hectare. A Índia, por exemplo, tem uma produtividade média de robusta de cerca de 1,1 tonelada por hectare.

Mas com o Brasil tendo trabalhado por cerca de duas décadas para melhorar a qualidade, o sabor e a resiliência de seu conilon e, ao mesmo tempo, aumentar os níveis de produtividade em até 300%, o país está competindo agressivamente.

O Brasil possui agora um rendimento médio similar ao do Vietnã, e produtores acreditam que há potencial para mais crescimento.

Luiz Carlos Bastianello, produtor de conilon no Espírito Santo, disse à Reuters que fazendas modernas e mecanizadas no Estado alcançaram rendimentos recordes de até 12 toneladas por hectare.

O Brasil também realiza competições anuais para determinar a melhor qualidade do conilon.

“Estamos trabalhando na qualidade há 18 anos”, disse Bastianello, que é também presidente de uma das maiores cooperativas do Espírito Santo, a Cooabriel.

Ele acrescentou que há diversas variedades de robusta/conilon no Brasil, todas especialmente criadas para aumentar a resiliência genética e eficiência, sendo particularmente adequadas para resistir ao clima quente e seco.

Alves, da Embrapa, reforça que após o aumento da produtividade o foco está passando para a qualidade.

“Essa revolução silenciosa, não apenas proporcionou a seleção massal de plantas com características genéticas de grande eficiência agronômica, como representou um salto de produtividade…”, disse o pesquisador.

“Mas a grande virada se deu para a qualidade, quando o cultivo migrou para clones, a colheita começou a ficar mais cuidadosa, com altos índices de frutos maduros… Como resultado disso, os cafés canéfora, até então, considerados de segunda linha, se tornaram agradáveis e intrigantes.”

Em relação à produção de arábica, os agricultores brasileiros estão cada vez mais limitados por condições climáticas extremas, como as recentes geadas que devastaram cerca de 11% das áreas de cultivo da variedade no país.

Nos últimos quatro anos, a produção de arábica no Brasil, que possui um ciclo bienal, cresceu apenas 6% nas duas safras “de baixa”, enquanto se manteve estável nos dois anos “de alta”, segundo os dados do USDA.

Durian e Macadâmia ganham espaço no Vietnã

A Vicofa, associação de produtores de café e cacau do Vietnã, disse à Reuters que a produção de robusta do país pode seguir diminuindo nas próximas temporadas, à medida que agricultores cada vez mais intercalam as safras com a produção de frutas, nozes e vegetais.

“Não há mais terra disponível, e durian e macadâmia são mais lucrativos”, disse Tran Dinh Trong, presidente da Cong Bang Coffee Cooperative na província vietnamita de Dak Lak.

Nguyen Quang Binh, um analista independente do setor baseado no Vietnã, disse que torrefadoras, incluindo a Nestlé, substituíram parte do robusta vietnamita pelo café conilon nesta temporada.

A Nestlé, uma das maiores compradoras de café do mundo, está investindo 700 milhões de dólares no México, um centro exportador de café instantâneo, para modernizar e expandir suas fábricas de café.

Dados do Cecafé mostram que o México quase quadruplicou suas importações de conilon do Brasil nos últimos três anos.

A Nestlé preferiu não comentar sobre se está utilizando a produção brasileira em suas fábricas mexicanas.